Em política nem só os factos contam

Certeira a opinião de Medeiros Ferreira (há um ano) sobre a relação do poder político com a comunicação social.

"Há quem pretenda que o regime democrático criou, 30 anos depois, o seu «caso República», com a demissão de Marcelo Rebelo de Sousa de comentador da TVI. A sensação de que alguém conseguiu amordaçar «o professor» é potente. E não se deve encarar este episódio como um mero conflito entre facções da direita. Em política nem só os factos contam. O contexto em que eles se desenvolvem empresta-lhes muitas vezes significados diversos.

É certo que o «caso República» se desenrolou numa época tumultuosa, entre correntes de esquerda e extrema-esquerda e, agora, atinge a oligarquia de direita que dispõe do País. E entre a audiência dos redactores do República com os seus 30 mil exemplares e a influência de Marcelo no milhão de telespectadores não parece haver paralelo possível. Porém, em ambos os casos é a liberdade de expressão e de opinião que é ofendida.

Desta vez, no entanto, não estamos apenas perante uma perversão desse princípio, mas de duas.

A primeira, tem a ver com a desigualdade dos agentes políticos no acesso à comunicação social e nomeadamente à pantalha televisiva. Já tratei desse assunto várias vezes, não para tentar impedir alguém de usufruir dos privilégios alcançados nesse domínio, mas para chamar a atenção sobre as consequências dessa desigualdade. Principalmente quanto a estadas fixas e prolongadas em certos programas com dia e hora certa. Desde os comentadores futebolísticos até aos debates políticos, a TV tem promovido uns poucos políticos sem critério objectivo transparente. Curiosamente, Santana Lopes foi o único beneficiário televisivo da exposição opinativa prolongada quer sobre futebol quer sobre política, e sempre na mesma estação_ pública.

Em segundo lugar, o estatuto oferecido a Marcelo Rebelo de Sousa na TVI durante mais de quatro anos, se sempre nos divertiu pelas excepcionais qualidades daquele comentador, não tem paralelo no mundo civilizado. E sobre a singularidade do caso Marcelo subscrevo a análise de Mário Mesquita no domingo passado.

Se a mesma tribuna tivesse sido oferecida por Eduardo Moniz a outros bons comunicadores, como Mário Soares, Manuel Alegre, Vital Moreira, Francisco Louçã ou António Barreto, há muito que a comunidade deontológica teria emitido fortes reservas à posição política dominante alcançada por aquelas personalidades, e, muito mais cedo, Paes do Amaral teria jantado com elas.

É verdade que esta perversão original na promoção graduada de uma coterie de protagonistas políticos não justifica nem atenua a geração de mais uma perversidade nas relações entre o poder político e a comunicação social, pública ou privada, que se cifra, sobretudo, em esconder os valores da esquerda.

Detectei num breve sorriso do ministro Gomes da Silva um possível apreciador da frase de Aristóteles segundo a qual «a força alguma virtude tem para se impor», e esta segunda perversão ainda é mais perigosa para a liberdade de expressão do que a primeira. Por isso, o silenciamento de Marcelo Rebelo de Sousa é muito mais grave para a liberdade do que o abuso televisivo da sua tribuna para a democracia.

Até porque o milhão de portugueses que se deliciavam com o enfant terrible do regime têm julgamento próprio. Por exemplo, os que beneficiaram da ponte oferecida pelo Governo não devem ter levado a sério aquela diatribe do bronzeado Marcelo contra o dia de férias na segunda-feira. E as empresas turísticas também não.

Ora, no jogo do vale tudo ganha quem tem mais força. É a imoralidade da história!

DN - 12/10/2004

Publicado por Carlos 13:43:00  

3 Comments:

  1. Anónimo said...
    "... este novo grupo de actores (0s especialistas/comentadores)ainda não responde com segurança ao problema da legitimidade. Se a legitimidade dos políticos assenta na representação democrática, a legitimidade dos jornalistas assente num corpus de regras profissionais tacitamente aceites pelo público, onde assenta a legitimidade do especialista?. Trata-se então de um processo de auto-legitimação, mas que não é transparente. E ao não ser transparente permite-se a usos instrumentalizados.

    Numa primeira abordagem parece obvia a instrumentalização desta função para a propagação de acção política, numa tentativa dos agentes políticos, partidos ou indivíduos puderem valorar actuações próprias e dos seus opositores a coberto da parede de nevoeiro da suposta independência.

    Contudo, são os media que em primeira instância seleccionam os especialistas, e que a coberto da mesma parede de nevoeiro podem pretender influenciar as políticas e os partidos, a partir do seu interior, privilegiando opções internas em detrimento de outras."

    in "O especialista enquanto actor do espaço público mediatizado"
    http://atelierradio.com.sapo.pt/jor/o_especialista_enquanto_actor_do.htm

    Aqui está o dedo na ferida. Relembro que nesta altura os media deram grande destaque a putativos candidatos a lideres dos partidos (Santana incluido).
    Isto é perigoso.

    António Campos
    Anónimo said...
    A comunicação social está directamente relacionada com a política, aliás, ambas se servem uma da outra para sobreviver. O problema é que a comunicação social, vai sempre mais longe e mais “baixo” que a politica. São meticulosos e muitas vezes tendenciosos, tomando partido de algum interesse obscuro.

    Ou mesmo cultivar o medo, queria relembrar o famoso arrastão que nunca existiu, que nunca sequer foi desmentido por nenhuma órgão de comunicação social, manchando o nosso Portugal como destino turístico, coisa que dificilmente a classe politica faria.

    Não estou a defender a politica, somente a realçar a constante desinformação que existe na comunicação social, torna-se necessário divulgar formas de triagem para que o portugueses saibam o que é realmente noticia, e o que é o culto do medo e da noticia para encher telejornal.


    H. Ricardo
    Anónimo said...
    Porque é que só agora este tipo de notícias começam a proliferar?
    Será porque os actores teem menos influência sobre os Jornalistas?


    Relembrar

    1ª Parte de um texto de Abril de 2000, assinado pelo advogado e jornalista António Marinho
    MARIO SOARES E ANGOLA
    Por António Marinho (advogado e jornalista)
    in « Diário do Centro », de 15 de Março de 2000
    A polémica em torno das acusações das autoridades angolanas segundo as quais Mário Soares e seu filho João Soares seriam dos principais beneficiários do tráfico de diamantes e de marfim levados a cabo pela UNITA de Jonas Savimbi, tem sido conduzida na base de mistificações grosseiras sobre o comportamento daquelas figuras políticas nos últimos anos.
    Espanta desde logo a intervenção pública da generalidade das figuras políticas do país, que vão desde o Presidente da República até ao deputado do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, passando pelo PP de Paulo Portas e Basílio Horta, pelo PSD de Durão Barroso e por toda a sorte de fazedores de opinião, jornalistas (ligados ou não à Fundação Mário Soares), pensadores profissionais, autarcas, « comendadores » e comentadores de serviço, etc? Tudo como se Mário Soares fosse uma virgem perdida no meio de um imenso bordel.
    Sei que Mário Soares não é nenhuma virgem e que o país (apesar de tudo) não é nenhum bordel. Sei também que não gosto mesmo nada de Mário Soares e do filho João Soares, os quais se têm vindo a comportar politicamente como uma espécie de versão portuguesa da antiga dupla haitiana « Papa Doc » e « Baby Doc ».
    Vejamos então por que é que eu não gosto dele(s).
    1. - A primeira ideia que se agiganta sobre Mário Soares é que é um homem que não tem princípios mas sim fins. É-lhe atribuida a célebre frase : « Em política, feio, feio, é perder ». São conhecidos também os seus zigue-zagues políticos desde antes do 25 de Abril. Tentou negociar com Marcelo Caetano uma legalização do seu (e seus amigos) agrupamento político, num gesto que mais não significava do que uma imensa traição a toda a oposição, mormente àquela que mais se empenhava na luta contra o fascismo.
    Já depois do 25 de Abril, assumiu-se como o homem dos americanos e da CIA em Portugal e na própria Internacional Socialista. Dos mesmos americanos que acabavam de conceber, financiar e executar o golpe contra Salvador Allende no Chile e que colocara no poder Augusto Pinochet.
    Mário Soares combateu o comunismo e os comunistas portugueses como nenhuma outra pessoa o fizera durante a revolução e foi amigo de Nicolau Ceaucescu, figura que chegou a apresentar como modelo a ser seguido pelos comunistas portugueses.
    Durante a revolução portuguesa andou a gritar nas ruas do país a palavra de ordem « Partido Socialista, Partido Marxista », mas mal se apanhou no poder meteu o socialismo na gaveta e nunca mais o tirou de lá. Os seus governos notabilizaram-se por três coisas : políticas abertamente de direita, a facilidade com que certos empresários ganhavam dinheiro e essa inovação da austeridade soarista (versão bloco central) que foram os salários em atraso.
    INSULTO A UM JUIZ
    Em Coimbra, onde veio uma vez como primeiro ministro, foi confrontado com uma manifestação de trabalhadores com salários em atraso. Soares não gostou do que ouviu (chamaram-lhe o que Soares tem chamado aos governantes angolanos) e alguns trabalhadores foram presos por polícias zelosos. Mas, como não apresentou queixa (o tipo de crime em causa exigia a apresentação de queixa), o juiz não teve outro remédio senão libertar os detidos no próprio dia. Soares não gostou e insultou publicamente esse magistrado, o qual ainda apresentou queixa ao Conselho Superior da Magistratura contra Mário Soares, mas sua excelência não foi incomodado. Na sequência, foi modificado o Código Penal, o que constituiu a primeira alteração de que foi alvo por exigência dos interesses pessoais de figuras políticas.
    Soares é arrogante, pesporrento e malcriado. É conhecidíssima a frase que dirigiu, perante as câmaras de TV, a um agente da GNR em serviço que cumpria a missão de lhe fazer escolta enquanto presidente da República durante a Presidência aberta em Lisboa : « Ó sr. Guarda desapareça ». Nunca, em Portugal, um agente da autoridade terá sido tão humilhado publicamente por um responsável político, como aquele pobre soldado da GNR .
    Em minha opinião, Mário Soares nunca foi um verdadeiro democrata. Ou melhor é muito democrata se fôr ele a mandar. Quando não, acaba-se imediatamente a democracia. À sua volta não tem amigos, e ele sabe-o ; tem pessoas que não pensam pela própria cabeça e que apenas fazem o que ele manda e quando ele manda. Só é amigo de quem lhe obedece. Quem ousar ter ideias próprias é triturado sem quaisquer contemplações. Algumas das suas mais sólidas e antigas amizades ficaram pelo caminho quando ousaram pôr em causa os seus interesses ou ambições pessoais.
    Soares é um homem de ódios pessoais sem limites, os quais sempre colocou acima dos interesses políticos do partido e do próprio país. Em 1980, não hesitou em apoiar objectivamente o General Soares Carneiro contra Eanes, não por razões políticas mas devido ao ódio pessoal que nutria pelo general Ramalho Eanes. E como o PS não alinhou nessa aventura que iria entregar a presidência da República a um general do antigo regime, Soares, em vez de acatar a decisão maioritária do seu partido, optou por demitir-se e passou a intrigar, a conspirar e a manipular as consciências dos militantes socialistas e de toda a sorte de oportunistas, não hesitando mesmo em espezinhar amigos de sempre como Francisco Salgado Zenha.
    Confesso que não sei por que é que o séquito de prosélitos do soarismo (onde, lamentavelmente, parece ter-se incluido agora o actual presidente da República), apareceram agora tão indignados com as declarações de governantes angolanos e estiveram tão calados quando da publicação do livro de Rui Mateus sobre Mário Soares. Na altura todos meteram a cabeça na areia, incluindo o próprio clã dos Soares, e nem tugiram nem mugiram, apesar de as acusações serem então bem mais graves do que as de agora. Por que é que Jorge Sampaio se calou contra as « calúnias » de Rui Mateus ?»

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