"Tira a gravata, pá!"
domingo, fevereiro 05, 2006
O cantor Vitorino, lançou um triplo cd, reunindo temas de trinta anos de canções populares.
Vitorino, tal como outros cantautores portugueses dos anos setenta, prè e pós revolução, definham actualmente na consideração do público que ouve, escuta e não pára para comprar a música que fizeram, digna do melhor que culturalmente temos e somos.
Quem folhear as revistas musicais pré abrilistas, como a Mundo da Canção não lhe topa o nome, e não admira: o seu primeiro disco, Semear salsa ao reguinho, data do período de brasa de 1975.
Vitorino, como, aliás, quase todos os cantores de intervenção da década setentista, alinharam em posições que à falta de melhor designação se poderiam classificar de extrema esquerda.
José Mário Branco, José Afonso, Fausto, Sérgio Godinho, Luís Cília, Adriano Correia de Oliveira, Francisco Fanhais, José Jorge Letria, Manuel Freire, são autores e cantores dos mais belos discos de canções cantadas e publicadas em português.
Os textos, poemas e poesias que enformaram as músicas, de raiz tradicional e popular, em muitos casos reivindicam protestos, abertos ou camuflados em simbologias e eufemismos.
Em 1974, acabaram as barreiras censórias e José Afonso pôde cantar uma Chula da Póvoa em que se ouvia: “ó meu Portugal formoso! Berço de latifundiários. Onde um primeiro ministro, já manda à merda os operários.” , num disco com algumas composições musicalmente geniais como “ Os índios de meia praia” ou “O homem da gaita”. Num outro, intitulado “Enquanto há força”, que contém pérolas irrepetíveis da música popular portuguesa, como são quase todas as composições com destaque para o título tema, “Tinha uma sala mal iluminada”, “Um Homem novo veio da Mata” e “Ali está o rio”, pode ouvir-se: “ A palavra socialismo, como está hoje mudada: de colarinhso à sueca, sempre muito aperaltada.” E ainda: “ De caciques e de bufos, mandei fazer um sacrário; para pôr no travesseiro de um cura reaccionário”.
Estas belezas semânticas, nada perderam da força evocativa que tinham, para os cultores actuais da esquerda romântica, reunidos num BE ou num outro movimento de repescagem de ilusões à volta de um Manuel Alegre, por exemplo.
Quem alguma vez sentiu o apelo de um PREC, parece-me bem que jamais desistiu de uma retoma idealista que lhe repusesse os sonhos de amanhãs a cantar.
Foi exactamente isso que disse Vitorino num programa de rádio, no último Sábado pela manhã.
No entanto, essa marcada opção ideológica por modelos de organização social distantes do realismo prático, em nada compromete o brilhantismo artístico que todos esses cantantores deram sobejas provas.
Vitorino, exilado em Paris até 1973 ( informação de Eduardo M. Raposo no livro Canto de Intervenção, Público, 2005) publicou o seu “Semear salsa ao reguinho”, em 1975.
Antes, em 29 de Março de 1974, participou, no Coliseu dos Recreios, no I Encontro da Canção Portuguesa.
A revista Cinéfilo- uma revista fabulosa, até na invenção gráfica, percursora de outras que se fizeram no estrangeiro, mas que por cá não teve repetição e dirigida por Fernando Lopes e António-Pedro Vasconcelos- efectuou então uma reportagem assinada por Mário Contumélias que dava conta de uma intervenção espontânea e anónima de um espectador, quando Carlos Paredes assomou ao palco: “Tira a gravata, pá!”
Nesta pequena frase, o prenúncio de um novo mundo, que chegaria dali a um mês. Também na TV, com a chegada do 25 de Abril, uma das coisas que impressionavam esteticamente, eram os locutores sem gravata…
Publicado por josé 23:59:00
Agora, quanto ao "enquanto há força"... têm toda a razão, que grande disco, por vezes até o prefiro às "obras primas" de 71 e 73 (demasiado perfeitas...)
Destaques também para "arcebispíada", "a acupuntura em odemira" e "viva o poder popular"
Viva José Afonso!
José Afonso deixou a herança musical e estética e até ideológica sedungo julgo saber, a um seu sobrinho- João Afonso.
Extraordinário cantor! Acompanhado por Moz Carrapa, à guitarra e à viola, o espectáculo dos dois é qualquer coisa de mágico.
Que ninguém que gosta de música, perca uma performance dos dois.
Esqueça a ideologia e os recados políticos e ouça e veja o dedilhar do Carrapa e a voz de João Afonso.
Ninguém o vê na Tv.Ninguém o ouve em discos.
Mas é um grande, grande artista!
Vi-o há cerca de dois anos em Porriño, Espanha,( um sítio onde José Afonso costumava ir para se tratar da doença da garganta)num café concerto a abarrotar e testemunho a maravilha.