Poder simbólico
segunda-feira, outubro 23, 2006
O chumbo do nome de Gomes Dias para vice-procurador-geral pelo Conselho Superior do Ministério Público, proposto pelo procurador-geral da República, Pinto Monteiro, vem demonstrar que, em questões essenciais, o PGR tem um mero poder simbólico. Esta embaraçosa situação, de revés e de fragilidade, em que o CSMP colocou publicamente Pinto Monteiro, espelha uma triste realidade: o PGR não manda nada ou manda muito pouco.
Os poderes invisíveis, que são exercidos com a cumplicidade daqueles que estão interessados em enfraquecer o seu poder, colocando-lhe minas e armadilhas no caminho, já deram internamente um sinal de poder e de força. E aqui não há democracia que valha para justificar esta insensatez dos membros do CSMP. Trata-se de um cargo da inteira confiança pessoal do PGR, que é vital para o bom exercício das suas funções. A lei que confere esta competência aos membros do CSMP está errada. Imagine-se uma lei que impusesse ao primeiro-ministro os nomes dos seus ministros e do seu gabinete!
O actual PGR merecia um voto de confiança dos membros do CSMP. Os motivos invocados para vetarem o nome de Gomes Dias (desconhecimento da actual realidade dos tribunais, posições políticas conservadoras e passagem pela direcção da Polícia Judiciária) são medíocres, mesquinhos e nada credíveis. O ‘homem’ que nos cerca, aos milhares, que prospera e se reproduz no silêncio e nas sombras, é o medíocre.
Pinto Monteiro só tem uma forma de combater este homem e esta mentalidade: é exercer de facto os seus poderes, como disse no discurso de posse, insistindo na escolha de Gomes Dias. Se recuar dará provas de fraqueza, agrava a desconfiança gerada sobre si e ficará para sempre nas mãos do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público que, face aos rumores públicos, influenciou e condicionou a votação secreta. O Ministério Público não perdoa o facto de o novo PGR vir de fora desta corporação. Só o pior cego é que não vê.
DISCURSO SINDICAL
Revisitando a história do movimento sindical em Portugal, desde o 25 de Abril, não conheço outro sindicato tão conservador e tão pré-histórico, como o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. É um sindicato que está há 30 anos nas mãos de um certo sector do Ministério Público, que não se renova nem se regenera. Com ideias velhas, sem alma, com o mesmo e repetido discurso, comprometido pelo facto de, ao longo dos anos, as mesmas pessoas trilharem os mesmos corredores do poder. Mesmo em silêncio, é possível antecipar o pensamento, o cheiro e o andar dos seus dirigentes. Cabe ao psicólogo dissecar a sua mente, com firmeza no bisturi, tal como faz com os cadáveres aquele professor eternizado por Rembrant em ‘Lição de Anatomia’. Só António Cluny, seu presidente, em tantos anos que a minha memória já esqueceu, com votações menos expressivas que uma Junta de Bairro, não percebeu esta lição de vida, preferindo seguir o mau exemplo dos autarcas que se eternizam no poder. E como foi possível à magistratura do Ministério Público pactuar com um sindicato sem credibilidade?
Parafraseando José Ingenieros, porque não arrastar o homem sem ideias para a nossa mesa de autópsias até saber quem é, como é, o que faz, o que pensa e para que serve?
Rui Rangel, Correio da Manhã
Publicado por Carlos 10:47:00
A coragem de Rangel de chamar os bois pelos nomes ( sem ofensa ...para os bois ).
Há um momento que seremos conservadores ? Tinha dúvidas. Mas a posição do Sindicato do magistardos do Ministério Público tirou-me as dúvidas.
Cumprimentos
Para este peditório, já dei.
Mas venha daí o debate, de preferência com argumentos comprováveis e sem recurso a “rumores públicos” de credibilidade muito duvidosa ou a retóricas panfletárias, que estas águas andam a precisar de ser agitadas, mas agitadas a sério!
Só mais duas notas:
Independentemente de achar que um reforço da centralização de poderes no PGR não será, em tese, o melhor sistema, de entre os possíveis, julgo também - e principalmente - que, na actual conjuntura, se o Cons. Pinto Monteiro quiser verdadeiramente ter sucesso deverá, estrategicamente, evitar confrontos estéreis (que, no fundo, só contribuirão para adensar a resistência à mudança), como referi aqui .
Quanto à incontornável ilegalidade de uma hipotética insistência no nome que foi vetado, para além das declarações atribuídas a membros do CSMP, de que vários jornais fizeram eco, vejam-se, designadamente, as posições defendidas aqui , aqui e aqui .
"Editorial
Ficções
Eduardo Dâmaso
Uma das ficções criadas com a votação do Conselho Superior do Ministério Público, que chumbou o nome de Mário Gomes Dias para vice-procurador, é a de que os nove votos contra seriam, no essencial, a expressão corporativa da reacção dos magistrados do Ministério Público (MP) presentes neste órgão. Alinhados com o respectivo sindicato, sacaram do voto e dispararam contra o alvo intermédio, para atingirem o próprio procurador-geral.
As leituras políticas sobre a justiça estão a sobrepor-se a toda a racionalidade. Os alinhamentos estão radicalizados e cada uma das barricadas tem os respectivos cães de guarda. Dos jornais à blogosfera, tem-se escrito coisas impensáveis por manifesto desconhecimento, mera estratégia de ataque ou pura ânsia de notoriedade. O Governo, também ele, parece estar a muito pouco de perder a cabeça, se é verdade que tenciona alterar os poderes do Conselho Superior do Ministério Público no sentido de os reduzir a questões teóricas e disciplinares. A ser assim, não é uma reacção saudável da parte do Governo, que, se o fizer, revela ter do acto legislativo uma concepção de mero instrumento de poder, coisa típica das maiorias absolutas com mais soberba ou mesmo de estados totalitários, o que não é o caso.
No meio desta confusão há perguntas simples cuja resposta é essencial: os nove votos foram mesmo só dos magistrados? Em caso afirmativo, correspondeu essa convergência a um alinhamento corporativo para atingir Pinto Monteiro, só porque se trata de um magistrado judicial? As respostas só os próprios as podem dar, mas, desde logo, não é óbvio que os quatro procuradores distritais tenham votado contra. Ou que, caso o tivessem feito, isso ocorresse no diabólico contexto de uma reacção corporativa. Quase todos eles são pessoas muito imbuídas da lógica hierárquica do MP e nada alinhadas com discursos sindicais. Depois, não é óbvio que outros membros do Conselho, incluindo pessoas nomeadas pelo Parlamento, não tenham votado contra. De resto, sem pôr em causa a seriedade do magistrado Gomes Dias, há que dizer que a boa razão para votar contra não está em ter sido indicado por alguém que se queira atacar. Isso seria mesquinho! A boa razão está no facto de ter passado 20 anos a servir profissionalmente o Bloco Central no Ministério da Administração Interna, em que é frequente ser necessário invocar a razão de Estado para fazer coisas nem sempre benéficas para a cidadania. Onde as razões de Estado nem sempre convergem com as razões da justiça. Como se viu no julgamento da vertente portuguesa do famoso caso GAL. E é esta confusão ou ambiguidade que não é admissível na Procuradoria-Geral da República.".