Nunca é demais insistir

Aqui vai mais uma contribuição para um assunto sobre o qual vale sempre a pena reflectir...

«Judeus não expulsam judeus», gritavam os judeus que se opunham à retirada de Gaza. Bom, não só judeus expulsaram judeus como foi um dos mais improváveis judeus, o general Ariel Sharon, a fazê-lo. Podemos avançar muitas razões, de um lado e do outro da barricada, para a inutilidade ou a diminuição desta retirada como gesto político, o que não podemos é deixar de apontar a data como uma data histórica, para Israel, para a Palestina, e para o mundo, que arde e se entrechoca e explode, em parte também por causa deste conflito.

Do lado palestiniano, alegria e liberdade, digam o que disserem os comissários políticos. Pode ser que Gaza e os seus colonatos representem apenas 2% dos colonatos e da ocupação israelita, muito maior na Transjordânia, mas, esses 2% são a percentagem simbólica que mede o sucesso da marcha da história. Não haverá, a partir de agora, mais checkpoints em Gaza, e a humilhação diária dos palestinianos será em muito reduzida. Resta à Autoridade Palestiniana, em especial à OLP e ao Hamas, não desbaratarem este capital e não começarem a ocupar as terras desocupadas sem cuidar do povo palestiniano, do seu sofrimento, violência, desemprego e dependência de Israel.

A Palestina, tal como está configurada pelos mapas e a história, a escassez de terra e de água, dependerá sempre de Israel e Israel dependerá sempre da Palestina, e ambos, mais os religiosos e fanáticos e assassinos de ambos, terão de aprender a viver juntos. Sharon queria ficar na história e ficou. Não como o homem que deixou que os massacres de Sabra e Chatila acontecessem mas, e sim como o homem que percebeu que Israel não poderia continuar a pagar em dinheiro e vidas humanas o elevado preço da ocupação de Gaza. E que Israel, demograficamente, estará condenado a ter uma população de maioria árabe, caso um novo estado palestiniano não nasça na região.

Muitos entenderam este argumento como uma desculpa para uma retirada pragmática, táctica, mas, o argumento é válido e necessário. A morte de Arafat abriu uma porta, uma porta que nem Sharon nem Abbas deixaram, ainda, fechar, e que continua a abrir-se lentamente, dolorosamente.

Ninguém pode subestimar a violência que a retirada de Gaza significa, histórica e nacionalmente, para o povo judeu. Alguns destes colonos foram da Rússia, da América, de Minsk, de Brooklin, muitos deles nos anos 70, quando Israel encorajou a política e a prática dos colonatos como política oficial, para se defender do inimigo e vizinho árabe. Nesse tempo, judeus e palestinianos viviam em paz uns com os outros, toleravam-se, e as dunas de Gaza eram pacíficas. Hoje, duas Intifadas e milhares de mortos mais tarde, sabemos como era precária essa convivência e como o ódio se acumulou.

Entretanto, o mundo mudou. Mesmo que o problema da Transjordânia esteja intacto, e que os colonatos aí sejam estabelecidos e quase todos irremovíveis, e que Jerusalém continue a ser um espinho nas mãos de judeus e árabes, sabemos hoje que, afinal, judeus podem expulsar judeus, e que estão dispostos a fazê-lo em nome de um futuro qualquer. A ocupação de Gaza marcou um período histórico, a retirada de Gaza marcará outro. E Israel confronta-se com os seus fundamentalistas, os seus espectros, a sua evidência de potência ocupante, como a Palestina se confronta com os seus dramas, as suas vulnerabilidades, a sua incipiência democrática, a sua violência endémica, gerada por anos de ocupação e injustiça.

Não é preciso ser optimista, basta ser realista. No Médio Oriente, algo mudou para sempre a partir de agora. Para quem se lembra de Gaza como uma imensa prisão, com arame farpado e torres de vigia, esta retirada é um princípio de liberdade. Um longo caminho faz-se com pequenos passos».

Crónica de Clara Ferreira Alves, in Diário Digital

A Grande Loja voltará, em breve, a este tema tão polémico e... inesgotável.

Publicado por André 20:14:00  

1 Comment:

  1. Anónimo said...
    Desde que os USA entraram no Iraque, e foi para isso, tudo est´+a a mudar no medio oriente e no sul da Russia. Já perceberam o que è geoestrategia?

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