As francesas

Mário Mesquita, encenador de discórdias no Público, neste último Domingo, levou à cena uma peça em modo de obituário sobre dois franceses recentemente desaparecidos.
Um, Jean-Jacques Servan-Schreiber, co-fundador, em Maio de 1953, da revista L´Express. Outro, Bernard Frank, jornalista e "homem de letras" e que Mário Mesquita apresenta como "diletante", na definição que o próprio apresenta: " Pessoa que se dedica a uma ocupação ou uma arte como amador, tendo em vista apenas o seu prazer".
Bernard Frank colaborava como cronista na revista Le Nouvel Observateur, fundada por Jean Daniel que por sua vez tinha ajudado a fundar o L´Express. O L´Express foi, aliás, uma grande escola de jornalistas franceses. Os directores do Le Point, L´Évènemente de Jeudi e mais tarde Marianne, para além do Nouvel Observateur, sairam todos do mesmo L´Express.
Jean-Jacques Servan-Schreiber no início dos anos sessenta ( em Setembro de 1964), ajudou a modificar a revista criada dez anos antes, aproximando-a do modelo da Time e Newsweek americanas e da Der Spiegel alemã.
A revista L´Express, tal como a Nouvel Observateur, numa época em que o francês se aprendia obrigatoriamente nas escolas, eram modelos de revistas de notícias, opinião e principalmente reportagem. JJSS, em 1963, tinha enviado o irmão Jean Louis, aos Estados Unidos, para estudar o funcionamento da Time. Quem conta a história é a parceira de JJSS, Françoise Giroud, em 1999, no número 2500 da revista.
Comecei a dar atenção a essas duas revistas ( e a outras) no início dos anos setenta. Em 1973, a propósito da guerra Israelo-Árabe, juntei as duas e guardei. Como tinha seguido os acontecimentos de 67, da guerra dos seis dias, através do Diário Popular, seguia agora a do Yom Kippour, através das revistas internacionais que então chegavam a Portugal, sem censura alguma.
Foi assim que pude ler o editorial de Jean Daniel, na Nouvel Obs de 15 Outubro de 1973, que começava assim:
"Durante vários séulos, uma mitologia racista de que em França, Charles Maurra foi o mais brilhante teórico, conseguiu impregnar em milhões de pessoas a ideia que os judeus eram incapazes congénitos de se baterem e afrontarem a morte. Hitler também o pensava. O racismo acabaria por intoxicar as próprias vítimas, levando numerosos judeus a pensar que tal seria verdade. Os israelitas, e isso foi a meu ver a sua verdadeira missão histórica, lograram libertar o Judeu da prisão onde o olhar secular do antisemitismo o encerrara." Frases como esta, ficam a retinir no ouvido. Depois da guerra dos seis dias, os judeus eram os heróis que afrontavam os árabes invasores e foi assim que a guerra seguinte, em 1973, foi encarada nessas como em outras revistas que então lia. Os repórteres de guerra tinham nomes como Josette Alia, Olivier Todd, Guy Sitbon, do lado do Nouvel Obs e Jacques Dérogy,Jacques Haillot, André Pautard e Pierre Salinger, do lado do L´Express. As crónicas de opinião, repartiam Jean Daniel, K.S.Karol do lado Nouvel Obs e do lado L´Express, lia-se Françoise Giroud, Jean-Jacques Servan-Schreiber e Jean-François Revel.

Na crónica de Mário Mesquita, releva-se no entanto, o outro, Bernard Frank, cujo motto de vida, merece destaque: " A infância é uma armadilha. Se não houvesse infância, ninguém aceitaria viver-levar essa vida de idiota que é a vida dos homens".
Esta tirada, juntamente com a do diletante, parece-me um programa de vida. Boa vida. Para Mário Mesquita, a literatura e o jornalismo literário representavam para o cronista-escritor a forma de iludir o enfado quotidiano e, de certa forma prolongar a infância. Para mim, o mesmo efeito consegue-se aqui, nas imagens destas revistas antigas, de uma França que já não conta tanto para a formação de opinião, mas que não deixou de ter alguns bons pensadores que valem bem os dos países anglo-saxónicos. No entanto, são estes quem dominam os media.

Publicado por josé 00:29:00  

4 Comments:

  1. o sibilo da serpente said...
    Então, José? A nossa conversa n'O Anónimo sobre o MST/Público não o entusiasmou? Compreendo. Há coisas que cansam. Um abraço - cr
    Cosmo said...
    Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
    Cosmo said...
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