palavras solitárias
terça-feira, maio 16, 2006
Costumo ler o Jornal de Notícias num instante que leva o pequeno intervalo de um café. Por isso, nunca prescindo de ler integralmente a crónica de Manuel A. Pina na última página.
A de hoje, suscitou-me uma gargalhada contida.
Aqui fica- a crónica, entenda-se:
"Segundo o "Correio da Manhã" (CM), Humberto Delgado teria ontem feito 100 anos "se não tivesse sido morto pelo regime que apoiou e mais tarde tentou derrubar". Também decerto Assurbanípal haveria de fazer um dia destes 2633 anos se não tivesse sido envenenado.
Não sei de que fiáveis informações disporá o CM acerca da secular expectativa de vida do general, mas temo que não sejam mais do que as do autor da notícia acerca da volatilidade da língua e do detestável hábito que as palavras têm de pôr-se a falar sozinhas, arrastando divertidamente pelo nariz aqueles incapazes de se fazer respeitar por elas. Os jornais abundam hoje em frases descasadas e em erros de ortografia (dos de sintaxe melhor é nem falar). Os velhos revisores foram-se e as redacções encheram-se de jovens produtos do sistema de ensino. O resultado foi catastrófico. Dêem-me um jornal onde se use hoje uma voz perifrástica ou tão-só um tempo composto e onde o mais-que-perfeito não tenha sido soterrado sob pau para toda a obra do perfeito simples. Curiosamente, é às vezes gente que tem por profissão escrever em português e escreve incompetentemente em português quem mais exige políticos competentes, médicos competentes, magistrados conhecedores e competentes"
Publicado por josé 18:07:00
o português, claro.
e o assunto para que a lingua serve de expressão?, qual é?
Um dia destes encontrei um jovem casal e o acompanhante apresentou-se como Jornalista - eu, que nunca tinha ouvido falar no fulano, retorqui: jornalista ou empregado de uma empresa de comunicação social?
(correu o pano e acabou a cena)
Não sei se leram, mas já que dá o ensejo, permita que adiante a razão da gargalhada abafada ( por ser em público...):
O escritor Manuel Pina, nesta crónica em que escreve sobre jornalês, acaba por cair na velha e estafada piada do L´arroseur arrosé.
O que me levou ao riso, foi a frase- "detestável hábito que as palavras têm de pôr-se a falar sozinhas, arrastando divertidamente pelo nariz aqueles incapazes de se fazer respeitar por elas".
É uma frase humor impagável, mas que funciona como uma daqueles "devices" no Missão Impossível que se auto-destroem, em segundos...
Ao escrever em "detestável hábito que as palavras têm de pôr-se a falar sozinhas", o Manuel Pina suscita o estancamento do riso e o afluxo do siso.
Deverá escrever-se "têm de pôr-se"?
Qual o sujeito nesta frase?
Perguntando ao verbo, como dantes se fazia: quem é que tem o detestável hábito de se pôr a falar?
É uma entidade plural- as palavras.
Logo, parece-me que a ortografia do verbo, deveria seguir essa pluralidade de sujeitos.
Em vez de "pôr-se a falar", deveria antes escrever-se " de se porem a falar".
Estou certo ou estou errado, caríssimo e estimadíssimo Manuel Pina?
Ainda bem que usufruí do ensejo que lhe proporcionei. Claro que não me tinha dado conta. Fiquei a rir imaginando o Gen. Delgado obrigado a viver até aos 100 anos, se a PIDE não lhe tivesse tratado da saúde.
Agora eu, mesmo que esteja sózinha e em público, nunca fui capaz de conter o riso. Aliás já deixei de ler o Inimigo Público no Velasquez, porque frequentemente me olhavam de soslaio, como se eu fosse uma taradinha.
A explicação adicional do josé alertou-me para o que tb não tinha visto (fiquei sobretudo centrado no Delgado e no Assurbanípal)...
Sempre vos digo, porém, que a «virgulação» é um mal geral... Olhe bem, caro josé, se nestes nossos textos e comentários andássemos sempre a perguntar ao verbo... Ia ver que encontrávamos por aqui muita coisa...
Se andássemos por aqui a triangular vírgulas, teríamos que podar verbos e advérbios e concordâncias diversas.Isso para não falar no cotejo de sintaxes com prontuários ao lado.
Um blog, como decerto concordará, é um meio de comunicação mais informal, desde logo porque permite a correcção de gatos, mesmo à paulada e o desbaste de gralhas, a tiro de chumbeiro ou de pistola de água.
O divertimento num blog, não se adstringe apenas à escrita escorreita, embora seja um regalo provar um bom vintage declinado em português legítimo.
Agora, a escrita em papel de jornal é outra coisa, meu caro Politikos, como muito bem sabe.
A escrita em letra de forma, precisa de apuro da forma e de cozedura certa. Não se tolera de igual modo uma gralha num texto impresso, do modo que se ignora por aqui.
Além do mais, a obrigação para o leitor que paga o jornal é diferente. E também é diferente o dever de brio.
Parece-me.
Sempre beneficiei de uma grande tolerância do José, e espero poder também usufruir a sua.
A escrita num blogue é por natureza alterável, o que não se passa no papel em que a «coisa» fica para todo o sempre, ámen...
Não sei se o que diz não é um preconceito dos nados e criados na cultura pré-digital... Se pensar bem, verá que os leitores de blogues - falo de forma impressiva e não apoiada em evidências - é até mais exigente do que os leitores dos jornais, de onde deveria ser melhor tratado...
O argumento económico é, de facto, imbatível... mas aí, parece-me, o respeito é mais com a entidade patronal e menos com o público-leitor.
Continuo a achar, porém, que é eminentemente uma questão de preconceito dos pré-digitais - que somos nós... Veremos o que sobre isto nos dirão no futuro os historiadores do livro e os sociólogos da leitura...
P.S. - Pode-me chamar «marialva machista» e até queimar o soutien, se quiser; «porco machista» é que não gostaria que me chamasse, mas só porque prefiro as carnes brancas... ;-)
Não pertenço a esse grupo. Na minha idade seria caricato.
Quanto a si, cara Maloud, reduzem-se, então, as faixas etárias onde a integro, que era, no fundo, o que eu queria saber, sem me atrever a perguntar ;-)
Há um disco de finais dos setenta em que o cantor, Thomas Dolby, aflausina cantigas de pop electrónico, e numa delas, dirigindo-se a uma amada do momento, diz "she blinded me with science". Mas o magano olhava para outros lados que pouco ou nada tinham a ver com equações matemáticas e tudo com poesia dos sentidos.
Com as proporções devidas ( o obviamente são muitas) , será o caso.
Fico esmagado pela erudição e nem sei que ripostar em defesa- porque defesa me parece haver, apesar de tudo.
Assim, aceito que as palavras e a língua e mobile, tal como le donne.
Mas daí a passarem a mobiles pendentes de exposição , ainda vai um passo que um simples prontuário me não autoriza a dar.
Pareceu-me ler no seu escrito a apologia de que "a linguagem é um organismo que se desenvolve muito melhor em estado de completa liberdade, sem entraves", o que me parece algo contraditório com a preocupação do perfeccionismo textual de que dá mostras a seguir, ao dizer que cuida dos textos que publica e os dá também a cuidar...
Por mim, não cuido tanto assim e lamento por vezes, ter de dar a mão à palmatória, por causa dos gatos com rabo felpudo que se escapam entre frases e linhas de escrita.
O que resta de importante, assim, parece-me que será a análise da convergência de opiniões acerca da justeza do emprego do infinito do verbo.
Nada melhor do que leiloar as frases em exposição!
Quem alinha por esta forma de escrita,-"o detestável hábito que as palavras têm de pôr-se a falar sozinhas" - dispondo-se a rematá-la?!
E por esta - " o detestável hábito que as palavras têm de se porem a falar sozinhas"- quanto é que estão dispostos a oferecer?
Haverá licitadores?
Um abraço pela atenção e simpatia.
Se dissesse respeito só a mim, ficaria calado, como tenho ficado de outras vezes, pois a resposta definitiva já lha dei uma vez e não me apetece repetir.
Assim, não fico, porque o Manuel Pina merece muito mais consideração pelo que é e pelo que escreve e pelo gozo que me dá ao lê-lo todos os dias no JN.
Retomando o assunto do infinitivo, consultei agora uns manuais - Prontuário - Erros corrigidos de Português, de D´Silvas FIlho e Dicionário Prático para o Estudo do Português, de Olívia Maria Figueiredo e outro e ainda o COmpêndio de Gramática Portuguesa, de A. GOmes Ferreira.
A conclusão a que chego, é que o uso do infinitivo depende essencialmente do estilo de quem escreve.
Logo, para bom entendedor...
E confesso: já me tinham acusado de algumas coisas, mas de pesporrência na escrita, não me lembro.
Enfim.
Cá nos entendemos, afinal. Afinal, não! A final. Assim, sim. Sim, assim.
Cumprimentos.