Ondas perdidas

Um bom jornal é uma nação a falar consigo mesma .

O Independente tem valores. Depende exclusivamente deles. Não tem ambições políticas e é indiferente a que as tiver. Tem uma ambição jornalística: conseguir, da comunidade que servirá, a autoridade de uma voz. (…) O Independente não acreita na neutralidade . Politicamente é democrata e conservador. Tomará partido por quem tiver razão, praticará a tolerância e não será cúmplice de qualquer abuso de poder.
(…)
O Independente acredita na cultura como resultado permanente da actividade social-e não como mundo à parte. (…).

Estatuto Editorial do semanário Independente de 20 Maio 1988.

Estes princípios de Estilo de conduta jornalística, terão sido sempre seguidos pelo Independente? Talvez.

No dia 20 de Maio de 1988, comprei o jornal pela primeira vez. Os anúncios em outdoors espalhados por Lisboa inteira, eram visíveis até Algés. Traziam a bizarra figura de Churchil a charutar um habano e associavam o britânico ao espírito Independente. Sintomático. O primeiro número do jornal foi uma decepção gráfica. Pareceu-me pobre e com tinta escura demasiado fresca.

Ao longo dos anos, a referência cultural de base do Independente, foi a de raiz anglo-saxónica e estou convencido que hoje, a direitinha insurgente, se leu a Spectator e fundou a Atlântico, foi por ter sido influenciada por uma escola Independente, particularmente baseada na cátedra de Miguel Esteves Cardoso.

O primeiro director do jornal, antes escritor de crónicas de discos, elevado à categoria de escrítico da pop, alcançou rapidamente um estatuto de culto, entre os leitores dos habituais cronistas deste pinhal à beira mar plantado. Entre as bolas que MEC mandou para o pinhal, estavam algumas de colecção. E foram esses cromos que fixaram um estilo de escrita hoje imitado por um Pedro Mexia, por exemplo e para apresentar o exemplar mais notório.

Esse fenómeno de escrita surgido de lado nenhum, no final dos setenta e que se fixou em jornais de esquerda, como O Jornal e o Sete, e também no Expresso, foi o abanão mais eficaz que alguém deu ao estilo de escrever em jornais, na segunda metado do séc XX em Portugal. Portela Filho não serve de exemplo e nem Assis Pacheco lá chegou. Sttau Monteiro parou na Guidinha. Lobo Antunes, Cardoso Pires, Abelaira ou Virgílio Ferreira, não contam para estas inovações.

Também não contam Vasco Pulido Valente, Ricardo França Jardim ou mesmo Batista Bastos. São grandes cronistas sem estilo inovador. Um bom estilo chega-lhes perfeitamente.

O Independente trazia essa caução colada na etiqueta de apresentação, mas o editorial de Maio de 1988, assinado por MEC e intitulado A Aventura dos jornais, nada de novo trazia à escrita de estilo já feito.

MEC, tirando uma ou outra de colecção e de antologia, nunca mais fez melhor do que essas crónicas. Contudo, ainda hoje se apresentem escritos ditirâmbicos sobre o autor e obras literárias tipo O Amor é fodido. Quanto a mim, não é nada…

O Independente teve um sucesso fulgurante nos dez anos que se seguiram, mas tal não se deveu ao génio de MEC na escrita. O complemento cultural do Independente teve a sua importância, mas suspeito que não foi isso que o aproximou das vendas do Expresso. A prova, reside na K, uma revista com estilo herdado do Independente e que delapidou o acervo hereditário em pouco tempo.

Portugal não tem audiência suficiente para se poder fazer uma cópia da New Yorker, da Esquire, da Atlantic ou da Vanity Fair. Aliás, os USA, actualmente, também não- a julgar pelas experiências falhadas da George e da Talk. E muito menos se se juntarem todas numa só. Portugal tinha audiência para as cópias da Life e da Look, chamadas Flama e Século Ilustrado. Mas isso, já foi nos sessenta.

O sucesso do Independente, quanto a mim, ficou antes a dever-se a um estilo muito próprio, cuja melhor ilustração são as capas dos primeiros anos.

Como já se escreveu por aí, as notícias de primeira página do Independente, eram tema de glosa certa na opinião pública e na maior parte dos casos, originavam Inquéritos criminais ou faziam notícia dos mesmos.

A segunda metade dos oitenta e toda a década de noventa, foi um período de entrada de fundos, literalmente perdidos, em boa parte, vindos da Europa comunitária.

A história documentada desses anos, está por fazer, para se ver realmente como desperdiçamos as oportunidades para nos modernizarmos.

O Independente fazia então a história em cima do joelho e será impossível a qualquer historiador contemporâneo, passar sem ler os artigos e notícias de então, sobre os escândalos publicados pelo jornal.

Há quem afirme que o jornal serviu para trampolim político de PPortas. Serviu, objectivamente. Mas não foi Portas quem permitiu que os escândalos tivessem acontecido. Portas deu visibilidade, porque lhe interessava? Talvez. E daí?

Quem descobriu os escândalos, se formos a ler com atenção, nem sequer foi a PGR de Cunha Rodrigues- foi outra instituição, então mais discreta e eficaz: a Inspecção Geral de Finanças. Os relatórios desta entidade oficial eram devastadores para certas entidades. E no entanto, nem se conhecem os seus inspectores valorosos.

Logo em 1989, apareceram os primeiros “escândalos” de primeira página. O ministro Miguel Cadilhe, trocou casa por apartamento nas Amoreiras e utilizou os serviços da Guarda Fiscal para as mudanças. Algo aparentemente banal , sem relevância criminal de espécie alguma, assumiu foros de alta infracção ao código penal da opinião pública.

A partir dos anos noventa, foi um alfobre de escândalos que surgiram vindos das portas traseiras da IGF, alguns deles já conhecidos da PGR e que ficou assim, desde essa altura, na ribalta e perante os focos da opinião pública como nunca até então se vira.,

Em Março de 1989, pela IGF, surge o escândalo do Ministério da Saúde de Costa Freire e Leonor Beleza. A primeira frase da notícia, logo na primeira página era: Costa Freire demitiu.-se porque há um relatório confidencial sobre os seus actos.

Em Fevereiro de 1990, surge o escândalo Melancia, com a reprodução de um fax de uma empresa alemã que pretende do governador de Macau a devolução de 50 mil contos que lhe treá pago.

Em Março de 1992 a UGT, ( e Torres Couto em particular) , foi objectivamente “acusada” pela IGF, de desviar dinheiro de verbas para formação profissional.

Em Dezembro de 1994, a capa do Independente é uma manchete sobre a Casa Cheia de Duarte Lima, líder parlamentar do PSD e que teria “desde 1993 acumulado um património fabuloso”.

Em Janeiro de 1996 tocava a vez a Murteira Nabo que teria enganado o Fisco.

Pode dizer-se com o recuo que estes “escândalos” já permitem, substituídos por outros mais polposos, que muitas destas girândolas do Independente, assumiram foros de escândalo público em virtude de défice acentuado de formação democrática e cultural da opinião pública em geral e de certos comentaristas em particular.

Os problemas de corrupção em Portugal, eram motivo de preocupação de alguns, nos anos setenta. Muito poucos, aliás. E que em 1984 decidiram fazer uma lei anti-corrupção que substituísse uma Alta Autoridade que pouco podia fazer, a não ser o elenco das participações e arquivo das mesmas.

Com os novos poderes que o Ministério Público ganhou em 1988, com o novo Código de Processo Penal, era fatal que os problemas que então eram subestimados, fossem subitamente expostos sob a luz cruenta das parangonas de jornal. A pressão da opinião pública, liderada por artigos inflamados como os do Independente, começou a pesar sobre as autoridades, para que se fizesse algo mais para acabar com uma impunidade sentida por todos e focada em determinados estratos da sociedade portuguesa.

Foi por essa única e exclusiva razão, no meu entender, que o PGR de então- Cunha Rodrigues- se notabilizou , eventualmente mais do que seria necessário.

Foi por essa razão também que ficam sem razão aqueles que pensam e escrevem que havia uma cumplicidade objectiva e um conluio até, entre o jornal Independente e a PGR de Cunha Rodrigues. Claro, que é sempre assim que se entendem as coisas, quando não se entendem melhor os fenómenos- ou porque se estava no epicentro dos mesmos, ou porque convém armar uma cabala para desculpa do poder político do momento.

O PGR de então, fez o que lhe competia. Fartou-se de se queixar da falta de meios e se apaparicou quem lhe facilitava o caminho da legitimação, legalmente assegurada, mas negada na prática pelos poderes políticos, terá sido esse o único conluio visível e compreensível.

Escrever o contrário, torna-se por isso, a meu ver, uma reescrita cabalística , fantasiosa e desvirtuante.

Se o lema do jornal foi sempre o de ser uma “nação a falar consigo mesma”, pode talvez dizer-se que nessa altura, a nação falava ao jornal para denunciar o que era então insuportável: O devorismo dos arrivistas.

Porém, há sempre quem o suporte muito bem. E a prova é a sociedade que hoje temos. Será que a corrupçáo abrandou, por já não haver tantos escândalos publicitados?

O Independente acabou algures no final dos anos noventa, quando se tornou evidente que os escândalos “ não davam em nada”, pelos motivos que todos conhecem.

Actualmente, não temos nenhum jornal que seja o espelho da nação a falar consigo mesma.

Mas temos, em compensação, jornais que falam de outra nação que não existe senão para tentar ganhar algum proveito. E alguns até porfiam 24 Horas nisso mesmo.

Onde páram então estes nomes que aqui ficam e que durante os primeiros dez anos do Independente, o fizeram de modo diferente dos demais?




Será difícil descortinar o destino de muitos, pois alguns se encontram em plena onda rosa enquanto outros submergiram algures na Atlântico.

É a Vida...



Imagens retiradas da edição comemorativa dos 10 anos do Indpendente

Publicado por josé 18:48:00  

5 Comments:

  1. james said...
    Esta sua leitura das vicissitudes do Independente embora contenha alguma objectividade, é muito martelada, desculpe que lhe diga.....
    josé said...
    POde sempre dizer porquê...já agora.

    Esteja à vontade. Ninguém nos lê...
    james said...
    1.Obviamente que a sua enumeração não pretende ser exaustiva, mas ainda assim parece escolher só exemplos que nasceram da "sociedade civil" ou dos eficazes inspectores de Finanças. Foram só estas as fontes?
    2.Depois, quando escreve "Quem descobriu os escândalos, se formos a ler com atenção, nem sequer foi a PGR de Cunha Rodrigues- foi outra instituição, então mais discreta e eficaz: a Inspecção Geral de Finanças. Os relatórios desta entidade oficial eram devastadores para certas entidades. E no entanto, nem se conhecem os seus inspectores valorosos.", falta-lhe acrescentar que alguns "valorosos" inspectores até são bastamente conhecidos e que ficaram com direito a uma coluna no citado jornal.
    3.O caso Freeport.
    Será que existe uma omissão sua deliberada ou inconciente?
    Foi uma opção metodológica não o mencionar? Ainda não transitou em julgado?
    4. Finalmente, citando-o:"Foi por essa razão também que ficam sem razão aqueles que pensam e escrevem que havia uma cumplicidade objectiva e um conluio até, entre o jornal Independente e a PGR de Cunha Rodrigues. Claro, que é sempre assim que se entendem as coisas, quando não se entendem melhor os fenómenos- ou porque se estava no epicentro dos mesmos, ou porque convém armar uma cabala para desculpa do poder político do momento."
    Quanto a esta questão não digo que tenha havido conluio, mas parece-me que as relações entre a PGR e o Independente eram preferenciais e tratadas com punhos de renda, sendo certo que os bares e restaurantes do Bairro Alto também foram palcos privilegiados para fugas de informação, ou não?
    Meras coscuvilhices, dirá, que na essência não alteram a sua "objectiva" análise...
    Cosmo said...
    Do Independente dois Títulos de Caixa Alta que jamais esquecerei:

    "NABO SUBSTITUI MELANCIA"
    (Na época do caso Macau)

    e

    "ZANGA ENTRE DEUS E ANJOS"
    (Deus Pinheiro era Ministro da Educação e V. Anjos Secretário de Estado)
    e-ko said...
    De qualquer forma a imprensa papel está condenada, nem o Sol a virá aquecer no fim do verão... sol de inverno...

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