O estranho caso do juiz que escrevia obscenidades

Helder Fráguas nasceu em 1966.
Em 1990, licenciou-se em Direito, pela Faculdade de Direito de Lisboa (Universidade Clássica).
Foi advogado, notário, docente universitário, formador da Ordem dos Advogados e membro do Conselho de Gestão do Centro de Estudos Judiciários.
Actualmente, é Juiz de Direito.
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Segundo noticia o Diário Digital, o referido juiz de direito, foi suspenso [pelo Conselho Superior da Magistratura] das funções que exercia no Barreiro, devido à “linguagem considerada obscena e imprópria”.
Este caso singular de censura hierárquica, vinda de um órgão de gestão dos juízes e com incumbência específicas para o exercício de acção disciplinar, parece-me ter o seu quê de “inoque”.
"Inoque"?
Sim. A explicação vem em forma de conto. De Virgílio Ferreira e copiado deste sítio:

"(...)E eu a ligar-lhe. Realmente você é um pobre diabo, Silvestre. Quem é parvo é quem o ouve. Você é um bom, afinal. Anda no mundo por ver andar os outros. Quem é você, Silvestre amigo? Um inócuo, no fim de contas. Um inócuo é o que você é.
Silvestre já se dispusera a ouvir tudo com resignação. Mas, à palavra “inócuo”, estranha ao seu ouvido montanhês, tremeu. E à cautela, não o codilhassem por parvo, disse:
— «inoque» será você.
Também o Ramos não via o fundo ao significado de inócuo. Topara por acaso a palavra, num diálogo aceso de folhetim, e gostara logo dela, por aquele sabor redondo a moca grossa de ferros, cravada de puas. Dois homens que assistiam ao barulho partiram logo dali, com o vocábulo ainda quente da refrega, a comunicá-lo à freguesia:
— Chamou-lhe tudo, o patife. Só porque o pobre entendia que a jorna de um homem é fraca. Que era um paz-de-alma. E um «inoque».
— Que é isso de «inoque»?
— Coisa boa não é. Queria ele dizer na sua que o Silvestre não trabalhava, que era um lombeiro, um vadio.
Como nesse dia, que era domingo, Paulino entrara em casa com a bebedeira do seu descanso, a mulher praguejou, como estava previsto, e cobriu o homem de insultos como não estava inteiramente previsto:
— Seu bêbado ordinário. Seu «inoque» reles. "


(o conto continua aqui)

Publicado por josé 10:49:00  

10 Comments:

  1. rb said...
    Fiquei perplexo com a notícia. O José conhece o blog e o que lá se escreve. Que obscenidades são essas que tanto escandalizaram o CSM?
    josé said...
    Não conhecia, mas conheço agora. E o que li, não me parece de modo nenhum susceptível de provocar a reacção do CSM, tal como provocou.

    Parece-me mesmo inacreditável.
    naoseiquenome usar said...
    E parece-lhe mesmo que é só por causa do blog?
    E os artigos de opinião em jornais da terrinha e não só em que comenta casos concretos que tem em mãos, utilizando sempre uma linguagem "contundente" para não lhe chamar outra coisa?
    Já agora, a suspensão já foi há uns dias.
    Parece-me que se está a entrar por uma via em que nada pode ser "censurado" e, ao contrário, tudo pode ser permitido...
    Não sei, realmente, onde chegaremos assim.
    António Balbino Caldeira said...
    O "Não Sei que Nome Usar" parece muito bem informado. Mais do que o porta-voz do CSM conseguiu explicar aos jornalistas...
    António Balbino Caldeira said...
    Está explicado: a linguagem não é "obscena", mas contundente. E é por causa dos jornais da "terrinha" e não dos blogues - o que torna o crime muito menos grave do que se fosse num blogue (ou carta anónima, o que vai dar ao mesmo), mesmo que assinado... Porque se fosse por causa dos "casos concretos que tem entre mãos", a obscenidade não seria apresentada como motivo da suspensão, penso.

    Já agora, e tendo a suspensão sido decretada há uns dias, onde consta - é que não achei a informação no sítio do CSM onde deveria constar, em nome da tal obrigação de transparência e accountability perante a comunidade. É que o Simplex quando nasce tem de ser para todos. Já a cidadania...
    josé said...
    Não sei que nome usar:

    As notícias que surgem nos sites,referem-se ao blog e à linguagem imprópria e obscena.

    Se outros motivos houver, uma vez que se tornou notícia nacional, conviria esclarecer quanto antes.

    Mas sobre a sua dúvida, pertinente aliás, vamos discutir, então, o que se pode ou não pode fazer?

    Com clareza e espírito aberto aos novos tempos?

    O problema não é só de cá...
    naoseiquenome usar said...
    Com certeza, José!
    Com clareza de espírito e aberta aos novos tempos, ou não seja eu dos "novos tempos", mas não me parece que deva acolher tudo o que deles vem.

    Com certeza.
    Após o cumprimento dos nossos afazeres profissionais, poderemos então, se ainda quiser, discutir o que se pode e o que não se pode fazer.

    No entanto, um processo disciplinar é de natureza secreta pelo menos até à dedução de acusação, pelo que, e desde já me parece que o CSM não tem que revelar os factos que estiveram na origem da instauração do processo e muito menos discuti-los na praça pública.

    De resto HF saberá defender-se muito bem.
    rb said...
    Já li dois posts que terão sido publicado num blog dele no jornal Sol.
    Não me pareceram nada de extraordinário mas é verdade que o "estilo literário", com recurso a algum calão pode ser tido com impróprio à luz do Estatuto dos Magistrados.
    O que me parece é que a pena é completamente desproporcionada e revela um excesso de pudor por parte do CSM. As usual.
    Gomez said...
    Pergunta inocente:

    Por que razão esta notícia, que também foi publicada (pelo menos) no “DN” (06-02-2007, p. 33 – link não disponível) e no “JN”, ainda não saiu no “Público”?

    (peço desculpa por mudar de assunto, mas apeteceu-me fazer este post à Paulo Gorjão e não consegui publicá-lo...)
    100anos said...
    Caro fantasma100, esqueceu-se do cilício, que me parece omissão de vulto.
    Sem ele, tudo o resto é "inoque":):):)

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