os cartoons da polémica, ou a derradeira vitória de Sousa Lara

Há uns anos Sousa Lara, então secretário de Estado da Cultura do Dr. Cavaco, recusou-se a dar não sei o quê ao Sr. Saramago por este ter escrito "O Evangelho segundo Jesus Cristo", que aquela obra iria contra as suas convições. Foi crucificado. As voltas que o mundo dá.

A propósito dos cartoons dinamarqueses que 'alegorizavam' Maomé, e da corrente de indignação que estes levantaram no mundo árabe, têm-se lido, visto e ouvido as teses mais peregrinas. Ao que parece o problema todo está no facto de os cartoons chocarem o mundo árabe e ser necessário 'bom senso'. Ana Sá Lopes, no DN, vê no finca pé do Ocidente um reforço potencial dos radicais islâmicos, João Morgado Fernandes, numa sucessão de posts manifestamente infeliz, mete até suásticas e o Papa ao barulho, etc e tal.

Escapa a toda essa gente o que deveria ser óbvio e essencial
- o direito inalienável à liberdade de expressão, implicíto na possibilidade de publicação dos cartoons. Nós não temos que gostar deles, não temos que os pagar, mas se se começam agora a definir (outra vez) limites onde é que se vai (de novo) parar ? Outra vez ao Index ? Eu sou católico, já gramei com Papas enfiados em preservativos, com alegorias gráficas à Virgem de fazer corar um cego, já gramei com inúmeras obras 'artísticas', ostensivamente provocatórias às minhas convições, e nunca me passou pela cabeça andar por aí a incendiar embaixadas, nem a mim, nem a milhões de outras pessoas. Quanto muito serve apenas para questionar e reforçar a minha Fé.

Da mesma forma que não imponho o meu ponto de vista
a ninguém, a única coisa que espero é que não me imponham, ou tentem impor, à força, outros pontos de vista, e/ou que, ponto importante, o façam com o dinheiro dos meus impostos. O 'Ocidente' perdeu uma oportunidade soberana de mostrar a sua real superioridade - a capacidade de tolerar o próximo e o diferente. É essa, e só essa, a génese do problema. E é isso, essa capacidade, que o Ocidente devia exportar, antes de tudo o resto.

Ainda a propósito das comparações que por aí se fazem, eu não quero saber se um imbecil atrasado mental qualquer tem a casa forrada de suásticas, é a casa dele, já outra coisa diferente é se esse mesmo imbecil resolver conspurcar o espaço público, que é de todos nós, ou a minha casa, com essas mesmas suásticas. Um oceano de diferença que só João Morgado Fernandes não abarcou.

Ah, e outra coisa, o maior desrespeito que se pode fazer a terceiros, em nome do multiculturalismo, é metê-los encostadinhos num qualquer guetho, a um canto, permitindo-lhes ser 'diferentes', a ver se não chateiam muito. É essa a mais perversa e cruel forma de superioridade e arrogância.

Publicado por Manuel 01:56:00  

2 Comments:

  1. Sergio Figueiredo said...
    Típica frase ocidental de arrogância: "O 'Ocidente' perdeu uma oportunidade soberana de mostrar a sua real superioridade". Tenha cuidado com as suas afirmações. Não existem sociedades superiores a outras.
    Maria said...
    A questão que se põe é, por acaso alguma vez os muçulmanos profanaram o nosso Deus?

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