ainda a inversão do ónus da prova...

Parece que Jorge Sampaio sentiu necessidade de aclarar o sentido do seu discurso, do 5 de Outubro, nomeadamente aclarando o âmbito concreto em que defende a inversão do ónus da prova. Isto é, menos de 24 horas depois, Sampaio que tem um exército de assessores à disposição sentiu necessidade de esclarecer o 'verdadeiro significado' não de umas quaisquer declarações pontuais mas de um discurso solene, dos mais solenes. Fascinante. Ou o discurso foi escrito com os pés, sobrando para o redactor um grave problema de literacia, já que toda a gente o interpretou num sentido mais ou menos lato, ou, igualmente grave, face a reações adversas menos de 24 horas depois Jorge Sampaio mudou surrateiramente de ideias. Em qualquer caso, grave, e absolutamente despretigiante para a democracia.

Dito isto, não pactuar com as mirabolantes ideias iniciais de Sampaio não significa de todo fechar os olhos a uma série de fenómenos para-normais. Porventura, por exemplo, alguém ouviu falar Sampaio do número de notificações que a banca, no seu todo, envia às autoridades judiciais de depósitos e movimentações 'suspeitas' ? , neste país, uma tentação gritante de, cada vez que uma lei não é cumprida, ou não funciona como seria esperado no papel, de, e em vez de perceber o que não funcionou, ou onde emperrou, simplesmente se fazer uma, mais outra, nova lei. Somos dos que temos mais leis, e somos daqueles onde estas, e o sistema, pior funcionam. Convinha pois parar para pensar.

Atrelado ao fenómeno da corrupção/tráfico de influêcias/enriquecimento 'à Abramovich' está, é verdade, subjacente muitas vezes a actividade política e partidária. Porque não, finalmente, legislação a sério, e exequível ? Alguém acha que vão ser os 'fiscais' que se criaram na última alteração de legislação de financiamento partidário que vão descobrir, das poltronas, as maroscas ? Acham mesmo ? Porque não agir a sério, aprovando uma medida que resolvesse o problema de vez ? Por exemplo, esta (publicada em fevereiro de '05) que sendo até parecida, no espírito, com as ideias do PR, na prática não violenta ninguém, e resolvia uma série de problemas...

Não é preciso ser muito dotado para inferir que um dos cancros do nosso sistema político é a corrupção. Também não será preciso ser muito perspicaz para concluir que muito do dinheiro que esta movimenta acaba de uma forma ou doutra em esquemas de financiamento partidário mais ou menos engenhosos, com mais ou menos malas. Isto são factos. Há vontade de acabar de vez com o problema ?

Bom, se há, abandone-se legislação complexa e inexequível (como a que ainda agora criou o apêndice ao Tribunal Constitucional para pedagogizar os partidos sobre gastos partidários) e seja-se prático.

Abandone-se a intenção, impraticável, de querer, em tese, com um qualquer entidade central controlar tudo, ao mesmo tempo. Obrigue-se apenas os partidos políticos a terem uma contabilidade organizada, fidedigna e acessível, a qualquer momento. A seguir, e sabendo-se que o dinheiro entrando num partido só é útil podendo de facto ser gasto, por exemplo numa campanha ou em bens imobiliários, faculte-se a qualquer cidadão a possibilidade perante uma qualquer emanação partidária, seja ela comício, carro de som, outdoor, tempo de antena, ou merchandising, a possibilidade de inquirir o partido responsável - via TC - pela mesma, sobre onde foi feita, por quem, por quanto, a mando de quem, e com que dinheiros (locais ou nacionais). Face a esta curiosidade o partido em causa teria imperiosamente, por exemplo, uma semana para apresentar a respectiva papelada. Bate certo, tudo bem, não bate, punições exemplares. Não seriam precisas muitas inquirições avulsas a um grande partido para impedir incontornavelmente uma contabilidade suficientemente criativa que maquilhasse todo e qualquer cruzamento de dados logo, pelo menos aos partidos, de nada serviria receberem dinheiro se depois não o pudessem gastar. Acabavam-se os proxys, os financiadores invisiveis que pagam ele próprios despesas de campanha, metendo-as como despesas nas suas empresas, acabava-se a sub-facturação... Some-se a esta medida, simples, transparente, a obrigação dos partidos políticos revelarem quem são os seus financiadores em qualquer montante, ao Tribunal Constitucional, e talvez subitamente o ar se tornasse mais respirável. E não, não se trata de tornar todo e qualquer cidadão em polícia, trata-se apenas de tornar todo, e cada um, em guardião do sistema democrático, afinal os partidos não tem nada a esconder, ou têm ?

Esta não é uma medida nem de esquerda, nem de direita. É simples, de fácil aplicação e seria muitíssimo pedagógica , por exemplo, nas próximas autárquicas...

Publicado por Manuel 13:02:00  

4 Comments:

  1. Anónimo said...
    O novo Carnelutti.....!
    Anónimo said...
    O novo Justiniano...!
    Anónimo said...
    Passando à prática a brilhante ideia de Jorge Sampaio, a inversão do ónus da prova deveria ser aplicada prioritariamente aos piores crimes, como por exemplo ao da pedofilia. A começar pelos acusados do partido do Sr. Presidente, que seriam assim considerados culpados, a menos que conseguissem provar a sua inocência...
    Anónimo said...
    TRETAS! Todos os "ricos" (ricos mesmo, com muito dinheiro)enriqueceram à custa de crimes. Agora, que os branquearam, querem impedir que os do "povo" possam enriquecer. Oh! Cambada de ingénuos ou abutres! Não vêem que a cambada que já conseguiu dinheiro não quer concorrência? Oh! Cambada de ingénuos ou abutres! Não vêem que os ricos querem ser apenas uma elite que não quer que os "outros" subam na vida. PUTA QUE OS PARIU A TODOS!!!

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