Aristocracia partidária
terça-feira, janeiro 02, 2007
Vital Moreira começou o ano, no Público de hoje, a vituperar os trabalhadores do sector público, administrativo e empresarial, pelos protestos, manifestações e greves. A causa imediata residiria na retirada de direitos e regalias, antes distribuídos pelos próprios poderes públicos que agora reclamam a devolução, com juros de mora. Considera como “gritantes as situações de regimes privativos francamente diferenciados, para melhor, em relação aos demais trabalhadores, em geral e aos trabalhadores do sector privado em especial”.
O putativo núncio deste governo, acha que privilégios, regalias e prebendas do vínculo à função, são injustificáveis. “De todo em todo”, diz o núncio. E os mais gritantes são os regimes privativos especiais, tipo dos concedidos aos jornalistas, professores, magistrados e funcionários públicos em geral.
Vejamos: quem deu os privilégios aos privilegiados? Quem regalou os direitos adquiridos?
Parece óbvio que foram aqueles mesmos que agora os retiram. Nenhum funcionário público tem o poder se de aumentar a si mesmo ou á classe a que pertence.
Daí que pareça inteiramente lógico que se questionem os acólitos desta governação, para saber onde estavam, na altura em que tais regalias, privilégios e prebendas foram considerados como forma de “dignificação da função pública” e como tal distribuídos . Principalmente, conviria determinar quem foram os pródigos que delapidaram o erário público, ao ponto de agora se classificarem como “injustificáveis” as regalias que dantes eram apenas direitos de quem trabalha, concedidos a eito e com a justificação da própria lei democrática e do próprio programa governamental.
A linguagem eufemística e o abuso semântico, sempre foram os instrumentos preferidos de acólitos, núncios e preceptores, para fazerem passar mensagens desagradáveis dos seus senhores ou do seu grupo; mas são os factos quem os rasteira nas argumentações falaciosas e lhes desmancham a fachada sempre vistosa.
Em 1995, na sequência da vitória eleitoral e dos Estados Gerais do PS ( o partido confessava-se então desfalcado de nomes competentes e no Sinédrio do Coliseu escolheram uns tantos, incluindo o de Vital Moreira ), no programa do Governo de António Guterres, no capítulo dedicado à Função Pública, pode ler-se:
“f) Flexibilização dos mecanismos de gestão dos recursos humanos, financeiros e patrimoniais dos serviços, com aumento de responsabilidade e poder de decisão dos Altos Dirigentes da Administração Pública;”
Pode ainda ler-se:
“j) Flexibilização dos mecanismos de fixação dos quadros de pessoal dos serviços, do sistema de carreiras da função pública e da definição de funções dos vários grupos de pessoal da função pública, de acordo com as novas exigências de gestão previsional de efectivos, intercomunicabilidade entre carreiras e polivalência e mobilidade funcional;”
E mais ainda:
“n) Revisão da legislação sobre o direito à negociação e concertação social na Administração Pública, garantindo a audição das organizações sindicais nos mecanismos de gestão dos órgãos responsáveis pela reforma e modernização da Administração Pública;”
Quem eram os ministros em 1995?
António Guterres, José Sócrates ( ministro adjunto), António Costa, Jaime Gama, Sousa Franco( nas Finanças), Jorge Coelho, João Cravinho, Vera Jardim, Pina Moura ( na Economia), Capoulas Santos, Marçal Grilo ( na Educação reforçada com milhões e milhões), Maria de Belém, Ferro Rodrigues, Elisa Ferreira, Manuel M. Carrilho e Mariano Gago.
Em resultado de eleições de Outubro de 1999, o povo português voltou a confiar os destinos da governação da coisa pública a António Guterres e ao PS que incluía muitos dos actuais governantes e apoiantes, Vital Moreira incluido entre estes.
Do programa do então governo de Guterres:
“A política de rendimentos manterá como objectivo a aproximação progressiva dos salários médios reais aos níveis salariais europeus. (…) Será intensificado o controlo da despesa pública corrente primária através, nomeadamente de: Medidas racionalizadoras das despesas públicas, nomeadamente na saúde, na Administração Pública e na afectação de recursos destinados a subsídios, bonificações e incentivos que o Estado concede, os quais devem ser submetidos a um rigoroso escrutínio do ponto de vista da utilidade e da equidade sociais;”
Quem eram os ministros do Conselho que executava o respectivo programa?
Guterres, Jaime Gama, Oliveira Martins ( agora no tribunal de Contas), Rui Pena, Severiano Teixeira, José Sócrates ( Ambiente), António Costa, Braga da Cruz ( Economia), Elisa Ferreira ( Planeamento), Capoulas Santos, Júlio Pedrosa ( Educação), Correia de Campos, Paulo Pedroso, Augusto Santos Silva, Mariano Gago, Alberto Martins ( reforma do Estado e da Administração Pública), José Lello ( Desporto, estádios do Euro) e António José Seguro ( adjunto do PM).
Perante estes nomes e perante a execução dos milhões do III Quadro Comunitário de Apoio, logo em Janeiro de 2000, com os dinheiros que entravam, ainda assim, em Abril de 2002, Guterres achou que estava num “pântano” e fugiu - para lugares mais seguros e serenos.
As eleições que se seguiram permitiram o julgamento dos governos de Guterres? Segundo alguns, sim, o que desculpa tudo e limpa todas as asneiras, permitindo ainda alijar responsabilidades para quem legisla em maioria relativa.
Mas… será que as eleições permitiram mesmo esse julgamento? E qual foi a decisão? A perda das eleições e do poder durante três penosos anos?
As pessoas que votam e escolhem, saberiam então de tudo isto que agora se ouve dizer a Vital Moreira e alguns outros economistas que então nos governavam?
Se sabiam, como se justifica que voltassem a escolher os mesmos e as mesmas políticas que só diferem quanto ao discurso logo encetado na posse do actual governo? Significará tal escolha democrática, a legitimação deste discurso de negação do antes apregoado como valor?
As respostas falaciosoas aparecerão sempre. Ficam por isso, os factos. E entre estes, indesmentíveis, resultam os que demonstram que foram aquelas pessoas, acolitadas por Vital Moreira e muitos outros quem nos preparou o belo caminho dos privilégios, regalias, mordomias e prebendas agora julgadas “injustificáveis”, constituindo “gritantes situações de privilégio”!
A gente que vai aturando estes governantes que temos, gostaria talvez de ver um pouco mais de humildade no discurso e principalmente na memória. Um pouco mais lata, nestas recordações e muito menos lata, no discurso habitual de condenação dos “privilégios e regalias”.
Por exemplo, em vez do arrazoado justificativo das regalias “injustificáveis”, poderíamos compreender melhor se o mesmo viesse acompanhado dos números de funcionários admitidos durante esses quase dez anos de governação, na Função Pública. Gostaríamos de saber quem foram também os governantes manifestamente incompetentes em deter o défice dos orçamentos e que colocaram objectivamente o país na cauda da Europa. Ainda mais do que já estava e mais longe das locomotivas e das carruagens de primeira classe.
Poderiam também ensinar às crianças e lembrar ao povo, quem foram os responsáveis pelas nomeações de sucessivas administrações nas empresas do sector público empresarial, tipo Metro de Lisboa, CTT ou mesmo REFER, para se perceber o verdadeiro significado da expressão “no jobs for the boys”, entretanto esquecida.
Estes acólitos indefectíveis, mesmo assim, procuram aproveitar o fumo espesso do comboio da ignorância generalizada, apesar de terem apostado milhões na Educação, para, uma vez mais, procurarem convencer papalvos e basbaques de que a culpa do atraso deste combóio, é dos passageiros. E o pior é que muitos acreditam e até aplaudem.
Imagem: Revista do Expresso de 18 de Março de 1995,dedicada aos "100 nomes do PS"
Publicado por josé 15:44:00
É ver os nomes que se sucedem no poleiro e como chegaram lá.
Nos diversos partidos, de há trinta anos a esta parte são sempre os mesmos a pôr e dispor.
Balsemão até já disse num programa de tv ( Prós & COntras) que acha muito bem esta espécie de profissionalização dos políticos no activo.
Alguns, entretanto, já gozam as delícias das reformas acumuladas que legislaram no bom tempo.
Cavaco é um deles.
Depois de uns dias ausente da Lusitânia, cá estamos de novo de volta à realidade crua desta república de bananas.
E o comboio cada vez mais atrasado…
Basta ir a este sítio e confirmar que efectivamente era mesmo ministro.