Para além disto, na corda do Sol

Matthew Fisher, em 1967, tinha 21 anos quando Gary Brooker o convidou para um grupo de pop/rock, com o nome de Procol Harum, uma corruptela alatinada e aliterada da expressão procul harum, “para longe” ( o procul, porque o harum, o meu Torrinha não diz e desconfio que só Gary Brooker saberá).
Uma das primeiras canções do grupo, A Whiter Shade of Pale, sendo a mais célebre de todas, anda agora em bolandas judicias, na Inglaterra, por causa da determinação da sua autoria integral.
Matthew Fisher, em 2005, accionou judicialmente Gary Brooker e Onward Music Limited, pedindo que lhe seja reconhecido o direito de co-autoria nessa canção e o acesso a parte dos rendimentos substanciais que a mesma gerou, em valor calculado na ordem de um milhão de libras.
Para fazer valer o seu direito, Fisher argumenta que compôs os primeiros acordes no seu órgão Hammond, cuja sonoridade característica, eventualmente a essência do sucesso dessa música, semeou nos 250 segundos de duração.
Numa entrevista de 2001, a um órgão de informação da sua terra natal, Fisher disse que a canção tinha sido originalmente prevista para uma longa duração de 10 minutos. Em 1967, algumas peças musicais do chamado rock progressivo, com Pink Floyd, Soft Machine e outros Moody Blues, não evitavam essa insistência em sonoridades arrastadas, numa incidência do então celebrado psicadelismo que duraria uns tempos e produziria obras primas da música popular de expressão anglo saxónica.
Matthew Fisher, tinha obtido uma formação musical “clássica” e gostava de Bach, particularmente da Missa em si menor e com uma referência explícita à Ária na corda de Sol, no segundo movimento da Suite para orquestra, em Do, terá surgido o som desse tema.
A canção celebrada nasceu daí, desse gosto particular pela sonoridade de Bach. Será plágio? Inspiração directa? Variação sobre o tema?
Seja como for, a canção criada na Primavera de 1967, entrou pelo Verão do Amor, com o estrondo de um sucesso imparável que perdura há quase quarenta anos. Quem nasceu há mais de quarenta anos, lembrará essa canção de “roço”, nos bailes de garagem de um romantismo reforçado.
Os lugares na net, dedicados ao tema, são legião e em Barcelona, um aficionado, consagrou todo um site à canção, onde colige todos os autores e discos onde se gravou essa canção de antanho.
Para explicar a sua génese, já se ouviu em tempos Gary Brooker que se atribui os louros por inteiro, incluindo a lembrança da célebre Ária de Bach.
Contudo, também Matthew Fisher se pronunciou, reivindicando igualmente a co- paternidade, em particular da sonoridade do órgão Hammond e do artifício Leslie, uma espécie de ventoinha interna que faz vaguear o som, para além da sua natural ondulação. A bem dizer, a canção sem o órgão, é uma cançoneta que se aguenta por si mesma, como o provam as inúmeras versões, mas a substância sonora original não perdura sem foles, naturais ou sintéticos.
A querela segue, portanto, e dentro de dias se saberá se Fisher é peixe que sabe nadar ou se dilui, em águas de bacalhau, numa sombra pálida, como um amor de verão.

Adenda ( com postal corrigido e aumentado): Quem quiser ver e ouvir, a cançoneta original, com imagens de época, incluindo o bónus do teclado do Hammond, pode ir procurar ao YouTube. Ou então, mais rápido, a uma Nova Floresta, aqui mesmo.

Publicado por josé 14:11:00  

4 Comments:

  1. zazie said...
    Quem havia de dizer...
    JV said...
    José o saudosista.
    Tão novo e já tão velho.
    josé said...
    É verdade, caro JV.

    J.S.Bach, se fosse vivo, teria agora mais de trezentos anos! E contudo, que saudades todos ainda têm da sua música...ao ponto de o estarem sempre a lembrar e a reproduzir as suas sonoridades.
    Veja lá que até há gente que vive disso. Muita gente.

    E quem fala de Bach, pode falar de Goethe ou de Kant ou de Aristóteles.
    Este, então, bate todos os recordes do saudosismo.
    rb said...
    Bravo, José, excelente post!
    Não tenho mais de 40 anos e lembro-me perfeitamente deste sucesso da música soul(?).
    De facto a introdução do órgão é incidível do sucesso da canção.
    Achei particularmente curioso o "artifício leslie" do orgão. Não conhecia e gostava de percebê-lo melhor.

    Este episódio também me transportou para a definição do plágio que aqui tem abordado. É que na música são inúmeros os exemplos de verdadeiros plágios de fragmentos melódicos, alguns involuntários, como meras reminiscências ou influências, outros conscientes, mesmo. A música está constantemente a ser recriada e é assim que evolui. Ninguém inventa nada.

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