Vive la France!
sexta-feira, maio 12, 2006
O escândalo designado Clearstream, em França, atinge agora as mais altas figuras do Estado francês: o primeiro-ministro Dominique Villepin; Nicolas Sarcozy, ministro do Interior e, agora mesmo, o próprio chefe do Estado francês, Jacques Chirac, lui même.
O sumo do escândalo decantou logo que se suspeitou que Villepin poderia ter armadilhado Sarkozy por motivos inconfessáveis, mas compreensíveis: Sarkozy é um rival político, potencial candidato ao Eliseu.
Onde começa este escândalo? Num juiz de instrução julgado “incorruptível”, de seu nome Van Ruymbeke e que em 2001 instruía um processo crime por corrupção ao mais alto nível do Estado francês ( e não só), por causa de venda de material militar a países terceiros, Taiwan no caso, ocorrida nos anos 80.
Por causa deste assunto, Jacques Chirac, em Setembro de 2001 e na qualidade de presidente da República, recebeu o general Philippe Rondot e encarregou-o , sob proposta de Villepin então secretário geral no Eliseu, a investigar a investigação de certos serviços oficiais que suspeitava seriam instigados por opositores políticos ( Jospin) para o desacreditar.
O general Rondot, actualmente na reforma, sabe-se agora que coligiu notas que guardou, de todos os encontros que manteve, ao longo dos anos, com responsáveis políticos.
O escândalo actual começa a desenhar contornos precisos com o despedimento, em 2001( zangam-se as comadres…), de um alto funcionário de uma financeira luxemburguesa, precisamente a Clearstream, que entrega a um jornalista a lista informática que eventualmente provaria a natureza criminosa da sociedade, dedicada realmente ao branqueamento de capitais de origem duvidosa, como é por vezes o caso do negócio de armamento.
Esta lista de contas da sociedade Clearstream, como nomes sonantes da política e negócios franceses e não só, supostamente provaria o envolvimento de…Sarkozy, cujo nome, mal disfarçado, aí constaria. Não obstante, vem a provar-se a falsificação da listagem e o escândalo começa a revestir outros contornos de natureza política, com manipulação e jogo duplo à mistura, numa rocambolesca história, digna de um bom “polar” de ficção politico-policial, a que não falta sequer um “garganta-funda” com nome adaptado a “corvo”, cuja identidade se suspeita já que seja a de um alto figurão da indústria aeronáutica francesa, de nome Jean-Louis Gergorin, próximo de Villepin e que ontem foi “dispensado” das suas funções directivas, na EADS, grupo aeronáutico de defesa, franco-alemão.
Neste escândalo, há desde logo algo importante que ressalta: o poder judicial e de investigação, encarnado no petit juge Ruymbeke e noutros, nunca foi colocado em crise aberta de falta de legitimidade, pelo poder político, executivo, francês. Mesmo sabendo que a investigação se fez também com base em “cartas anónimas” como nomes e datas e que estes métodos são abertamente questionados, junto de quem os autorizou.
A natureza da investigação, implicou e continua a implicar as mais altas figuras do Estado, e a imprensa atira-se ao escândalo como gato a bofe, mas visa o essencial: a natureza do próprio escândalo e não os aspectos laterais da investigação oficial. Quem o investiga pode ser interpelado, mas não para a mais impúdica deslegitimação, como por cá acontece amiúde.
A prova?
Hoje, no Le Monde, aparecem transcritas as notas manuscritas entre 2003 e 2005, do general Rondot.
Tais notas foram apreendidas pelos juízes de instrução Jean-Marie d´Huy e Henri Pons, no âmbito de um Inquérito aberto por denúncia caluniosa.
Em várias notas, o general refere-se a “Proteger o presidente”; “risco: que o presidente seja atingido”, numa prova circunstancial de uma mentira do presidente que até aqui tem desmentido o envolvimento directo no affaire.
Tudo isto, de uma gravidade extrema, até ao ponto de se publicarem na imprensa de referência, notas apreendidas num processo crime, por dois juízes de instrução, não suscita em França qualquer reacção a pedir a exoneração do procurador geral da República; a responsabilização do poder judicial pelos desmandos e violações de segredo de justiça e muito menos a agitação para confundir papéis e responsabilidades, com recursos e advogados em alvoroço mediático e outras histerias nas hostes.
Em França, o essencial continua a ser a descoberta da verdade…mesmo através das várias manipulações.
E o próprio Villepin, em instruções aos seus serviços de investigação, anotou em 2004: “Deixar o juiz fazer a triagem e prever as suas investigações”, o que segundo o Le Monde, exprime com segurança a noção de que existe uma vontade em que se separem as águas da investigação judicial e a dos serviços oficiais governamentais. Um questão, por isso, de atenção à divisão de poderes e ao respeito pela soberania dos tribunais e da autonomia de quem neles investiga. O normal de uma sociedade democrática, quoi!
Estão a ver o paralelo, senhores deputados e governantes do PS actual?!
Actualização:
Mais novidades, por aqui.
E uma apreciação do papel dos magistrados, aqui.
E ainda uma infografia, elaborada pelo Le Monde, para perceber o caso, aqui.
Publicado por josé 14:50:00
Há que deixar o máximo de espaço livre para urbanizar. Que estranha forma de ordenar e proteger o ambiente.
em: www.a-sul.blogspot.com
e em: www.pinhalfrades.blogspot.com
...quem são os verdadeiros animais??
Agora essa conclusão que em França o poder político não se imiscui no judicial, é que me parece um pouco forçada. O ministro Clément lá adiou a viagem a Moscovo, para abrir inquérito. E todos nos lembramos de no primeiro mandato do Chirac, o juíz dos affaires da Mairie de Paris, se ter demitido, porque nem sequer conseguiu convocá-lo como testemunha, quando ele era uma personagem central daquele imbróglio.
Foi pena aqui ter sido esquecido o papel dum orgão de imprensa como o "Cannard Enchaînné" que tem sido, desde que existe, um forte instrumento de informação sobre todos os "affaires" económicos e políticos, particularmente, referentes à sociedade francesa, mas não só.
O Chirac, sabe alguma coisa...
É dum jornal destes que nós precisamos.
Era intenção dos tribunais franceses julgar em breve o processo - mas os protagonistas vão acabar por desaparecer todos de cena sem que se volte a ouvir falar do caso,,,