A propósito da extinção do agrupamento de bailado da fundação Calouste Gulbenkian, sou levado a pensar sobre o que terá pesado para a extinção da companhia de dança, em vez, por exemplo, da sua orquestra ou do o coro, já que os pressupostos que levaram à criação destes corpos artísticos foram os mesmos, embora, em qualquer um destes casos, as perdas fossem igualmente irreparáveis.
Em Portugal o bailarino não tem um estatuto profissional que o distinga de qualquer outro trabalhador, tão pouco existe uma legislação de trabalho que especial que enquadre devidamente esta actividade e que, nomeadamente, permita que as próprias organizações sejam geridas em função da sua lógica de funcionamento e não com base nas leis de inspiração taylorista do nosso código de trabalho. Por cá ainda não se captou todo o legado da revolução francesa, que afirma que a igualdade é tratar de forma igual que é igual e de forma diferente o que é diferente.
Passo a explicar...
A profissão de bailarino tem um prazo de vida extremamente curto, salvo raras excepções a partir dos 35 anos o profissional da dança começa a perder capacidades físicas para continuar na profissão. No caso das mulheres o ocaso pode dar-se ainda mais cedo, havendo mutações físicas em consequência da maternidade.
Presumo que seja extremamente difícil às companhias de dança rescindir o contrato de trabalho com alguém, a partir do momento que se verifique a diminuição das capacidades físicas dos seus membros. Estes, no entanto, não conhecem outra profissão, sendo também verdade que a exigência de perfomance não lhes dá espaço para a aquisição de outras competências. Estas duas situações contaminam as organizações, retirando-lhe agilidade, antevendo-se, mais cedo ou mais tarde, o seu fim.
Por falta conhecimento, não posso afirmar que o BG vá ser extinto por este motivo, contudo não me surpreenderia que assim fosse, dado que dos pontos de vista económico e artístico manter uma companhia em condições de não poder ser renovada, é irracional. Estou aliás muito curioso em saber se para além do conjunto dos bailarinos ainda activo, não haverão por acaso outros que há muito tempo deixaram de ser activos, mas que, eventualmente, possam ainda estar no quadro da fundação, suportando esta os seus vencimentos até que atinjam a idade da reforma.
A razão para que estas situações ocorram deve-se, como se vê, a não existir em Portugal uma legislação laboral que, como dissemos, trate de forma diferente aquilo que é diferente. Um bailarino não é um empregado de escritório que pode trabalhar até aos 65 anos, mas também não é um mineiro cujo desgaste rápido provocado pela actividade o impede de se reconverter e iniciar nova profissão. Aliás a profissão de bailarino é que mais se aproxima da do praticante desportivo. E à semelhança desta, o Estado pode e deve criar aqui condições, que não passem pela reforma antecipada reclamada pelos sindicatos, mas sim por formas de apoio à sua integração na vida activa.
Estou certo que esta ausência de legislação, é um factor que impede o desenvolvimento da dança em Portugal.
Leu-se "no contexto desta reestruturação, a FCG avança ainda com a possibilidade de ponderar um esquema de apoio aos elementos do Ballet Gulbenkian que desejem «criar a sua própria companhia de dança». Daqui pode derivar uma solução muito interessante, sendo mais se, por exemplo, se associar à medida uma espécie de MBO em que os actuais bailarinos renasciam numa nova entidade por si criada, passando a ser uma estrutura residente (das verdadeiras e não das falsas) da FCG, impedindo assim que um património e uma marca de qualidade criada ao longo de 40 anos não extinga para sempre. A ver o que acontece, uma coisa é certa o primeiro passo deve ser dado pelos elementos da própria companhia, seguindo a máxima "fora de cena, quem não é de cena".
Publicado por contra-baixo 15:08:00
3 Comments:
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Em "outros tipos de vida activa", diria eu...