Correcções e revisões
quinta-feira, agosto 17, 2006
As primeiras sete páginas do Público de hoje, deveriam ser lidas nas escolas de ensino básico como manual de história portuguesa contemporânea, em substituição daqueles que foram inspirados pela inteligentsia de esquerda nestes últimos 32 anos.
O artigo de Vasco Pulido Valente é dos seus melhores artigos de sempre e a fidelidade e rigor histórico, naquilo que posso perceber, é fundamental.
O artigo é sobre "A queda e o exílio de Marcelo Caetano" e tudo se resume em poucas linhas que nunca vi escritas por mais ninguém:
"Logo a seguir, no meio de grande entusiasmo, Spínola entrou no quartel e encontrou o presidente do Conselho sentado num sofá, numa "atitude serena e digna". Na sala ao lado, César Moreira Batista e Rui Patrício pareceriam "desmoralizados". Segundo Marcelo, antes mesmo de o cumprimentar, Spínola desabafou: " A que estado estes gajos [o MFA] deixaram chegar isto!" "Isto" , era a multidão do Carmo e o povo na rua. Num livro de memórias ( de 1978) Spínola transformou esta frase de gneral de cavalaria numa declaração histórica: "O estado em que Vossa Excelência me entrega o país." E acrescentou: "É tarde para Vossa Excelência reconhecer a razão que me assistia". Esta pequena diferença acrimoniosamente discutida no futuro, escondia uma querela maior. Marcelo queria demonstrar a inconsciência de Spínola e a fraca autoridade que ele tinha sobre o MFA. Spínola queira passar a Marcelo a culpa da queda do regime e do desastre de África."
Nestas linhas se pode encontrar toda a subtileza da passagem do regime de Salazar/ Caetano ao novo regime de Abril. Fundamental, perceber isto, parece-me. VPV apanha "isto" porque percebe o essencial. Outros, parece que não. Vítor Dias, não percebe deste modo.
E outros que se lhe seguiram também não. O pessoal da revista Visão, por exemplo, herdeiro da tradição duma esquerda que sempre foi moderada, também não vê as coisas históricas desse modo.
O problema não reside nessas perspectivas diferentes. Reside apenas na divulgação das mesmas. Até agora, a divulgação predominante foi a visão da esquerda. Agora, aos poucos, permite-se uma ténue abertura a uma visão ligeiramente diferente e que permite a quem queira, ler o quadro todo e ver a escrita correcta de todo o fenómeno que nos marcou nestes últimos trinta anos.
Parabéns, Vasco Pulido Valente! E, já agora, ao Público e seu director, José Manuel Fernandes.
Aditamento:
Quem ouvisse o telejornal das 20 horas da RTP, ficava a pensar que Marcello Caetano foi um benigno professor de Direito, que teve a infelicidade de o 25 de Abril lhe ter cortado uma carreira ao serviço dos portugueses, cujo bem estar ele mais que tudo desejava. Dizer-se de um homem que fez a sua formação política nos anos do autoritarismo que não desejava o "poder", é apenas um exemplo do absurdo de toda a peça jornalística. Duvido que o próprio se revisse na visão wishy-washy que uma mistura de ignorância e de revisionismo histórico dá da sua vida e carreira.
Neste pequeno texto, do Abrupto, há todo um programa. Por este pequeno texto se pode obter uma das razões explicativas para 32 anos de ...obscurantismo. Não se trata de contestar a verdade sobre o desejo do "poder", o que a própria filha de Marcelo, Ana Maria, acabou de esclarecer para quem viu a entrevista que acabou de dar na RTP1. Não!
Trata-se de escrever que toda a peça jornalística é um..."absurdo".
Absurdo...pois.
Publicado por josé 15:15:00
Não tomo partido, mas vou lendo e vendo.
Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Quando nem sequer há casa, o problema ainda é pior...
O Cristianismo, o Islamismo e o Judaismo terão de conviver numa casa comum.
Acha possível?
Que posso fazer? Tanto como V.
100 anos do nascimento do MC é uma efeméride porquê?
O que é que vem a seguir, os 45 desde que o Eusébio pisou o Estádio da Luz?
Já agora, oh camarada José, porque é que quando dois homens estão juntos numa sala do quartel do Carmo, a versão de um é melhor que a versão do outro. E desde quando o VPV é gente credível???
Espantoso, neste país consegue-se fazer uma campanha que corre os media todos, até com um morto!
São esses testemunhos que contam e a fidelidade dos mesmos só pode ser sindicada por quem perceba o que se passa.
Está à altura dessa tarefa ou a dúvida é só pela dúvida, metódica e cartesiana?
É que nesse caso, a dúvida é apenas um cepticismo inexplicado e por isso irrelevante.
O que escreveu, deve-se ao cepticismo em aceitar como válido o testemunho dos mortos e de quem o interpreta?
Se assim, for, como é possível saber o testemunho dos mortos e interpretá-lo?
Primeiro de tudo, é preciso ler o que escreveram os mortos. Foi feito e documentado, com referências aos livros publicados pelos mortos depois dos acontecimentos em que intervieram directamente.
Depois, é preciso avaliar, contextualizar, colocar dúvidas sobre eventuais intenções,propensões e carácteres de cada um dos mortos e também dos vivos.
Parece-me que tal também se fez.
Assim, peguemos na frase escrita no Depoimento de Caetano e na frase escrita do livro de Spínola.
Qual delas merece mais crédito, sabendo nós que estaremos sempre peranto um processo de intenção?
A de Marcelo que escreveu que o Spínola já não acreditava naquilo que "os gajos" estavam a fazer e que teriam passado além da Taprobana do que pensaria ser desejável, ou a de Spínola que descreve o momento de encontro com Marcelo com a grandiloquência de uma frase feita para figurar em manual de história tipo , " foi um pequeno passo para um homem mas um grande passo para a Humanidade"?
Deixo á sua inteligência a tarefa de descodificar os discursos, neste contexto...
Dessa história contemporânea portuguesa, há ainda muita gente com mais de 45 anos que se lembra muitissimo bem de todo o contexto; que nessa altura era céptcio em relação à deriva esquerdista e que continuou a acreditar que os regimes, sejam eles quais forem, contèm também aspectos positivos. Obliterar tudo numa razia intelectual, é um erro, parece-me.
E por isso, há quem tenha conhecido Salazae, Caetano e os seus próximos e quem tenha dado testemunho disso.
Se para conhecer as pessoas é preciso mais do que uma simples leitura do que escrevem, há quem escreva sobre as pessoas de modo a confirmar o que outros escreveram e a traçar um perfil aproximado de cada indivíduo.
Para contestar esse perfil é preciso que alguém saiba fazê-lo com autoridade e com razão de ciência.
Enquanto tais qualidades náo forem mostradas, fica apenas a dúvida sobre a capacidade de quem critica...
Pois, no meio desta agitação toda, que foi o "Braganza Mothers" de hoje, onde choveram Peruas, Madonnas, Cavacos, Stones, Câncios, Socratinas... e muitas visitas, esquecemo-nos do mais importante, que era o Centenário do Marcello Caetano, um gajo que viveu lá para os finais do fim de um Regime, de quem já poucos se lembram.
Teve azar: se Salazar correspondeu ao anseio de uma vigorosa fatia profunda da população portuguesa --- Viva Salazar, Angola é nossa!... ---, um modo de ser e estar que se arrastava desde que Neanderthal recusou ser, neste rectângulo, substituído por Cro-Magnon, e que emerge, de quando em vez -- eles sentam-se ao nosso lado, nos restaurantes das sandes de leitão, na plateia das pipocas, em qualquer cinema, nas coxias apertadas dos "charters" das Finais dos Mundiais de Futebol, nos "viva Cavaco!...", nas caixas de comentários dos blogues, nos lacrimejantes rastejos de Fátima -- "dizia eu de que", quando fui ao "Google" à procura de uma imagem do homem, a coisa já estava fenomenalmente apagada (O pior que me apareceu até foi isto -- as senhoras que evitem ir ver... --, o que, por si só, indica obsolescência e uma clara rotura de paradigma...), porque, se Salazar correspondia ao difuso anseio de uma vigorosa fatia da população portuguesa, já este não passava do sucedâneo de um sucedâneo, o sucessor de um semi-morto que oscilava na sua cadeira moribunda, onde, de acordo com a "Encyclopédie du Bizarre", até morrer, lhe encenavam ficções, como a de fingir que ainda governava, que continuava a assinar decretos, e ainda era o homem mais importante de Portugal. Nada de inovador, se pensarmos em Fidel Castro, ou João Paulo II, entre outros dos ogres da nossa época de amanhãs que cantam.
Era um tempo sem Coca-Cola -- e, muito menos... Coca... sem cola, e democratizada -- poucos "jeans" e de televisão a preto-e-branco, como o "RTP-Memória" bem nos lembra, a mostrar um Carlos Cruz tão novinho que se diria capaz de se pedofilizar a si próprio, a Maria de Lurdes Modesto, a ensinar os famélicos de aldeia a fazer Cozidos à Portuguesa simples, com couves e solas dos sapatos velhos dos vizinhos ligeiramente mais abastados, o Poeta Pedro Homem de Mello a andar por tudo quanto era feira e bailarico, a apalpar e a mamar nas maçarocas dos mancebos, antes de que a Guerra os destruísse, e... sim... ah, sim... estou agora mesmo a ter uma visão... sim, é ele... um cavalheiro de cangalhas de massa preta, vestido de gato-pingado, "avant-la-lettre", à Cavaco Silva, e sentado numa poltrona de alicerces bem sólidos -- lagarto, lagarto, lagarto... -- a falar longas horas fidelizadocastradas para enormes plateias de analfabetos.
Não sei para que é que a poltrona servia, mas na altura devia ser para assistir às muitas marés de mutilados e mortos, que, diariamente, chegavam do lado de lá de todos os nossos Oceanos, tradição que, infelizmente, conseguimos prolongar até aos dias presentes, nos "racings", nas contra-mãos e nas "overdoses" de "raves" de discoteca.
O gajo da foto podia ter transformado Portugal numa pequena España próspera, evitando a bomba-relógio em que ele se tinha transformado, mas, realmente, não tinha mesmo nascido para isso: era um mero pré-Sócrates em potência, e a História concedeu-lhe um justo epitáfio menor.
Felicito-o.
E senti que o rigor com que VPV e o Público me presentearam esta proximidade, me reconciliou com esse homem, distante de quem sou politicamente.
E sinto que é o rigor com que vemos a proximidade do outro que cria e alimenta a nossa tolerância por ele.
E sinto que andam todos disto distraídos.
E sinto, como Goethe, que "O próximo afasta-se"...
Era o homem da legitimidade cristã do exercício do poder. É isto que o JPP nem entende. Ele próprio pediu a demissão antes do golpe, por não ceder aos integracionistas. Falar-se em apego ao poder é mesmo um absurdo. Como muito bem classificou o José.
Julgo que será esse o artigo que refere.
Merecia uma destacável, em opúsculo, porque não há muito mais do que isto, sobre Marcelo e a queda do Regime, neste registo.
Para saber a lenga lenga da esquerda radical, já temos por aí os Vítor Dias, habituados na escola daqueles que safavam pessoas das fotos quando deixavam de lhes agradar. Depois de os terem eliminado na vida real...alguns deles.
Também penso que este do Público merecia publicação
Conhecer as motivações de um personagem histórico ajudam-nos à sua leitura. Assim como os factos.
O VPV procura tudo isso quando faz história.
Interpretações ideológicas, neste caso, parecem-me vir de quem sem conhecer a biografia da figura negam a sua credibilidade apenas por oposição ideológica ao historiador.
Um trabalho histórico e rigoroso só se pode debater a nível científico por quem também o fez.
Se v. sem ter estudado nada atira com meia dúzia de bocas é apenas isso que faz. Mais nada.
Só uma pergunta:
O spiner por acaso alguma vez estudou ou teve acesso às fontes em que se baseia o VPV para os pequenos ensaios que tem escrito sobre o Marcello?
Leu algum?
Sabe do que se está a falar ou apenas lhe deu para embicar com a frase por supor que o Marcello era jacobino?
É que fica-se sem perceber se está a negar as idiossincrasias do Marcello Caetano ou as do historiador.
Ou a coisa para si em História se resume a fazerem-se julgamentos morais e manter tabus?
A mim assusta. Pelo simples facto que era suposto que a democracia tivesse servido precisamente para nos libertar de cartilhas e a permitir estudar o passado sem tabus
“Tirando o que deriva da existência de instituições democráticas e de uma linguagem um pouco datada, trinta anos depois os valores de Marcello não se distinguem da actual ortodoxia ideológica do poder: E, se alguma coisa o separa dela- e hoje pouco- é a desconfiança do velho corporativismo pelo liberalismo económico. “A máxima liberdade conduz à máxima desigualdade” escrevia ele em 1971, para concluir que o Estado tinha a obrigação de «estabelecer mais igualdade», mesmo «limitando a liberdade».
Contudo, desta viea autoritária e populista a que se mistura um certo rancor ao privilégio (e à riqueza) de nascimento, e um ódio sem disfarce à «estúpida», à «idiotíssima», «bronca» e cobarde burguesia portuguesa, acabou por sair um dos mais genuínos e duráveis representantes do novo regime, Cavaco Silva, que foi no estilo e nos métodos uma cópia de Marcello sem a erudição académica nem a estatura intelectual. O homem de acção, que sonhava com os tempos heróicos de um novo ressurgimento como o de 1926, falhou. Mas não falhou o professor. A sua escola sobreviveu incólume ao 25 de Abril”
(isto foi escrito em 90)
Vale a pena ler. Existe, se não estou em erro, uma separata.
Substitua-o por “recto e prudente exercício do poder” como o próprio dizia. Ou pelo “imperativo de justiça” com que defendia África.
Se há aspecto a que o VPV dá importância na formação do Marcello é o escutismo.
bjs
Esse interesse tem um fundo de curiosidade e outro de rigor. O seu uso moralizante ou manipulador nunca me interessou.
O meu 1º comentário dirigia-se a reacções como as do Tonibler o d'Aziscas.
E a do JPP inclui-se por essas bandas. Esse é que continua a carregar uma estrutura mental de chavões de esquerda.
Aqui fica, com as desculpas ao leitor que quis marcar posição pessoal- e marcou.
"José Couto Nogueira - Aug 18 (7 days ago)
Tentei postar um comentário no seu blog mas não consegui - não sei se por
incompetência minha se por impossibilidade ideológica.
Segue o texto; se quiser (literalmente...) publique-o. Assinado, com
certeza.
Reescrever a História não deixa de ser um exercício interessante... mas
apenas um exercício, claro, já que nunca se sabe o que realmente ocorreu num
contexto em que estavam presentes poucas pessoas, todas elas com interesse
em ficarem bem para a dita História!
O que interessa realmente é que, mais balbúrdia menos confusão, vivemos num
regime em que se pode discutir à vontade a História, pseudo-historiadores
como VPV podem reescrever-la e bloguistas como o Zé podem mandar as bocas
que quiserem - e ninguém vai preso nem é perseguido por isso.
Quanto ao centenário de Marcelo"
O resto da mensagem é que a efeméride se ficava a dever à silly season.
Não fica, não caro leitor!
É mais importante do que parece e disso nem V. se se deu conta.