momentos zen
sexta-feira, junho 16, 2006
Um destes dias trespassou o país uma daquelas micro-indignações, típicas de Verão. Já passou. Foi apenas uma cidadã indiana a quem recusaram a nacionalidade portuguesa, pese dominar a língua, ser casada com um português, viver cá há vários anos, etecetera e tal. Recusaram-lhe a nacionalidade porque não sabia o hino, muito menos a cultura portuguesa. Nesse dia, à noitinha a SIC/Notícias dedicou alguns minutos ao caso, convidando Marinho Pinto, advogado, a comentar o tema. E Marinho Pinto comentou, e comentou, e mais, até nem parecia, para um observador casual, particularmente insensato ou exótico, até que no final - borra a pintura toda - e lá confessa que, afinal, estava a falar de cor, que não conhecia a Lei (da naturalidade), a nova e a antiga, logo, no fundo, que dava apenas palpites. Contudo, nem ele, nem ninguém questionaram a legislação - boa ou má. A culpa, é claro, foi dos juízes, malandros e tratantes, que se terão limitado a... cumprir a Lei.
Para Marinho Pinto, Proença de Carvalho e muitos outros, as regras, que eles muitas vezes fizeram, são algo de ténue e relativo, subsidiário ao "bom senso" do momento. Nunca que se questionam verdadeiramente, porque no fundo não se lhes reconhece importância. São uma espécie de fardo, mais ou menos incómodo, que se aplicam a uns e que causam espécie quando se tentam aplicar a outros. Portugal deve ser aliás o único cantinho do universo onde é possivel um legislador fazer leis tão ambíguas e polivalentes que uma vez no "sector privado" passa a ganhar balúrdios aclarando, ao sabor do momento, o sentido dessas mesmas leis. Ora o problema não é apenas as leis serem mal aplicadas e interpretadas (quando o são), o drama é, na generalidade, haver leis e regras a mais, e mal feitas, que ninguém, "que conte", se sinta na obrigação de cumprir. Aliás, as Leis estão a mais, são desnecessárias quando a única coisa que é precisa é o "bom senso" - eufemismo difuso que serve para justificar tudo e o seu contrário, consoante o tempo do momento.
A franqueza, porventura involuntária, de Marinho Pinto vale por todo um programa e é todo um retrato. Não foi o primeiro, não há-de ser o último. Portugal também é assim.
Publicado por Manuel 10:55:00