Motivos de greve
quinta-feira, outubro 27, 2005
Do Verbo Jurídico, que vai mantendo a alta qualidade na exposição de razões sérias e verdadeiras para a crise da Justiça, extrai-se um comentário, assinado por um simples "luis" que merece toda a atenção pela lucidez que nestes tempos também vai faltando...
Os juízes têm direito, sem dúvida alguma, a manifestar-se contra as medidas governamentais que visam alterar – sem melhorar – o actual sistema de justiça e o seu estatuto. Porém, ao ecoar as suas reivindicações os juízes – ou antes, os seus órgãos representativos – puseram o acento tónico não nos aspectos que realmente interessavam à nação – melhorar a justiça, o que implica manter um estatuto do juiz que garanta a sua imparcialidade, independência e capacidade de desempenhar um bom trabalho – mas antes, nos aspectos (comezinhos e puramente individualistas) de manter um sistema de saúde especifico, um calendário de férias judiciais de dois meses, jubilações como que não existem na maioria dos cargos públicos, subsídios de renda de casa, que não visam subsidiar a falta de casa no local do trabalho, mas complementar de forma «ad hoc» o ordenado e que (após decisão do STA) foi decidido que não era tributado em sede de IRS – quando o seria para a maioria dos «outros» cidadãos, sem que se explicasse o porquê da manutenção destas situações. Ora, tais reivindicações soam a muitos dos cidadãos portugueses como injustas e injustificadas. O que não é de estranhar, aliás, face à forma ao teor do discurso oficial dos Conselhos e da Associação Sindical, por contraposição com o discurso do Governo. Pena é, que os órgãos representativos dos juízes, em vezes de propalarem apenas a defesa de direitos – alguns tão ilógicos e irrazoáveis, que mais parecem verdadeiros privilégios – aproveitassem a ocasião para questionarem o sistema e o seu próprio estatuto, que avaliassem os seus anacronismos e idiossincrasias e propusessem - ao governo e à população - medidas concretas para os melhorarem. É um facto de conhecimento público que há tribunais com uma pendência insustentável, que a justiça tarda e que por vezes se torna numa justiça injusta. Mas não será através da proposta de alteração do calendário judicial que este problema se resolve. Há que explicar porquê. E há que fazer propostas concretas que garantam que os juízes – sejam de 1º instância sejam dos tribunais superiores – não têm, na prática, nem mais nem menos férias que aquelas que por lei lhes são devidas. Há que explicar porque é que, em concreto, a justiça tarda, quantos processos tem cada juiz em cada momento, como estes são avaliados – ou inspeccionados (e num estado social de direito também conviria publicar um novo diploma que regulamentasse as inspecções de uma forma clara e transparente, com critérios verificáveis e adequados, diminuindo a discricionariedade existente…), quais as condições de trabalho que lhes são proporcionadas, de que forma e a expensas de quem o juiz adquire formação ou livros para executar o seu trabalho. E talvez haja que propor medidas concretas para evitar esse congestionamento da justiça, designadamente com a contingentação dos processos e, se se comprovar a necessidade, com a abertura de concursos para a admissão de um maior número de juízes. E elencar quais os tribunais onde não há condições de trabalho e que meios de trabalho compete ao Ministério da Justiça atribuir. Há também que explicar porque é que se quer preservar o estatuto do juiz e porque é que os direitos reivindicados podem influir nesse estatuto. Há que explicar como apareceu o sistema de saúde do MJ e em que medida os juízes contribuem para a sua manutenção e porque é que para os juízes – principalmente aqueles que têm maior idade – é extremamente onerosa a decisão governamental. Há depois que explicar como apareceu o subsídio de renda de casa, indicar os valores dos ordenados dos juízes e lembrar que eles estão impedidos de auferir outras retribuições. Há que fazer propostas concretas para criar um sistema remuneratório que garanta a imparcialidade e independência dos juízes, que não passe por um complemento de ordenado a que chamam subsídio de renda de casa ou um provável subsídio de exclusividade de funções. Se até meados dos anos de 80 os juízes gozavam de um estatuto remuneratório que os distinguia dos funcionários públicos, a verdade é que com a reforma da AP, e designadamente com o DL 248/85, de 15.07, aos poucos, o seu estatuto foi-se fundindo com os desses funcionários. E hoje chegamos ao ponto de um juiz ganhar menos que ganha um funcionário público que seja chefe de serviço – que detém responsabilidades muito inferiores às atribuídas a qualquer juiz. Porém, em vez de dignificar-se o seu estatuto remuneratório, reestruturando-o de uma forma coerente e justa, compactuou-se a criação de um subsídio de renda de casa, que nada visa subsidiar, que não seja o próprio ordenado. E está prestes a compactuar-se um novo subsídio que visa compensar uma exclusividade que não deriva das funções especiais, mas do próprio estatuto remuneratório, que devia querer-se, para todos os juízes, como suficientemente digno para que o juiz mantenha a sua imparcialidade e independência relativamente aos restantes poderes. Integrem-se quaisquer «pseudo» subsídios nos ordenados, que têm, urgentemente, de ser reestruturados, para que o juiz não seja um «funcionário fora do baralho», que na primeira instância pode ganhar menos que qualquer funcionário público chefe de serviço e que nos tribunais superiores pode ganhar mais que o Presidente da República.
Publicado por josé 11:15:00
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