Cavaco e discurso mínimo
sexta-feira, novembro 18, 2005
Parece que a prosa de hoje de Vasco Pulido Valente, que se reproduz abaixo, comoveu e entusiasmou uma série de gente. Obviamente pelas razões erradas. Vasco Pulido Valente, em coerência, honra lhe seja feita, não quer um presidente da República, não quer um político. Quer, exige, outra coisa - um salvador da pátria, um regente. Mas não um salvador da pátria qualquer - gostaria de alguém que saiba de tudo, e fale sobre tudo, enfim alguém 'como' ele mas com 'pachorra' para lidar com a populaça, uma espécie de 'déspota esclarecido', Marquês de Pombal dos tempos modernos. É um erro, e é óbvio que Cavaco não encaixa, ainda bem, nesse perfil. Por outro lado, Pulido Valente, pessimista, é um dos adeptos da tese messiânica do 'fim' do regime, que, segundo ele, (só) poderia ser salvo, com o 'salvador' certo, a partir de Belém, acima dos partidos e dos governos. Mais uma vez, Cavaco não encaixa, ainda bem. Pulido Valente comete, recorrentemente, um erro - vê 'à Marcelo' a política de cima para baixo, acha que 'basta' estar em cima o homem 'certo' para que a partir daí tudo mude. Não basta, importa mas não basta. Em democracia, numa sociedade em rede como, agora, se diz, nada se faz sozinho. Pode-se catalizar, pode-se entusiasmar, mas, sozinho nada, rigorosamente nada, se consegue.
Eu também gostava que o discurso de Cavaco fosse outro, muito mais reformista, menos 'politicamente correcto', que não se tivesse associado, no seu manifesto, a todos os grandes axiomas do regime, teria gostado que rompesse com o 'status quo' e que desse um abanão na forma com se faz política em Portugal, 'desintermediando-a' e aproximando-a dos cidadãos. Gostava que falasse abertamente de reformas, políticas e administrativas. Teria gostado, porque as presidenciais, pelas suas características, são as únicas eleições onde os temas em debate não são filtrados pelos directórios e aparelhos partidários. Gostava, mas nada disso é excessivamente relevante. E, não o é porque aquilo que em primeira instância eu espero de Cavaco como PR, é muito simples - sobriedade, recato e sensatez. Não espero, muito menos desejo ou sequer antecipo, de Cavaco que seja o Oráculo que tudo vai resolver, apenas alguém com a experiência suficiente para falar quando é preciso, sobre o que é preciso. É por isso, que venho dizendo, e escrevendo, há já bastante tempo, que a principal e soberana razão para Anibal Cavaco Silva merecer ser eleito Presidente da República, não é a sua performance enquanto Primeiro-Ministro, que não é imune e isenta de crítica, mas a sua conduta, de Estado, desde que deixou de o ser, nestes dez anos que se seguiram até hoje. Nestes últimos anos, Cavaco, pouco falou, mas do que falou foi ouvido e marcou definitivamente o rumo dos acontecimentos. É isso que os Portugueses esperam, nem mais, nem menos. Alguém que possam, finalmente, levar a sério.
Dito isto, estão a ser corridos riscos, muitos absolutamente desnecessários. A presente gestão do silêncio não se deve à ausência de 'opiniões', mas antes ao contrário. Há por aí quem ache que recordar as opiniões, que são fortes, fracturantes, por muito oportunas e certeiras, de Cavaco nos últimos 10 anos é um erro, que é alienar eleitorado potencial. Talvez. Até me dizem que foi 'assim', nas 'núvens', que Sócrates ganhou as legislativas, não assustando o 'povo'. Um erro, um erro crasso. Sócrates ganhou porque a alternativa se chamava simplesmente Pedro Santana Lopes, e isso foi argumento mais que suficiente para muito boa gente votar PS pela primeira vez na vida, por uma questão de higiéne. Quem julga que Cavaco perde votos por falar claro sobre a presente situação engana-se. Se há coisa que irrita e faz descrer da política é a ambiguidade e evasividade dos actores políticos. Campos onde Cavaco, o tal que não é 'profissional', e contra as regras establecidas, soube nos últimos 10 anos marcar a diferença. Falou e foi ouvido, conviesse ou não. E falou, não por ele, mas porque achou que era importante pelo País. Este aprendeu, se não a concordar, a respeitá-lo, por isso.
Não se pede nem espera de Cavaco que dê 'troco' a quem quer que seja, em diálogos puéris, para entreter ou fazer agenda. Espera-se apenas que fale claro, absolutamente claro, como fez nos últimos 10 anos, ponto. A tese, inexequível, que querem por aí 'vender' de que, pelo silêncio, se pode ser, ao mesmo tempo, tudo para, quase, todos não pega. Reduz o debate a lugares comuns e a dizer mal dos outros. Pior, passa uma imagem absolutamente errada - a de Cavaco, como 'igual' aos outros (políticos). De Cavaco os portugueses esperam tão só que se comprometa a devolver a credibilidade ao sistema político que vamos tendo, dando-a, novamente, à instituição que é a 'Presidência da República'. Que diga claramente que não há remédios simples nem fáceis, e que serão precisos sacríficios de todos. Não tanto que dê 'palpites', especialmente concretos, sobre o que 'tem' que ser feito, mas que reafirme a garantia de que garantirá o apoio a todas as reformas, e a todo o debate, prévio, a um consenso mínimo de regime, sobre as mesmas. Não é preciso muito mais. Adoptando um discurso minimalista e absolutamente claro foca o debate no absolutamente essencial - o papel do PR, o papel e a função do Estado, e a gravidade da crise actual, para a qual não há saídas fáceis.
Voltando a Vasco Pulido Valente, o texto abaixo não é sequer uma crítica a Cavaco. É uma crítica áqueles, na comunicação social, na classe política, até na sociedade cívil, que acham que a solução para tudo, e as causas também, passa sempre pelos outros, e nunca passa por eles próprios. Mais, só se presta a leituras superficiais e equívocas, porque, de facto, a estratégia comunicacional da campanha de Cavaco, agora 'profissionalizada' e 'politicamente correcta', não tem sido, de longe, das mais felizes...
Publicado por Manuel 19:24:00
o VPV hoje foi indigesto, henm?!