Uma loja mal iluminada
terça-feira, abril 12, 2005
Tinha uma sala mal iluminada
Perguntavas pelo amigo e estava a monte
A fuga era a última cartada
A pide estava ali mesmo defronte
(...)A velha história ainda mal começa
Agora esta voltando ao que era dantes
Mas se há um camarada à tua espera
Não faltes ao encontro sê constante
Tinha uma Sala Mal Iluminada
José Afonso - Enquanto há força- 1979
Segundo as notícias, o GOL, a mais importante loja maçónica em Portugal, no outro dia, por ocasião de um congresso e em público, revelou que um dos seus membros, da Loja da Liberdade, tinha em seu pode desde "há trinta anos" um segredo terrível - um dossier contendo nomes e moradas (e sabe-se lá que mais...) dos agentes e informadores da PIDE/DGS!
O afortunado e discreto membro da Loja da Liberdade, uma "das mais antigas", mantinha tal documento, dactilografado em formato A4, desde há trinta anos, num rigoroso segredo, o que nos é afiançado pelo próprio grão-mestre, António Arnaut.
Ora, na lógica do dizer do próprio grão-mestre, há pelo menos duas pessoas que sabem dos terríveis segredos que poderiam pôr em causa a paz social (!!!) e até "causar enorme (!!!) instabilidade (???) e mal estar (...)". Essas duas pessoas serão, na melhor das hipóteses, em que se dá de barato que foi mantido o rigoroso segredo, o detentor do segredo e o divulgador da enormidade do mesmo, ou seja o próprio grão-mestre! Notável, mais uma vez!
Pode e deve, no entanto, especular-se sobre o segredo e a sua importância, para perceber os contornos e contexto de tal revelação.
Os nomes dos agentes da PIDE/DGS não deveriam ser segredo para ninguém, nos dias de hoje. Os nomes dos colaboradores, vulgarmente conhecidos como informadores e rasteiramente por bufos, já é assunto que pia mais fino.
A PIDE/DGS como instrumentos para as suas actividades, segundo as informações disponíveis tinha...
Uma rede policial diversificada (Polícia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana, Polícia Judiciária).
A acção vigilante das autoridades administrativas, da Legião Portuguesa e de cidadãos anónimos.
Diversas prisões e campos penais privativos: o presídio de Angra do Heroísmo, nos anos 30, o campo do Tarrafal, a Cadeia do Aljube, em Lisboa, o Reduto Norte do Forte de Caxias e o Forte de Peniche.
Colaboração de uma parcela significativa da magistratura, designadamente ao nível dos "tribunais plenários".
Cooperação com outras entidades ligadas à recolha de informações, como o Gabinete dos Negócios Políticos (Ministério do Ultramar), a Direcção-Geral dos Negócios Políticos (Ministério dos Negócios Estrangeiros) e a 2ª Repartição do Secretariado-Geral da Defesa Nacional (Ministério da Defesa Nacional).
Uso da tortura e da pressão psicológica, que foram uma constante ao longo do Estado Novo: milhares de cidadãos foram presos ou "internados", muitos detidos morreram na prisão, outros saíram dela com graves perturbações psíquicas ou em estado de saúde muito debilitado.
Quanto aos tribunais plenários, torna-se importante ler o que em tempos se escreveu por aqui.
E quanto ao demais, é preciso não esquecer que existiu uma Comissão de Extinção da PIDE/DGS, legalmente enquadrada...
A DGS seria extinta pelo Decreto-Lei nº 171/74, de 25 de Abril, que determinava, no seu artigo 1º:
"1 - É extinta a Direcção-Geral de Segurança, criada pelo Decreto-Lei nº 49 401, de 24 de Novembro de 1969.
2 - No ultramar, depois de saneada, reorganizar-se-á em Polícia de Informação Militar, nas províncias em que as operações militares o exigirem".
O mesmo diploma determinou que ficariam na dependência das Forças Armadas "todo o material mecânico, veículos, armamento e munições, mobiliário, livros, papéis de escrituração, documentos e demais elementos afectos à extinta Direcção-Geral de Segurança" (artigo 5º).
Contudo, não deixou de se continuar a promover a defesa da segurança externa e interna, atribuindo-se à Polícia Judiciária competência para investigar os crimes contra a segurança interior e exterior do Estado, procedendo à instrução preparatória dos respectivos processos (artigo 6º).
No dia seguinte, seriam amnistiados os crimes políticos (Decreto-Lei nº 173/74, de 26 de Abril) e, pouco tempo depois, a Lei Constitucional nº 3/74, de 14 de Maio, veio proibir a existência de tribunais com competência específica para o julgamento de crimes contra a segurança do Estado (artigo 18º, nº 2).
Os antigos membros da PIDE/DGS e da Legião Portuguesa foram, então, sujeitos a um regime jurídico próprio, designadamente através da previsão de "incapacidades cívicas" e do surgimento de leis incriminatórias e de saneamento da função pública."
E é por essa razão que se torna possível um discurso tão serôdio como o do grão-mestre do GOL.
Quem alguma vez deu informações à PIDE/DGS, há mais de trinta anos atrás, jamais poderá fazer parte do Gota actual, porque o labéu se colou e indelevelmente lá ficou estes anos todos.
E há pelo menos duas pessoas em Portugal que sabem disso e os visados sabem que eles sabem...
E o sereníssimo Grão-Mestre está aí para o lembrar a quem porventura se esqueceu.
No entanto, nada há a obstar a que ministros desse regime nefando, sejam ministros de governos socialistas, por exemplo. Nada há a obstar que aqueles que fizeram o aggiornamento, inscrevendo-se em lojas ou repartições académicas, tenham por essa via limpo não só o cadastro, mas livrado o canastro das ignomínias de serem apontados a dedo como bufos ou mais eufemisticamente , informadores.
Poderiam, esses mesmos, entretanto reciclados, em cocktails e almoços, passar as conversas com os mais altos dignitários do regime deposto que isso pouco ou nenhuma importância teve ou terá. Até podem - veja-se o desaforo!- ser amigos deles! Nada disso conta.
O que conta, é o segredo escondido do nominho e morada escritos numa folhita de papel A4, que pode a todo o momento passar a pôr em causa a paz social, a estabilidade e aparentemente a própria democracia como regime!
E os detentores desses segredinhos, apanhados à socapa e sonegados às autoridades no devido tempo, avisam solenemente e em público que vão entregar tais ficheiros secretos a quem de direito.
Não sabem ainda bem a quem será e por enquanto ficam guardadinhos num banco (que banco , já agora?!), a bom recato, não vá o diabo tecê-las e a instabilidade se instalar.
É mau demais para levar a sério.
Estretanto, li neste local de excelência, posição diversa e fundamentada. A dado ponto, refere que "Se a maçonaria tivesse aberto o livro e o utilizasse como forma de pressão, a ordem mataria com o mesmo ferro com que foi injustamente perseguida. Tenho a certeza que não o fez e a melhor prova disso está na forma publicitada como o grão-mestre denunciou a incómoda situação. Julgo que a coisa deve ser guardada a recato(...)"
Pois, caro professor, se o GOL quisesse manter a discrição e o recato apregoados como princípios, o que seria melhor?! A divulgação pública ou a manutenção da discrição que perdurou pelo menos 30 anos?!Porquê agora, e principalmente, porquê a divulgação pública?! Não seria melhor, para evitar a tal desestabilização (palavra curiosa e semanticamente precisa), que o livro tivesse sido guardado no segredo de um túmulo do Tombo ou mesmo de um cofre sem nome?!
Finalmente, quem tem ainda medo dos nomes que lá estão?! É sabido que há listas que foram recolhidas na grande ribaldaria dos dias a seguir ao 25 de Abril, pela tropa fandanga e pela tropa partidária. Nunca foi noticiado que tivesse havido mossa de maior com essas listas aparentemente genuinas. Porquê agora ressuscitar um fantasma?!
Esta resposta não pode ser obtida com ingenuidade, parece-me bem, porque o método exposto não é claro nem transparente. E se o GOL pretendia melhorar a imagem e passar a ter programa de tv, pode muito bem limpar as mãos à parede do Grémio.
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Publicado por josé 12:23:00
Curiosamente, ou talvez não, esta lista aparece de repente e é-lhe dado grande destaque. Se a ideia não era divulgar, não se falava para a imprensa.
Se a coisa foi falada, é porque alguém está interessado em avisar outro(s) alguém(ens) que a lista existe e tem dono.
Óbvio! Pensar que isto foi uma acção inocente e honrosa, pode honrar quem o pensa, por denotar boa fé até ao exagero.
Porém, estamos a lidar com quem o com o quê?!
Certamente com coisas que transcendem o entendimento comum.
Daí o problema e daí a importância do assunto.
There´s more to the picture than meets the eye e esta mania do secretismo, agora derrogada assim tão às escâncaras traz uma água no bico que o GOL deveria esclarecer.
O GOL, aliás, deve saber muito bem por que razão o secretismo acabou na Grã Bretanha, na maçonaria regular.
1º Esta e as anteriores postas cabem perfeitamente dentro do âmbito da liberdade de expressão. Comentários de índole mafiosa não assustam ninguém;
2º Não é nenhum caso por aí além certos documentos aparecerem na posse do GOL. Que eu saiba esta ONG tomou posse após o 25 Abril de um espaço que antes estava ocupado pela Legião Portuguesa e é possível que os documentos viessem daí. Na época todo o País estava em convulsão. Houve também quem tomasse posse de armas e de outros documentos que, hoje em dia, continuam em mãos privadas (a ver se todos os documentos relativos à guerra colonial estão depositados no ministério da defesa e se todos os processos por divórcio litigioso está no depósito de findos dos tribunais) e, já agora para rematar, antiquários a comprar e a vender é o que há mais por aí;
3º Parece-me mais ou menos indiferente que, 31 anos depois da revolução, se descubra que A, B ou C eram informadores da PIDE ou da Legião. Sabem os veneráveis que se pode ser informador de qualquer coisa, mesmo sem o saber, podendo o seu nome constar de qualquer lista, bastando que, unilateralmente, alguém o tenha lá colocado. Aliás do muito pouco que aprendi (via literatura policial de que sou fã) do funcionamento dos serviços de informação é que o seu modus operandi é a um nível muito em informal, sendo muito pouco provável que alguém compilasse uma lista com o nome de bufos e ainda por cima com mais de 3000 nomes;
4º Só acho estranho que o tal livro vá para um banco, em vez de ser depositado na Torre do Tombo, local aonde estão todos os arquivos da ex-DGS, sinceramente acho que é por isso que se deve pugnar, pois está exclusivamente em causa o interesse histórico de um documento, se é que ele o tem;
5º Quanto ao GOL e às ditas sociedades secretas/discretas, parece-me que estas tem apenas a importância que as pessoas lhe querem atribuir num determinado momento e enquanto assim for ainda vai ser alimentada muita teoria da conspiração que, à falta de melhor, serve para explicar tudo e mais alguma coisa, aliás do discurso do GM não é muito deferente de um qualquer presidente de uma academia do bacalhau, podendo esta ter mais ou menos influência, dependendo dos membros que à mesa comem o fiel amigo. O segredo maçónico e o desconhecimento de quem são os seus membros, perece-me que são mais tiques do que outra coisa.
6º “pôr em risco a paz social e causar uma enorme instabilidade e mal-estar” Give me a breack, a reconciliação de Portugal com o passado já está mais do que feita e já ninguém se interessa pelo que aconteceu há mais de 30 anos, pois já houve tempo para provar tudo o que havia a provar em democracia e isso é que é o importante.
7º Dirigindo-me pessoalmente ao José: admito que sabe do que é que está a falar, peço é que reconheça que eu também sei alguma coisa do que estou a dizer e que este não é um comentário de ingenuidade.
Eles andam por aí e têm nome.
ora bem José, assim é que se fala claro!
Pois está visto que esta fantasmagoria aparece agora para enganar papalvos. Se não há por aí novela interna isto nem faz sentido.
Julgamento público hoje, de centenas de pobres diabos que completavam parcos vencimento ou reformas mandando para a pide uns nomes ao calhas?
Mas esses eram a caricatura do regime. Lembro-me que até havia trocas de cumprimentos recíprocos quando ia para a manif clandestina ":O))
Nem os outros, nem os chefões tiveram audiência nos julgamentos. E a maior parte dos que sofreram torturas e perseguições nem compareceu para depor!
E vêm agora estes idiotas dizer que têm a pólvora na mão?!?
palavra que a única coisa que não é entendo é o motivo que levou esse Arnault a mandar isto cá para fora.
Coisa de sopeira, por certo.
Estou a digitalizar uma brilhante entrevista de José Adelino Maltez ao O Diabo de hoje.
Lá, o entrevistado, diz por duas vezes que "Os problemas de Portugal resolvem-se numa semana, com um Governo provisório e liquidando-se os mitos prevalecentes".
Um desses mitos é precisamente o GOL e os golzinhos que pululam por aí.
Parecem clubes de putos da primária com os seus códigos secretos e a usa escrita invisível a cebola...
Lembra-se, certamente, da técnica primitiva.
Outra coisa:
é verdade que o assunto do postal é a natureza mafiosa de certos procedimentos.
Não são os comentários que o são, mas sim certos métodos que me parecem ficar a dever tudo aos bravos uomini di onore
Quanto aos jornais e media em geral, seria interessante saber a razão porque o Público optou por colocar na primeira página uma notícia sobre a diminuição de fumadores "menos 17% desde 1976..."
Grande notícia, hem?!
E o DN?! E o...e o...?!
VERGONHA! Deviam ter vergonha!
Porquê agora?...
É vergonhoso como certos "senhores" continuam a agir impunemente e não pagam pelas chantagens que fazem!
Tenho Amigos maçons que, tenho a certeza, se sentirão aviltados com este comportamento... talvez assim se compreendam muitos factos "estranhíssimos" que ocorreram nestes últimos 30 anos.
Já agora, os ficheiros que foram para Moscovo foram os da PIDE... os únicos com interesse estratégico, pois a PIDE tinha relações com os serviços secretos de todos os países ocidentais (o sector da "inteligence", é sabido, é eticamente pouco... esquisito nas alianças) e todos colaboravam na luta contra o inimigo comum: os comunistas! Partilhavam informações sobre espionagem e contra-espionagem.
Isto interessava aos soviéticos... e não fofoquices que só interessavam à canalhada interna!