Os media lusos e a irresponsabilidade funcional
quarta-feira, fevereiro 07, 2007
A agência Lusa,o Sol e o Diário Digital, ontem, noticiaram o seguinte, nestes termos:
Justiça: CSM decidiu suspender juíz por causa de blogue
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) decidiu hoje suspender preventivamente o juiz Hélder Fráguas por autoria de um blogue que contém linguagem considerada obscena e imprópria, disse à Lusa fonte daquele órgão.
Segundo adiantou a mesma fonte, o CSM optou pela suspensão do juiz Hélder Fráguas, que exerce funções no Tribunal do Barreiro, mesmo antes da conclusão do respectivo processo disciplinar, pelo que este fica impedido para já de exercer actividade.
A notícia não deixa margem para dúvidas: a decisão do órgão de disciplina dos juízes portugueses, decorreu do facto de o juiz em causa, ter um blog no qual usou “linguagem obscena e imprópria”, no conceito maioritário votado no CSM.
Se isto for verdadeiro, na plena acepção do termo, muitas questões se poderão levantar. No entanto, por agora e na dúvida, outras questões se podem colocar na mesa coloquial, relativamente a esta notícia:
O poder de accionar disciplinarmente um magistrados judicial, conferido por lei ao CSM, verifica-se em reuniões deste órgão colegial, ordinariamente, nas primeiras terças-feiras de cada mês.
Ontem, foi terça-feira e a notícia da suspensão, para além de outras que contendem com a instauração de outro inquérito disciplinar a outro juiz, por violação de dever de reserva, foi transmitida aos media por alguém do seio do próprio CSM. Membro, auxiliar ou outrém que soube directamente do assunto, por alguém de dentro e comunicou para fora.
Que ética preside a este tipo de revelações? A mesma que denota, quem estando por dentro de um procedimento reservado, o divulga aos quatro ventos, semeando a tempestade que adivinha, eventualmente desejada.
Como se faz a votação deste tipo de assuntos, em sede de plenário do CSM? Por braço no ar, em princípio a “forma usual de votar”. Talvez por isso se saiba que alguns membros se abstiveram, entre os quais, o conselheiro Laborinho Lúcio que declarou um sentido para o seu não voto, requerendo idêntico procedimento para si mesmo e pelos mesmos motivos relacionados com quebra do dever de reserva.
Estas deliberações devem ser fundamentadas nos termos da lei geral.
Daí, o fundamento para a suspensão de um juiz de direito, em exercício de funções, bastar-se-á com a simples alegação de uso de “linguagem imprópria e obscena”, ainda por cima num blog com características pessoais e intransmissíveis para a qualidade de juiz de direito?
Não se sabe e a notícia da Lusa e demais media, não o esclarece.
Resta assim concluir que provavelmente, a notícia, como muitas outras, será incorrecta, não rigorosa, baseada numa revelação fragmentada de qualquer garganta funda que garantiu ao jornalista aquilo que o mesmo provavelmente não pôde confirmar. Mas pôde publicar e desse modo enganar e prejudicar alguém.
Quem? O público leitor, crédulo e de boa-fé.
Se a notícia não estiver correcta, comoefectivamente pode não estar, mais uma vez se nos depara o problema mais grave dos media portugueses: a ausência de credibilidade, nestes asuntos.
A pena, no entanto, para estes procedimentos, é nula. Ou seja, os jornalistas, tal como os juízes, são irresponsáveis, nesta acepção: não respondem perante ninguém, por aquilo que publicam erradamente.
Publicado por josé 19:43:00
Quanto à forma como se lida com os "problemas"(no caso como lhe chama o Guilherme "ambiente digital", mas não só, "sinais dos tempos"), parece-me que, por mais modernista e ajustada aos tempos e ao contexto social, que seja, a visão das regras do exercício da profissão, sempre haverá que pedir um mínimo de recato e cumprimento de deveres de conduta privada, quando, estes, afectem de forma real o funcionamento da dita ou o seu prestígio.
Por exemplo, de que modo poderão os juízes comunicar de modo correcto as decisões complexas que por vezes tomam se estão sob dever de reserva?
Simplificando respostas, como os jornalistas pretendem, ou tentando explicar o que escreveram, de modo compreensível e mediatizado?
A Justiça que se vai aplicando em nome do Povo tem de ser entendida por esse mesmo Povo, embora este conceito seja um pouco fluido.
Mesmo assim, os novos tempos, com a crescente simplificação do modo de informar e a ausência de rigor, obrigam a um esforço ainda maior dos aplicadores do Direito se estes pretenderem efectivamente que as suas decisões sejam compreendidas por todos e principalmente pelos mediadores das notícias.
O dever de reserva abrange todo e qualquer processo ou apenas aqueles que estão sob o poder directo e imediato do juiz que comenta?
E um juiz do cível poderá comentar processos crime, como o Casa Pia?
E qual a razão exacta do dever de reserva tão alargado?
A seguir, vem as perplexidades. Várias e que como o comentário se alongou, ficam para outra vez.
Assim, pouco se porá o problema. Mas, quando tiver de ser encarado e, no caso de se entender pertinente revelar o porquê daquela decisão e nÃO outra, claro que deverá ser o mais compreensível possível (o que, convenhamos não é nem nunca será fácil, já que não se irá agora construir toda uma linguagem, ou código de comunicação ex-novo.
O dever de reserva, na minha perspectiva e parece-me que a jurisprudência tem ido nesse sentido, abrange os processos que estão sob o poder directo e imediato do juíz, quer, os que, podem, em termos reais, afectar o prestígio e dignidade da função.
Naturalmente, poder-se-á questionar: o que é o prestígio e dignidade da função?
O que é o "perfil" de magistrado?
A gravata será adereço obrigatório? E as calças de ganga?
Onde estão os modelos comportamentais para se ensinarem aos vindouros?
Outra bizantinice:
COmo é que os inspectores escolhem as pessoas que os secretariam? Obviamente pela confiança, lealdade e competência.
Mas...e como é que eles sabem sempre escolher e não se dá essa possibilidade a quem trabalha directamente com funcionários que são igualmente essenciais para o bom funcionamento de uma equipa?
Finalmente, qual será a essência da dignidade e prestígio de uma função como a magistratura?
Para mim, só uma: a mistura de qualidades, algumas delas insondáveis e que fazem com que possamos dizer, em relação a alguém: aí está um bom magistrado.
Em teoria será aquele que seja capaz de contribuir para dar a cada um aquilo que a cada um pertence.
Fácil, a teoria...
Mas existem factores determinantes que residem no carácter e no saber. Na rectidão e na fundamentação. Só com estas características se podem produzir "boas peças".
Quanto à indumentária... até está escondida, na maioria das vezes, desde que não "choque", esteja limpo e continue a dar um ar de honestidade à pessoa, parece-me que já vale tudo.
E... com isto já falamos de aspectos laterais.
Pede-se apoio para secretariar um acto e não uma função, pese embora a escolha possa recair várias vezes na mesma pessoa.
A pena, no entanto, para estes procedimentos, é nula. Ou seja, os jornalistas, tal como os juízes, são irresponsáveis, nesta acepção: não respondem perante ninguém, por aquilo que publicam erradamente"
José,
Só duas coisinhas: pelo que apurei, a suspensão do juiz Hélder Fráguas não tem nada a ver ocm o blog, mas com uns artigos de opinião que o magistrado escreveu num jornal do Barreiro (salvo erro). O assunto até foi tratado pela SIC há uns meses.
Depois, os jornalistas, ao contrário do que afirma, respondem todos os dias perante os leitores, como o meu amigo José. E a grande diferença, é que se um juiz for incompetente, as pessoas nada podem fazer. Têm que gramá-lo, por assim dizer. Se um leitor se sentir defraudado com o "seu" jornal, é simples: muda.
Em relação a estes inquéritos disciplinares, lembro que em 2005 o vice do CSM foi fotografado com um cahecol do PS ao pescoço a festejar a vitórias nas últimas legislativas.
Que eu saiba não houve nenhum inquérito disciplinar..
Um abraço
A sua desformalização é tão fatal como o tempo.
Se for, muito mais me preocupa, primeiro, que isso seja segredo, segundo, sendo segredo não seja respeitado quem o devia guardar em primeiro lugar.
Quer um exemplo?
O Público de hoje continua a bater na tecla da escrita no blog como sendo o motivo da suspensão do juiz.
Ora, segundo apurou, isso não corresponde à verdade.
Sendo falso, é uma notícia errada. As consequências para quem a escreve são nulas. Ninguém na redacção vai chamar a atenção da jornalista ( que podem ser várias porque há hierarquias no jornal) no sentido de se escrever sabendo o que se escreve e muito menos haverá consequências imediatas que se reflictam nas vendas do jornal.
O público que lê o Público, na sua esmagadora maioria nem se apercebe destas faenas. E quem diz o Público, diz o DN. por supuesto.
Quanto aos magistrados, a responsabilidade pelos erros é imediata: quem se sente afectado pelos mesmos, manifesta-se no processe de várias formas e se forem erros graves há instâncias de controlo que filtram os problemas no sentido de os resolver.
Não resolvem todos nem sequer os mais graves, mas se formos a ver, em relação a estes não se coloca simplesmente o problema singelo de proceder a fact checking: é um pouco mais complicado do que isso.
E neste caso da suspensão do juiz Fráguas é um caso de simples fact checking.
Eu parece-me que devia preocupar-se mais com o fundo da questão e não estar sempre a cair em cima dos jornalistas.
O Público notícia que na passada terça-feira o CSM registou em acta a suspensão preventiva do juiz HF "por utilização de linguagem considerada obscena e imprópria num blogue de sua autoria", (cito a notícia).
O que não percebi é que o texto do blog que o Público cita, sobre o suicídio nas cadeias, nada tem de obsceno ou de impróprio.
E eu pergunto:
Se quase todos os orgãos informativos principais estão a noticiar o facto porque é que o CSM não o desmente ou o esclarece?
Se ler hoje o Correio da Manhã fica a perceber o assunto muito melhor do que se ler o Público que nos desinforma de modo grave.