Civilização, parte III
quarta-feira, dezembro 27, 2006
O historiador Rui Ramos de quem Vasco Pulido Valente elegeu um livro sobre o rei D. Carlos, com um dos melhores do ano que passou, escreve hoje no Público algumas considerações interessantes, sobre…corrupção.
Começa por chamar à atenção do leitor, o facto de nestas últimas semanas, dois chefes de governo europeus terem sido chamados pela polícia dos respectivos países. Repare-se na nuance: pela polícia. Continua dizendo que Tony Blair respondeu durante quase duas horas e que Dominique de Villepin, secou durante 17 horas, num tribunal de Paris, para ser ouvido.
E depois remata: “o motivo dos dois interrogatórios é o mesmo: corrupção. Estarão as democracias ocidentais mais corruptas?”, antes de fazer o paralelo algo surrealista para os habituais comentadores indígenas – “Num Portugal obcecado pela corrupção, da política ao futebol, ainda nenhum chefe de governo foi chamado a depor”.
Rui Ramos acha que a corrupção é coisa fácil de definir: “ abuso de funções públicas para proveito pessoal ou de amigos”. Mesmo que assim seja – e não é bem assim que a lei penal a define- o que aparentemente espanta no artigo de Rui Ramos é a sua verificação que “um sistema judicial independente e eficiente é uma condição da democracia, e a sua falta a causa principal da corrupção, tanto da real como da percepcionada”. E termina com uma máxima de tomo: “ A uma democracia, não basta que os seus cidadãos seja honestos: é também necessário que o possam parecer”.
Pois deveria ser, mas não é. Em Portugal, actualmente, não é. E basta ver os exemplos recentes de há três anos a esta parte, relacionados com um processo de abuso sexual de menores em que foram envolvidos políticos de um partido de maiorias. Basta ver com olhos de ver o que se tem passado com o governo que esse partido constituiu, para se verificar em que grau de democracia nos encontramos: no grau zero, de facto e talvez de direito.
Por causa desse processo, foram alteradas leis fundamentais em direito penal e processual penal, sob pretextos variados de defesa de direitos, liberdades e garantias. Foi tentado, pelo partido da maioria, o acantonamento do procedimento criminal relativo aos políticos, em sede de processo especial e tentado ainda a instauração de uma procuradoria paralela, para fugir à regular e atacar os trânsfugas.
Tudo isto foi denunciado publicamente. Se existe maior corrupção do que esta que alguém o diga. Eu, não conheço.
Depois disto, mencionar o caso da França e da Itália, como exemplos, em que chefes de governo não só se submetem a escrutínio processual, em matérias penais, pelos detentores do poder de investigação, só mesmo por força de um raciocínio surrealista.
Não é assim?! Então, tentem imaginar o primeiro-ministro actual a ser convocado pela Maria José Morgado ou pela Cândida de Almeida ( para já não falar pelo chefe de brigada da PJ) para depor num processo qualquer. Olhem: pode ser o do Freeport.
Imaginem por um segundo, apenas. E imaginem o que se leria a seguir, nos editoriais e nos artigos inflamados dos nossos Pachecos, Fernandes e Teixeiras.
Outro exemplo, vem das notícias de hoje, já requentadas pelo quadra. O título das notícias diz-nos que Abílio Curto está em liberdade condicional desde o dia 23 de Dezembro, depois de cumprir dois anos e meio dos cinco anos de sete meses de prisão em que foi condenado, pela prática de dois crimes: fraude na obtençãod e subsídio e corrupção passiva para acto lícito. Cumpriu porque se conformou com a pena, não recorrendo ao tribunal Constitucional que provavelmente teria decidido...como ninguém pode saber. O que se sabe, porém é que Abílio Curto logo que foi preso ( depois de esgotar os recursos ordinários, com excepção do do Constitucional), declarou ao Expresso: "o dinheiro foi todo para o PS". Alguém ligou?
Ligou, sim. Vital Moreira disse por escrito que tal não seria verdade. Wishfull thinking que bastou para um wishfull mood. E assim ficou.
A democracia em Portugal tem pouco mais de trinta anos. O salazarismo durou quase cinquenta. Ainda perdura.
APOSTILA, em 29.12.2006
A Sociedade anónima dos nomes mediáticos
Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prêmio de ser assim
sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
conosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo
Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro
Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte.
poema de Natália Correia, cantado por José Mário Branco
Por causa de eventuais queixas das jovens almas censuradas, obrigo-me a declinar e explicar, em apostila, um dos versos do poema que epigrafo:
Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
A sociedade anónima indicada como produtora de conteúdos mediáticos, tipificada nos simbólicos Pachecos, Fernandes e Teixeiras, tem outros sócios, que não são nomeados ( et pour cause). É uma sociedade de capitais mistos, públicos e privados que nos entregam regularmente opiniões e notícias em forma de papel, mesmo do virtual.
A sociedade mencionada, procura influenciar e orientar a vida pública através da opinião publicada e concorre com outras sociedades, igualmente anónimas, igualmente simbolizadas em certos nomes de cartaz.
Sempre disponível, anda por aí, a sociedade dos Tavares, Vitais e Tadeus. Exemplo também será a sociedade dos Saraivas, Marcelinos e Moniz. Estas, porém, tentam outro nicho de mercado, mais liberto de constrangimentos , mas sujeitando-se um pouco mais às exigências dos accionistas do “estado a que chegamos”.
Poderiam estoutras sociedades figurar no exemplo dado? Poder,podiam, porque também se pelam pelo poder mediático que tenta corrigir a política. Então, para quê escolher sempre os mesmos, dando azo a queixas das jovens almas censuradas? Neste caso, poderá assistir alguma razão a quem se queixe. E aqui fica a correcção.
No aspecto concreto, que se indicou como emblemático, da incapacidade em aceitar a divisão de poderes do Estado, sem prevalência de um Executivo dominante, poucas são as sociedades de produção de conteúdos que aceitariam tal política como correcta. E era essa a intenção ao fazer-se a comparação com o exterior um pouco mais civilizado.
Assim, esta afirmação não se afoita com processos de intenção, ou com objectivos de sapar com deslealdade outras concorrências, mas apenas pela análise da produção típica e anterior dessas sociedades mediáticas e dos nomes que as compôem.
No entanto, por agora e cada vez mais, têm aparecido, neste meio virtual e de concorrência totalmente aberta, pequenas sociedades, algumas eminentemente anónimas. Por isso mesmo, servem de magnífico pretexto para serem execradas pelo sector dominante da produção de conteúdos mediáticos, simbolizado naquela primeira anónima com nomes conhecidos, P,F,& T.
E não tardará muito a que se façam sentir, novamente, as suas investidas contras os pequenos entrepostos anónimos que difamam, insinuam, sugerem capciosidades, investem em intrigas e alimentam cabalas. E para tal investida, já em tom de concorrência, o pretexto do anonimato serve às mil maravilhas, porque se liga à clandestinidade das lutas pela liberdade.
Ora, o monopólio desssa luta sagrada e a patente dessas batalhas, já se encontra registada. Precisamente em nome da sociedade anónima dos nomes mediáticos. E nisso, não admitem qualquer concorrência. Muito menos anónima.
Publicado por josé 14:42:00
O post agora é seu, pelo que não me enganarei quanto á autoria.
Vamos por partes.
Sobre os comentários ao artigo do Fui Ramos ficam para si.
Sobre os outras questões vamos a elas.
Estou de acordo consigo que, em Portugal dificilmente poderíamos ter uma situação semelhante à sucedida no Reino Unido e em França, nestes últimos dias.
O país é pequeno e o Estado fraco.
Não busque nada de fluído como o caso FREEPORT, lembre-se do livro de Rui Mateus e o fax de Macau.
Convem relembrar que no caso do Sr Tony Blair, existe uma violação clara e patente de norma legal, norma dos anos vinte, onde se acha expressamente proíbido a troca de títulos por contribuições partidárias.
Acresçe ainda que, este caso denominado "Cash for honors" envolve uma conduta de fraude à lei de financiamento dos partidos no Reino Unido, fraude que é um comportamento criminoso face à lei britânica.
Recordo que se trata de converter os donativos para o partido em "emprestimos". os primeiros é de declaração obrigatória os segundos não. Apenas sucede que estes "empréstimos", não seriam nunca pagos. Acresçe ainda que o tratamente fiscal dos mesmos é diferentes e que os donativos têm limites, e os empréstimos não.
Quanto ao caso Villepin é simples e tenebroso: este senhor conspirou para difamar o seu rival Sarkozy, usando uma mentira descarada em que envolvia este num escândalo de luvas sobre contratos de armamento com o Estado françês.
É curioso que é um comportamento punido em sede de direito criminal.
Serve este longa explicação para informar que nenhum dos senhores acima mencionados é inocente ou estava no local errado à hora errada. O comportamento da polícia e restantes autoridades é legitimo e no cumprimento das funções e atribuições conferidas pela lei.
Voltando a Portugal, no caso do fax embrulhou-se até ficar desfigurado, no caso do FREEPORT aparentemente estamos em face de comportamento abusivo e altamente discutível da polícia, ao divulgar meros inquéritos de averiguações.
Talvez assim perceba porque em Portugal não será possível que um primeiro ministro seja interrogado pela polícia, mas deixe lá, que na Irlanda também não.
Cumrprimentos
Adriano Volframista
Mas quero, essencialmente, pegar no segmento Abilio Curto (porque sobre o caso Freeport já tinha chamado a atenção há uns tempos a esta parte, se bem se recorda).
Retomando Abílio Curto, obviamente que também o Juiz do Tribunal de Execução de Penas tem que ser chamado à colação, ou não?
A "culpa" do nosso actual direito penitenciário, também só é obra dos partidos políticos que se vão alternando?
Será que não existe uma discricionaridade vinculada (pelo menos tenho esperança que seja vinculada...) por parte dos juízes do TEP?
Não coloquei o exemplo de Abílio Curto como comentário crítico ao nosso direito de execução de penas.
A opção pelo meio da pena como critério para a liberdade condicional até foi alterada, salvo erro em 1995.
O que eu coloquei como exemplo para se ver e ler, foi o caso de um político que foi condenado em prisão efectiva e disse claramente que "o dinheiro tinha ido todo para o PS".
Quem duvida da razão de Abílio Curto?
Os vitais do costume. Nem é um problema de dúvidas. É mais de certezas em que o partido está sempre acima das dúvidas e isso viu-se de modo idêntico no caso do processo por abuso sexual de menores.
São estas certezas que minam a democracia que temos muito mais do que a própria corrupção passiva para acto lícito em que o pobre do Curto foi condenado.
É esse o nó górdio. E não sairemos daqui tão cedo, deste pântano.
Ou pelo menos não sairemos enquanto as mentalidades vitais prevalecerem como norma não escrita e de constitução privativa.
Volframista:
A Inglaterra é um país de erros judiciários gravíssimos. Foi por causa de um desses erros que a Maçonaria inglesa teve as portas abertas para todos verem quem lá se inscreve.
Não tinha ( e não tem ) suficientes válvulas de escape para esses erros.
Não obstante, o exemplo escolhido, convocou-me para eu próprio não poder deixar de dissociar,criticando, a opção legislativa do meio da pena como critério para a concessão da liberdade condicional.
Mas isso levava-nos a outras discussões (os fins das penas, os procedimentos mecanicistas praticados na execução das penas, etc, etc) e longe de mim estava a intenção de obnubilar o tema escolhido - a corrupção.
Este país é o Zimbawe da Europa. Que vergonha.
Quanto ao que diz: Abílio Curto garante que o dinheiro foi todo para o PS e não aconteceu nada? Partilho das suas preocupações. Realmente, o MP devia ter investigado. O crime de corrupção é público, acho. Logo...
Nada de especial e nada que não seja comum.
De resto, coloquei agora a imagem do Expresso sobre o assunto.
Sobre investigações a propósito, nada haverá a fazer...os factos já são de há mais de dez anos.
Terá mudado alguma coisa, entretanto, no panorama português?
A Abílio Curto que conta com a minha solidariedade em aguentar as "cabalas" em silêncio, restará a perplexidade de se interrogar: "Mas porquê, eu?!"
Cadê os outros?- Diria uma célebre personagem do Planeta dos Homens...
Uma abraço.
Quando eu falava em agir, não falo agora, que, provavelmente, é tarde. Mas, na altura, quando Curto disse o que disse ao Expresso, quem agiu? Ninguém. Nem mesmo quem devia: o MP.
Por outro lado:
Eu se fosse magistrado, não me preocupava nada que o poder político tentasse mudar leis por causa de um processo de pedofilia, que reduzissem as férias judiciais, que substituissem o sistema de saúde. Haveria de resistir sempre. Haveria de levar o objectivo até ao fim. Não tentaria ser um magistrado sindical nem um magistrado político. E muito menos magistrado "no" futebol. Cumpriria a lei e o meu estatuto. Se tivesse que levar o primeiro-ministro a ser inquirido, levá-lo-ia. Nem que isso me custasse a carreira. Mas não iria custar. Porque, quando os magistrados funcionam assim e estão seguros do que fazem, são muito mais respeitados. Pelo poder político e pelos cidadãos.
Claro, também, que tentaria resguardar-me. Não andaria por aí a dar entrevistas que, mais cedo ou mais tarde, podem ser cobradas. Não faria do meu trabalho capa de revista de "fait-divers". Faria apenas o que achasse que tinha que fazer em nome da lei, do direito e da justiça. E, provavelmente, teria o cuidado de explicar aos jornalistas (na medida do possível), o que tinha feito. Não o que iria fazer.
O pano de fundo? O poder político muda ciclicamente. 4 anos, oito anos, por aí. A actividade dos magistrados é uma vida, quase sempre. É uma actividade segura, pelo menos por este lado.
Ainda bem que não optei por ser magistrado. Devia ser um chato do caraças. Quando atentasse contra os poderosos - não porque são poderosos, mas porque praticam crimes - tenderia a atirar sempre à cabeça. Não ousaria pisar-lhes os calos, porque, aí, ficaria sempre a perder.
Bem, e por aí adiante...
Um abraço cr