Razões para não votar em Mário Soares (nem em Cavaco Silva)

Para alguém que sempre se identificou com a àrea socialista, sem nunca ter deixado de ser crítico quando se justifica, que nasceu politicamente numa altura em que Mário Soares era um Presidente activamente envolvido em defender o país de uma proto-ditadura pessoalizada por Cavaco Silva (pode ser uma descrição dura, admito até que controversa, mas é a minha) é contranatura não apoiar novamente o velho leão.

Importa abrir um parêntesis para explicitar que falo em proto-ditadura não porque houvesse repressão social (apenas pressão), presos políticos ou censura (afinal, estamos a falar dos anos de glória do Independente) mas porque havia um dirigente do país que achava que o povo, a opinião das pessoas, a imprensa escrita, as instituições de controlo, aqui se incluindo o Parlamento, o Tribunal de Contas, o Tribunal Constitucional e a Presidência da República, eram meros obstáculos à sua visão do país, em vez de serem, como são, fontes de legitimidade para o exercício democrático do poder.

Esse tipo de visão pode ser reconduzida com propriedade, acho, à ideia de Despotismo Iluminado, cujas origens remontam, na sua forma "moderna", à família real francesa. E assusta qualquer um que tenha embutido no código genético a qualidade de democrata. A somar a isto existiam práticas hoje esquecidas, como a de fazer acompanhar manifestações juvenis de polícia de choque e serviços de informação. Ou aquela imagem de político acima da política. Memórias que importa não perder.

Adiante, não que me pareça que a maior parte das pessoas consiga passar do aparte. Mas isso é da vida.

O que me leva a não votar em Mário Soares é reconhecer nesta candidatura um grau de perversão da democracia em nada inferior ao que acima mencionei.

Falo, naturalmente, de uma certa pessoalização do poder, numa forma de república pervertida a favor da busca de um poder familiar, numa tentativa em quel se identifica um certo toque de desespero ou alienação, não sei bem qual, cujas origens se desconhecem.

Ademais, não vejo que um Mário Soares com 80 anos possa fazer alguma coisa que não tenha podido fazer com 60 ou 70 anos, antes pelo contrário. Não estou a usar a idade como argumento, note-se, diria o mesmo se o candidato tivesse 60 anos e tivesse sido presidente dos 40 aos 50.

O velho adágio de que não se deve voltar a um local onde se foi feliz devia aplicar-se mesmo contra a contade do próprio. A bipolarização pretendida pelo PS não me serve, portanto. E temo bem que não sirva à maior parte da esquerda. Isso explica, em larga medida, a viabilidade da candidatura de Manuel Alegre. Que, contudo, também não me convence. Aquele perfil do poeta-político esconde um político de carreira, com os vícios próprios de todos eles. Incluindo, embora em menor escala, quer a tentativa de colagem à imagem de outsider que Cavaco tão bem cultiva quer as idissiocrancias familiares que são tão patentes em Soares.

Resumindo, com meia dúzia bem contada de candidatos à esquerda nenhum me convenceu ainda. O meu voto está disponível para quem me convença em campanha eleitoral. Ou isso ou será em branco.

P.S. - Um esclarecimento porventura desnecessário: Este post é escrito, como foram os anteriores e serão os próximos sem que tal signifique "falta de respeito por mim próprio" e a utilização de um nome de fantasia não releva da necessidade de um qualquer "manto cobarde e diáfano" mas de outras considerações, que estou cansado de explicar e de que não devo explicações, muito menos a virgens ofendidas de última hora. Respeito muito mais aqueles para quem a concordância ou discordância pela opção de anonimato não é matéria de ocasião, nem é coisa que esteja sujeita a juízos de oportunidade. E sobre este assunto não me ouvirão (lerão) nem mais uma palavra.

Publicado por irreflexoes 11:21:00  

2 Comments:

  1. Rui MCB said...
    É mais ou menos isso, também.
    xatoo said...
    boa malha!
    NEM CAVACO NEM SOARES!
    já tinha dito o mesmo aqui,

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