Envelope carimbado

O vergonhoso Inquérito parlamentar ao chamado caso do envelope 9, assunto magno de intrigas, lançado para a praça pública, por um jornal dedicado aos "famosos, dinheiro e crime", no início de 2006, continua a dar trabalho aos deputados da Nação. Na “casa da democracia”, por proposta do partido BE, o grupo maioritário que compõe o leque partidário do momento, com um apoio expresso, comprometido e empenhado daquele partido da extrema esquerda, procuram averiguar o que se passou numa diligência particular de um Inquérito criminal, para cuja investigação era exclusivamente competente o ministério público, deste país.
Não satisfeitos com as conclusões do inquérito criminal que averiguou em sede própria o que terá acontecido com uma lista de chamadas telefónicas que foram pedidas à operadora telefónica, PT, relativas ao telefone de um arguido, por sinal político de relevo no partido da actual maioria, os deputados da mesma maioria, decidiram ouvir várias pessoas ligadas ao assunto, em inquérito parlamentar. Os comentários dos diversos deputados da actual maioria e do dito partido de extrema esquerda, estão disponíveis na rede e nos jornais para quem quiser ler.
Objectivo? O Parlamento achou-se no direito de perguntar a quem entendesse, as razões para a existência, de uma lista relativas a telefonemas efectuados por figuras relevantes do Estado português, no dito processo de inquérito da Casa Pia, para além dos elementos do pedido expressamente autorizado pelas autoridades judiciárias ( o juiz de instrução autorizou).
Esta questão simples, tem levantado inúmeras especulações entre deputados, políticos e comentadores de jornais que publicam opiniões. As respostas iniciais, logo na primeira semana em que os factos vieram a público, confirmaram-se sempre e em todas as averiguações oficiais.
Não obstante, no inquérito parlamentar, terem-se confirmado mais uma vez as explicações para o caso, um deputado do PS, advogado de profissão, nos Açores, membro da comissão parlamentares, teceu algumas considerações sobre a prestação de Souto Moura, enquanto PGR.
Chegou a dizer que Souto Mouranão tinha conhecimento do assunto”,numa altura em que se equacionava a sua audição, bem como a do próprio juiz de instrução Rui Teixeira. Este, afinal, não será ouvido, por aparente “falta de interesse” da Comissão, apesar de o presidente da dita, ter criticado publicamente a sua decisão de “autorizar” a recolha dos elementos, dizendo que isso não era normal.
Ainda assim, Souto Moura, enquanto antigo PGR foi ouvido, ontem. Que disse de relevante?
Segundo o Público ( que não é fonte de informação totalmente credível nestes assuntos), disse que as disquetes do envelope nove, ficaram esquecidas, arrumadas e foram ainda assim anexas ao processo com todo o material. E que portanto nem sequer foram consultados os seus elementos que foram publicados pelo tal jornal de referência e que por sua conta e risco averiguou de quem eram os números a mais e publicou os resultados, com grandes parangonas que passaram até pela revelação de pormenores da vida íntima, particular e médica, do presidente da comissão de Inquérito, Vera Jardim.
O antigo procurador, disse ainda que por causa disso, foi pedido, novamente à PT, uma remessa dos dados julgados com interesse para o processo, dessa vez fornecidos em cd e sem anexo. Tais declarações confirmam o resultado das investigações efectuadas pela entidade com poderes de investigação criminal exclusivos, em Portugal, em função das leis que temos aprovadas democraticamente.
Os deputados promotores e aprovadores do Inquérito não confiaram nesses resultados e por isso, convocaram aqueles que lhes pareciam poderem esclarecer mais do que o que já ficou esclarecido.
Um jornalista, José António Lima, do semanário Sol, apelidou o inquério parlamentar de “ridículo”. Outros, no entanto, apostam no parlamento como instância de recurso para reposição da dignidade perdida, após a ofensa da investigação aos pares.
Depois das declarações de Souto Moura, ontem no Parlamento, o Público dá voz a “alguns deputados” , anónimos como convém e que terão referido que no referido processo houve uma “rebaldaria” e que até se mostraram surpreendidos por tal revelação.

O classificativo, vindo de quem vem, tem o seu quê de irónico. Num regime político que admite que um grupo de políticos de partidos de maioria, aprovem inquéritos parlamentares propostos com intenções pouco claras, a incidentes processuais, no âmbito de um Inquérito criminal dirigido pelo MP e já na fase da responsabilidade do poder judicial, o mínimo que se pode pensar de tal regime, nem é sequer a afloração de uma rebaldaria. É pior que isso.
O Inquérito parlamentar em causa, é com toda a evidência de quem quiser ver o óbvio, uma interferência do poder político-legislativo do partido de maioria parlamentar, na competência separada, autónoma do MP e até da independente, do poder judicial.
Os objectivos declarados do inquérito em causa, não são apenas ( et pour cause) o apuramento das causas da junção a um processo de inquérito, de elementos de prova, considerados importantes por quem de direito. O inquérito parlamentar não se destina a satisfazer a mera curiosidade dos parlamentares e povo em genral, nem tem o objectivo positivo de melhoria de um sistema legal.
Não. O que se adivinha, cada vez mais e com indícios consistentes, no tipo de intervenções públicas dos seus mentores, é a intenção não declarada de averiguar um qualquer indício ou prova mínima para apontar a existência de prática pelos responsáveis pela investigação criminal no Inquérito em causa, de um crime de abuso de poder ou até de denegação de justiça ou prevaricação.
Sabendo dos contornos particulares deste tipo de crimes, dolosos por natureza, seria muito difícil, numa hipóteses remota, responsabilizar um antigo procurador geral da República, ainda por cima nomeado por representantes políticos da actual maioria, pela prática de crimes desse tipo. Mas quem adiantou figuras peregrinas do tipo de procuradores especiais, pode muito bem seguir pela via espinhosa de vindictas inconfessada.
A questão, nunca claramente enunciada está pois em aberto.
Aliás, só poderá estar, porque o objectivo da comissão parlamentar, perante aquilo que já se conhece e que permite que pessoas responsáveis escrevam que se trata de um “inquérito ridículo”, não é apenas saber o que se passou, na verdade. Isso, já toda a gente que quer saber, sabe muito bem, há muito tempo. Ninguém fala da negligência da PT;ninguém quer saber quem mandava na PT, nessa altura, ou até quem aprovou a lei e regulamentos que permitiram que sucedesse o que sucedeu. Isso, ficará sempre esquecido, porque não é o que interessa lembrar.
Então, o que realmente se desenha no domínio cogitacional dos fautores do inquérito parlamentar em causa , poderá mesmo ser a intenção, apesar de tudo ainda não declarada, mas já suficientemente indiciada, de perseguição a um putattivo responsável por um Inquérito criminal. Perseguição que pode atingir o campo criminal, perante as dúvidas que alguns dos seus membros publicitaram, e que revelam em todo o esplendor, a inversão da lógica do nosso Estado de Direito.
Neste inquérito parlamentar, não se pretende, como noutros antes deste, colocar a Assembleia da República, perante uma averiguação de factos e um decisão concreta sobre a existência de indícios de algo a classificar, relativamente a um assunto cuja investigação competiu à entidade que tinha poderes constitucionais para investigar. Este inquérito vai mais longe do que isso: pretende sindicar a própria entidade investigadora, com competência constitucional para tal. A clareza de tal propósito, torna-se evidente e a direcção das perguntas e das diligências não deixam dúvidas.
Se assim não fosse, este inquérito teria abortado, antes das dez semanas, ou nem sequer seria concebido. Assim, continua a tarefa de investigação, procura, averiguação e indagação de motivos, razões e pretextos para a responsabilização, criminal, disciplinar, ou no fim de contas, meramente cívica, de quem investigou os factos e em último ( ou em primeiro, mesmo) do próprio procurador geral da República deste pais, pois foi nessa qualidade que se ouviu Souto Moura.
Será difícil encontrar ignomínia maior, no nosso Estado de Direito democrático, no passado dos nossos trinta anos de democracia.
E tudo isto, porquê?
Porque algumas figuras de proa de um partido democrático e que agora tem a maioria parlamentar para legislar e governar, assim o querem, por terem sido incomodados na sua tranquilidade de carreira política, entendida como direito adquirido desde o tempo de juventude. Tal e qual.
Democracia, isto?
Arranje-se um único exemplo, deste tipo e com estes procedimentos, no regime precedente - o de Salazar e Caetano.

Publicado por josé 16:16:00  

3 Comments:

  1. zazie said...
    Pode crer, José, não há ditadura pior e mais corrupta que esta do PS
    josé said...
    Não chego a tanto, pois não meto no sado das ditaduras aquilo que me parece apenas uma tendência de tomar o poder disponível.
    Quem não segue princípios sólidos, por falta de verdadeira cultura democrática, confunde pluralidade com tolerância à diferença, principalmente a tal...fracturante.
    Anónimo said...
    O Louçã farta-se de fazer barricadas em defesa dos seus amigos "apanhados" do PS, com grande "injustiça" claro ou não andasse pedido de indemnização a correr...
    Com cenas destas os deputados só se enterram... mais do que já estão!
    Olha se eles reduzem aquela cambada de verdadeiros inúteis pois que bastava um táxi para transportar a AR como está o esquema montado...

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