A arquitectura mística da corrupção
segunda-feira, setembro 12, 2005
Na corrupção, como acto definido na lei penal, há os activos e os passivos.
Os activos, são os interessados que prometem ou dão vantagens a indivíduos colocados em lugares de poder público, para que se contornem ou facilitem obstáculos legais e deveres de função.
Os passivos são esses indivíduos de poder público que solicitam ou aceitam vantagens ou até a promessa das mesmas, lesando esses deveres.
A nossa lei penal ( artº 372, 373 e 374º do Código Penal) é tão rigorosa que até prevê actos de corrupção em actividade ou passividade, mesmo que haja apenas a oferta ou somente a solicitação. Não tem que haver acordo de vontades… e por isso se um indivíduo prometer a um funcionário com poder público uma vantagem que seja indevida, já está em plena actividade corruptora. E vice-versa, se o funcionário solicita, já entrou na via sinuosa da passividade corrupta.
Daí que alguns se lembrem bem de um caso célebre que ocorreu em Macau e em Portugal, simultaneamente, e que envolveu uma empresa alemã que comprovadamente entregou 50 mil contos a alguém não identificado judicialmente, para facilitar uma negócio em grande relacionado com um aeroporto. Assim, houve alguém condenado por corrupção activa, mas como não se descobriram os passivos, foi só o que se pode arranjar. Enfim… não foi possível… as provas eram fraquinhas, as pessoas envolvidas negaram e os tribunais acreditaram na inocência presumida dessa gente de bem e tudo acabou em bem.
Logo à noite no Prós & Contras da RTP/1, vai entrar em cena novamente o espectáculo da… corrupção!
Desconfia-se que vai ser mais um fiasco em que se vão esgrimir argumentos estafados e equívocos demorados. Do lado dos bons, estará quem denuncia a corrupção. Do lado dos maus quem a nega e exige provas da sua existência.
O público, esse, é cinzento, neste panorama a preto e branco.
Então, mais uma vez se vai gastar latim e grego já assimilados ao português actual, para falar de um fenómeno mais antigo que a Sé de Braga.
Seguindo aquele critério estritamente jurídico-penal, que temos nós como fenómenos de corrupção visível no Portugal actual?
O antigo governante do PS, João Cravinho, um dos poucos políticos que fala abertamente e sem peias sobre estes assuntos, em entrevista ontem na TV, publicada hoje no Público, dizia...
Quando há qualquer problema atribui-se a origem ao financiamento dos partidos. Tenho uma opinião um pouco diferente. Nalguns casos há pessoas que se envolvem ou são envolvidas e não aproveitam pessoalmente de nada. Podem não ter tido aqui ou ali a melhor decisão mas não o fizeram em benefício próprio. Depois, há outros casos em que se verifica um benefício próprio sob a forma de poder, ou seja, ter dinheiro para mexer naquele tipo de mecanismos que fazem imagem, aumentam influência. Aí já há um benefício pessoal. (…) Não se traduz em contrapartidas financeiras mas há uso de dinheiro para firmar o seu poder. Por fim, há uma série de outros casos que são aqueles em que o financiamento dos partidos serve de pretexto para ir buscar dinheiro que na sua maior parte fica de fora dos partidos.
João Cravinho, elenca assim, nestas breves palavras, o fenómeno extenso da corrupção visível em Portugal...
Fala de quem oferece vantagens e que se situa na área dos negócios com o Estado e os partidos. Há empresas que oferecem vantagens ilegítimas aos partidos e seus representantes mais proeminentes?! Alguém em Portugal, tem alguma dúvida? Que me lembre, recentemente, só um advogado conhecido como Mota de Campos, de um dos três maiores escritório de advocacia portuguesa, colocou aberta, frontal e televisivamente em dúvida tal constatação que parece corriqueira e que toda a gente menciona. Disse, perante a perplexidade geral que não havia corrupção em Portugal do modo como é falada e comentada! E assim ficou, remetido a um qualquer eleven, a perspectiva da advocacia dos negócios, sobre o fenómeno da corrupção.
A seguir, Cravinho fala de quem aceita vantagens, para o partido ou grupo e ao mesmo tempo não as aproveita pessoalmente. É igual, perante a lei penal, embora eticamente salve a honra do convento da consciência individual. Esta corrupção é a tal que supostamente é aceitável e suscita protestos indignados de políticos anómicos, sempre que alguém se lembra de a citar. Talvez seja, no entanto, a corrupção mais perniciosa de todas. É também aquela que foi denunciada por Paulo Morais e que será a mais difícil de circunscrever e denunciar, porque é a corrupção do inside trading governamental, da consciência deletéria de quem anda nos partidos e se julga inimputável e acima da lei.
Depois, fala de quem se aproveita pessoalmente, não em termos monetários estritos, com dinheiro vivo a circular pela Suíça ou em off-shores julgados seguros, mas de quem aproveita o poder derivado. São obviamente os indivíduos que se encontram no exercício da política activa, há muitos anos; que lidam com tesourarias dos partidos; que lidam com concelhias, distritais e nacionais e permanecem em lugares de poder de influência política ao longo de anos e anos e obviamente nunca se afastam dos centros de decisão política e acompanham sempre quem “está a dar”.
Alguns serão pobres, remediados até (ahahahaha). Mas, não é desses que rezará a história, tanto assim que ninguém já fala do historiador César de Oliveira, amigo aliás de Cravinho, segundo julgo, e que morreu mais pobre do que era, antes de ser presidente de Câmara em Oliveira do Hospital.
Quem ficará para a posteridade no retrato da ignomínia histórica e que provocam o cinismo de muitos que os viram pindéricos e agora os vêem na companhia de reis e princesas, serão alguns outros, que ascenderam meteoricamente aos píncaros da fama e do proveito e trasmudaram-se alquimicamente em autênticos midas. São relativamente poucos e os seus casos pessoais parecem anódinos no mar dos fenómenos mais alargados aos diversos sectores do tecido social.
Devido a uma teia de relações pessoais de interesses e amizades, criaram uma rede de ligações e aquilo que em gíria sociológica se denomina nepotismo, troca de favores, amiguismo e passam por indivíduos de sucesso, local ou mesmo nacional. Estes indivíduos são inexpugnáveis penalmente, porque sabem de cor as linhas com que se cosem e os manga de alpaca não lhes chegam às costuras.
Finalmente, Cravinho cita os mais óbvios corruptos; os mais miseráveis de todos eles e também mais vilipendiados e que são aqueles que metem a mão no prato, desavergonhadamente, e a sujam do chocolate francês, suíço e até espanhol, fresquinho e ainda a escorrer escuridão. Os que trocam o favor pelo cheque disfarçado ou pela prenda mais comezinha ou mesmo o dinheirinho em pasta que se guarda em paraíso fiscal ou debaixo da secretária.
Estes pindéricos da consciência ética, são os bodes expiatórios de todos. E como tal, expiam pelos outros, o mal que é geral e que muita gente se recusa a ver e considerar como tal.
É por isso que Cravinho, em conclusão (re)afirma que “nos últimos vinte anos nenhum governo enfrentou a sério o problema da corrupção”.
Acham que vai ser este governo a a fazê-lo?! Com estes governante e pessoas de poder público, mesmo disfarçado sob o poder partidário em maioria absoluta?!
Como se disse, na corrupção legal, logo que a oferta de negócio ilícito e que todos percebem como tal, se faz, seja por quem for, o crime está feito, consumado.
O que a lei penal e a sociedade querem proteger com a proibição destas práticas, é a autonomia intencional do Estado. Quem perde com a corrupção é a sociedade em geral. Segundos estudos recentes, Portugal poderia estar muito mais civilizado e economicamente avançado, se expurgasse estes males do seio da suas organizações públicas e sociais.
Sempre que alguém se propõe recompensar um funcionário (de alto coturno ou mesmo do escalão rasteiro), como troca por algo que dependa da competência deste, ou sempre que um funcionário público, de alto escalão ou contínuo de vão de escada, pedir ou esperar para ser recompensado por alguma coisa que dependa da sua competência, desvia o sentido do dever, em detrimento do interesse público.
Não parece muito difícil entender o mecanismo. Então, porque se faz pouco ou nada para o combater eficazmente?
A resposta, meus caros, está no vento!
Na mesma entrevista, João Cravinho, fala de um caso concreto, ocorrido há anos e de que teve conhecimento.
Há uns anos contava-se um caso, grande, que alguém tinha pago um montante muito considerável para obter um contrato. Considerando que, depois de servido, o montante era tão considerável que ele se agastou e recorreu a um amigo de um chefe partidário, para dizer: ´olhe, diga lá ao seu amigo que isto é uma roubalheira e não pode ser`. A pessoa interpelada procurou informar-se sobre o caso e, passados uns tempos, obteve a resposta: ´Diz lá ao teu amigo que ele foi efectivamente roubado porque só cá chegou metade`.
Esta historieta contada em tom de anedota, passou hoje na TSF a ser apontada como passível de ...investigação criminal! Quem o diz a todas as horas e meias desta tarde, é um jurista: Carlos Pinto de Abreu, de seu nome. Diz que deve investigar-se pois se trata de denúncia de um crime público e que que aliás, qualquer pessoa se pode constituir assistente e que mais isto e mais aquilo.
Falta dizer uma coisa: é inútil uma investigação destas! E porquê? Em primeiro lugar, João Cravinho vai dizer nomes e quebrar códigos de honra entre amigos?! Não creio. Em segundo lugar, mesmo que o dissesse, estaria em causa a análise do tempo destas coisas. Os prazos de prescrição são lestos, como se sabe. E as provas do facto?! Sim, que dizer, destas provas, agora a desenterrar? Vamos pôr a PJ a fazer arqueologia de factos anódinos relacionados com contratos obtidos pelos favores da amizade partidária?! E como seria se se descobrisse que afinal a eventual adjudicação era perfeita e regularmente legítima e que o dinheiro normalmente nem fala?!
Então, que adiantam declarações deste tipo, produzidas com solenidade pelos Pintos de Abreu deste nosso pequeno mundo jurídico? Nada! Ou talvez adiantem: confundem a opinião pública, ainda mais.
Tanto para fazer, AGORA E JÁ! Não se perca tempo com passados incertos, anedóticos e tristes. Mesmo que espelhem uma realidade que muitos juram que nunca existiu. Por outro lado, o caso da vírgula avulsa, apócrifa e apontado no Parlamento e escrito pela então jornalista, Helena S. Osório, ainda está na memória de muitos. Deu em nada, como seria de esperar. Mas fez-se muito barulho. Por nada.
Publicado por josé 12:13:00
João 8:7
No entanto, a vidinha continua e..."os pobres que paguem a crise que são muitos e já estáo habituados".
É por isso que dizemos ( quem diz, claro) na Salve-Rainha, que vivemos num vale de lágrimas, gemendo e chorando...
Cravinho tem razão... A sua conclusão aplica-se mesmo ao ministro das Obras Públicas (MEPAT)... João Cravinho !
E será que o ministro Cravinho alguma vez ouviu falar de comissões de 15% em campanhas publicitárias...?
Falar em corrupção? não havia melhor entendido.........
Desculpem a ignorância, mas o que é um "eleven" neste contexto?
"Se não sabe, porque pergunta"?!
elevené um bica do sapato, no topo do parque, no piso onze. Tudo números cabalísticos.