sobre a indigência...

No mesmo dia em que Santana Lopes confidencia ao Expresso o seu desejo de voltar a ser Primeiro-Ministro, e no mesmo registo delico-doce, Manuel de Pinho, Ministro da Economia, tenta responder à avalanche de críticas ao pacote de obras públicas apresentado por este governo, com um artigo de opinião publicado no jornal "Expresso". Infelizmente, se a argumentação apresentada pode ser considerada válida numa qualquer conversa de café, não o é num debate que se quer sério e intelectualmente honesto.

Atentemos, e começando pelo título...

E daqui a dez anos?

Daqui a 10 anos Manuel Pinho não é Ministro, nem daqui a 10 meses, em contrapartida, daqui a dez anos todos continuaremos a ser contribuintes.

NA DÉCADA de 90, a economia portuguesa cresceu um total acumulado de 27%, mas na primeira década deste novo milénio não deverá ir além dos 13%. Temos um grave problema de crescimento, cuja solução é o grande objectivo a atingir.


Óbvio.

Além do problema estrutural de baixa competitividade, há dois factores adicionais que estão a arrastar o crescimento em sentido negativo. O aumento do preço do petróleo e a necessidade de pôr em ordem as finanças públicas, depois de o anterior Governo ter deixado o maior défice orçamental da zona euro.


Sim, e ...

Em semelhante situação, nenhum governo pode ficar de braços cruzados à espera que o temporal passe ou, ainda pior, deprimindo ainda mais os portugueses através de um discurso de «tanga».


Ah, o governo não pode deprimir, não pode cultivar uma política de exigência e sacrifício.... logo faz política prozac.

É necessário lançar um plano tecnológico destinado a suprir as deficiências em termos de qualificações, tecnologia e capacidade em inovar e relançar o investimento e as exportações através de políticas pró-activas. Tratar do longo prazo, mas não ignorando o curto prazo.


Soa bem.

Investimentos prioritários. Os grandes projectos de investimento têm de ser enquadrados numa estratégia, não podem ziguezaguear ao sabor das circunstâncias. Por isso, foi lançado um Plano de Investimentos Prioritários (PIIP) num horizonte de quatro anos, no valor de 25 mil milhões de euros.

Inclui projectos de origem pública e privada na proporção de cerca de metade-metade. 60% desses projectos destinam-se a aumentar a competitividade e acelerar o acesso à sociedade do conhecimento. A sua selecção tem sido feita com rigor e com o apoio de académicos respeitados. Através de um processo interactivo, chegou-se a 25 mil milhões de euros, partindo de um valor inicial muito superior.


Poético. Até soa bem, mas onde está a transparência do processo ? Onde está o debate público ? Quem são/foram os tais académicos respeitados ? Quais foram os critérios ? Em suma, onde estão, e quem foram, os verdadeiros interlucutores do processo, caracterizado (!) como interactivo ? E - em concreto - qual é a estratégia ?

O Governo espanhol também divulgou um plano de investimento, designado Peit, no valor de 240 mil milhões de euros, unicamente dirigido ao sector dos transportes, considerado de importância estratégica para aumentar a competitividade.


Espanha, outra vez Espanha. Não sendo a ordem dos factores arbitrária, que leva o Ministro a supor que pudemos imitar Espanha, sem antes fazer o que eles já fizeram, como por exemplo ter contas públicas equilibradas, e uma economia saúdavel ?

Rebater as críticas.Vou rebater as críticas feitas ao PIIP ponto por ponto. Temos de olhar em frente e resolver os nossos problemas, não podemos ficar paralisados por mais análises e especulações.

Mas arriscamo-nos a ficar mesmo paralizados, à espera que duas ou três ideias mirabolantes resolvam (miraculosamete) os problemas estruturais do país.

A primeira crítica foi de «despesismo». Não é verdade, porque os projectos financiados pelo Estado no PIIP são apenas 30% do investimento público do programa de estabilização aprovado por Bruxelas. Portanto sobram 70% como margem de flexibilidade.

O Ministro brinca com os números. Brinca e goza.

A segunda crítica foi de que «para o Governo, o motor do crescimento é o investimento público». Não é verdade, porque as restrições orçamentais a que estamos sujeitos obrigam a que o investimento público seja inferior ao verificado em Espanha, na Irlanda e na Grécia, e quase metade do que na Coreia.


Qualidade, não quantidade. Na defunta Europa de Leste o investimento público atingia valores estratósféricos e nem assim se evitou a queda do muro... Por outro lado, esquecendo a Grécia, não queremos imitar a Grécia, a situação específica portuguesa é assim tão comparável à da Espanha e da Irlanda ? É mesmo ? O Ministro acha que se pode começar a fazer a casa pelo telhado ?

Quem se interesse por esta matéria poderá consultar na Internet um estudo do Fundo Monetário Internacional que mostra o seguinte: no que se refere ao «stock» de capital público por habitante, Portugal tem o valor mais baixo entre 22 países da OCDE. (1)

Qualidade não quantidade, Sr. Ministro.

A terceira crítica foi dirigida especificamente à construção de um novo aeroporto e do transporte ferroviário de alta velocidade, projectos que foram qualificados como «fantasistas».

São fantasistas
.

Novo aeroporto e TGV. É interessante discutir se o novo aeroporto deve ser na Ota ou em Rio Frio, ou se a alta velocidade deve ter este ou aquele traçado.


Seja sério. Não é uma questão de ser interessante, é fundamental. E essa devia ser uma discussão prévia a qualquer decisão, minimamente sustentada e definitiva. Eu, por exemplo, concordo que é necessário um novo aeroporto, ou até mais que um, para cobrir a parada espanhola em Badajoz, mais do que para suprir qualquer necessidade imediata em Lisboa, também concordo que é preciso renovar a rede ferroviária - caduca - mas, daí a assinar de cruz dois modelos que não foram discutidos, que não são consensuais, e que num caso - o da Ota - me parece simplesmente insustentável, vai uma grande distância.

Mas esta discussão deve ter elevação. Não deve ser um pretexto para criar a ideia de que, ao mesmo tempo que exige sacrifícios à população, o Governo inicia projectos «faraónicos» que nem aumentam a competitividade da economia nem se justificam. Tal não é verdade.


Merecia ter elavação, sim senhor. Uma impossibilidade, com este Ministro.

Primeiro, porque há estudos sérios (também disponíveis na Net), como o de Marvão Pereira e Andraz, apresentado numa conferência do Banco de Portugal, que demonstram que o investimento em infra-estruturas de transporte tem um forte efeito multiplicador sobre o crescimento da economia - o que se percebe intuitivamente, porque somos um país com uma localização geográfica muito periférica e a comunicação e os transportes são um factor essencial nesta era da globalização.

Este estudo mostra (pág. 17) que cada euro investido em infra-estruturas de transporte gera 8,1 euros de aumento da produção no longo prazo. (2)

Não desconverse, senhor Ministro, fica-lhe mal. O que está por demonstrar é porquê a Ota, porquê este TGV, porquê acabar com a Portela. Estas duas "obras" não se confundem ao conceito de investimento público, logo o estudo não aquece nem arrefece.

Recordo que o plano de investimentos contempla também projectos na modernização dos portos, das plataformas logísticas e no aumento da capilaridade das redes.

O que é bom, e devia ser mais discutido. Mais uma vez não houve qualquer debate público, nacional, sobre o que é essencial e o que é assessório.

Segundo, porque estes dois projectos implicam uma despesa muito pequena na actual legislatura (cerca de 8% de um total de 25 mil milhões).

Já outros os disseram - isto é puro terrorismo intelectual, depois de iniciadas alguém vai ter de pagar as obras, nesta e nas outras legislaturas, que se lhe seguirão. Num espaço de 20/25 anos qual o peso destes (2) investimentos ? Esta é a mesma cassete das SCUTs, quem vier a seguir que pague...

Terceiro, porque o novo aeroporto é financiado quase exclusivamente pelo sector privado, portanto, é um projecto rentável. O comboio de alta velocidade apenas estará pronto dentro de dez anos.

Eu não quero saber quem financia, eu quero é saber se tem sustentabilidade económica (e estratégica), porque se não tiver quem acaba a pagar são sempre os contribuintes... O Ministro importa-se, ainda assim, de definir rentável ? Tem algum estudo que garanta a sustentabilidade económica do empreendimento ? Se tem, então porque é que não deixou a Ota, salvaguardados os interesses do Estado, ser um projecto 100% privado ? Talvez por a solo ninguém estar interessado, não ? Quanto ao comboio de alta velocidade estar pronto daqui a dez anos, quer dizer o quê ? Somos nós na mesma que o pagamos, bem ou mal implementado...

Quarto, porque não podemos ficar paralisados à espera que se resolvam os problemas conjunturais para só depois adoptar uma estratégia de desenvolvimento, nos seus diferentes aspectos. A Espanha também iniciou o projecto de alta velocidade em 1992, numa altura em que tinha grandes problemas, e não foi isso, naturalmente, que a impediu de os solucionar.

Onde está a estratégia integrada de desenvolvimento ? Onde ? E ele a dar-lhe com Espanha...

E quinto, porque não vivemos isolados do resto do mundo. A Espanha tem 9000 quilómetros de auto-estrada, apenas havendo portagens em 2000 km, e vai construir mais 5600 km. O seu plano é aumentar a rede de alta velocidade para 10.000 km, de forma a ligar todas as capitais de província.

Tiro no pé. Na Espanha quase não há portagens, o que quer dizer que tem folga financeira para subsidiar as obras. Bastam as SCUTs para recordar da infelicidade do argumento. Mas mais uma vez, porquê começar a casa pelo telhado ? Não seria mais óbvio criar a tal folga finaceira primeiro ? Por outro lado, o ministro pretende usar estes grandes projectos para vitaminar a economia e as contas públicas ao mesmo tempo que omite que é economia e as contas públicas que tem de estar em ordem, por definição, para estes grandes projectos terem viabilidade.

Se o projecto português de criar a alta velocidade no nosso país é faraónico, então o projecto espanhol é o delta do Nilo.

Com os erros dos outros podemos todos nós bem.

Os críticos a estes dois projectos têm o ónus de defender o oposto daquilo que criticam. Termos em 2015 um aeroporto no meio da cidade e não ter um só quilómetro de alta velocidade, quando a Espanha terá 10.000.


O meu problema não é a Espanha em 2015, o meu problema é ver a Espanha agora, é ver Portugal agora...

Estimular a competitividade. Mas, naturalmente, há muito mais que o investimento em infra-estruturas para estimular a competitividade e relançar a economia. Ao fim de quatro meses, já é possível criar uma empresa na hora, quando até há pouco éramos um país muito mal classificado neste importante indicador. Já foi lançado o Portugal Digital. Já foram repostos os incentivos fiscais para as empresas que investem em investigação e desenvolvimento, que erradamente tinham sido abolidos. Já foram desbloqueados grandes projectos de investimento que se encontravam presos há anos e anos nas teias da burocracia. Já foi lançado um concurso para a produção de energia eólica, que permitirá produzir electricidade suficiente para abastecer uma cidade como Lisboa, criar um «cluster» industrial, aumentar as exportações e reduzir as importações. Já foram aumentados os recursos financeiros disponíveis para incentivos às empresas, garantindo-se que a eles tenham acesso prioritário as que investem no plano tecnológico.

Continuo sem saber o que é o plano tecnológico. Se o ministro queria um plano tecnológico a sério, devia de facto estudar a Coreia, o Japão, e muitos outros casos. E perceber que o Estado deve dar o exemplo. Tem o ministro algum estudo integrado do workflow da máquina do Estado ? Algum projecto de a optimizar/integrar ? Está a multitude de projectos que vão sendo aprovados, muitos só porque são de áreas na moda, a ser ponderada no sentido de garantir a compatibilidade/integrabilidade com todos os outros ? O Ministro sabe como é o ensino na Europa de Leste, e na Ásia ? sabe mesmo ? Há mesmo um plano global ? Onde está ? Ou uma multidão de planinhos avulsas fazem uma estratégia coerente ?

Quando a discussão sobre os grandes projectos acabar, ficará a realidade: na melhor das hipóteses, quando nós tivermos umas centenas de quilómetros de transporte de alta velocidade, a Espanha já terá 10.000.


Realidade ? Qual realidade ? Isto soa a chantagem, a arma mais anti-democrática que se pode conceber. Para Manuel Pinho, ou os projectos (!) dele, ou nada. Há vida para além destes projectos. Como há, e pode haver, investimento público de qualidade. Infelizmente, a discussão real não é em torno da necessidade de investimento público, o problema está em saber se o que Manuel Pinho quer impôr é bom investimento público, e isso ainda não conseguiu demonstrar. As sistemáticas comparações com Espanha metem dó, até fazem lembrar um mau aluno que não tendo estudado para o exame resolveu memorizar as respostas de um outro, já feito.

Publicado por Manuel 12:58:00  

2 Comments:

  1. Anónimo said...
    Estou consigo nessa luta .
    Todos os estudos que existam e justificam a decisão do Governo deverão ser colocados à discussão pública dos contribuintes ( no fundo os verdadeiros financiadores) .
    Se tal continuar a ser escamoteado é porque algo se quer esconder !
    Na minha opinião a ser construido deveria ser em Rio Frio , na deprimida região nacional de Setubal .
    A persistência, sem justificação pública , pela OTA por parte do partido P.S.torna esta decisão altamente suspeitosa .
    Aonde se esconderá o «mensalão»?!
    Para consulta de estudos técnicos OTA /RIO FRIO ver :
    http://www.naer.pt
    Anónimo said...
    Obviamente, demita-se, miguel de vasconcelos requentado!

Post a Comment