historiadores

O postal que antecede sobre os espanhóis e as suas perspectivas económicas para o ano que começa, com a indicação de que "O crescimento da economia em 2004 terá sido de entre 2,6 a 2,7 por cento e para 2005 prevê-se um crescimento de cerca de 3 por cento", deveria fazer-nos pensar sobre as eleições e os candidatos que temos; os partidos que vamos tendo e as opções que se nos deparam.

A inveja é sentimento estéril, neste caso. Melhor seria uma indignação profunda e consistente que abalasse uma grande maioria e obrigasse a pequena minoria dos que em nós manda, a reflectir, inflectir e a deflectir hábitos e costumes que parecem demasiado arreigados para tal evolução.

Vemos, ouvimos e lemos muita coisa, desde há anos a esta parte e não saímos da cepa torta. Em vez de evoluirmos e prosperarmos como os espanhóis, estagnamos e retrocedemos, ficando-nos apenas o velho fado, canção de toada triste que nos acompanha há décadas, como símbolo fatal de um declínio não desejado.

O economista João Ferreira do Amaral, do ISEG, da SEDES e ainda consultor do Presidente da República, dizia hoje na Focus que os "fundos da Europa provocaram o nosso desleixo" e que " vivemos anos à pendura do dinheiro de Bruxelas".

Este discurso do dinheiro malbaratado já chegou à Presidência... como se nada fosse com eles, mas conosco! E o ilustre economista até dá seis receitas para a mudança, "que nem custam muito dinheiro":

  • 1. desburocratização - por exemplo, acabar com as certidões (!)," o que facilitaria muito a vida aos cidadãos e às empresas".
  • 2. desenvolver o ensino profissional e investir na formação profissional
  • 3. ... e desenvolver uma política de qualidade.
  • 4. dar prioridade ás infra-estruturas com impacto na produtividade externa, por exemplo, os portos.
  • 5. A administração pública e a avaliação dos seus serviços.
  • 6. Finalmente, deve incentivar-se maior investigação e inovação nas empresas.
É esta a receita do referido economista!

Por mim, poupava-me a tão grande esforço de raciocínio e punha-me antes a meditar nas diferenças entre dois jornais - o nosso Público e o El Pais.

Basta ver a primeira página de hoje dos dois diários, comparáveis em importância relativa.

O nosso Público, como notícia importante e nacional, traz a trica sobre o Cavaco - "Cavaco Silva tentou evitar vitimização de Santana Lopes"! "tentou"; "vitimização"; "evitar" ; "Santana Lopes", são as palavras chave para a cacha do diário dirigido por José manuel Fernandes. Na parte inferior da página, uma foto e a notícia sobre o encontro Abbas-Sharon.

O El Pais, com outros critérios, destacou o encontro e noticiou outros assuntos que não são tricas.

O Público, na edição em causa, para além do habitual cronista de esquina de página, Eduardo Prado Coelho, traz uma crónica de Fátima Bonifácio, historiadora, sobre as desandas de Santana e afins.

O El Pais também traz uma crónica, precisamente de um historiador, Javier Tusell, de quem se noticia a morte aos 59 anos.

A crónica, sobre o neo-conservadorismo americano, merece ser lida na íntegra, mas entre outras passagens, destaca-se esta...
Recuérdese el caso del socialismo de izquierdas al final de los años setenta: a base de criticar al capitalismo y el comunismo existentes, pergeñó la tesis de un socialismo "inencontrable", como le denominó Aron. Los excesos en la evolución ideológica suelen producir patologías. El mundo está poblado de supuestos ultraliberales que fueron estalinistas y de aristocratizantes individualistas entusiastas en su sedicente anarquismo. Más valdría que unos y otros se detuvieran en un común reformismo.

Basta ler esta crónica do jornal espanhol e compará-la com as demais do nosso jornal preferido, e mesmo de outros do nosso torrão, para perceber que o que nos separa dos espanhóis é muito mais do que a diferença, já de si assinalável, no défice orçamental e na taxa de crescimento da economia.

É uma diferença que um economista não costuma topar à primeira. Provavelmente nem à segunda. E muito menos se o apelido é Silva. Bem português, portanto.

Publicado por josé 23:02:00  

8 Comments:

  1. irreflexoes said...
    A inveja enquanto parte do processo dialético da procura de melhor é largamente subestimada :)).
    Anónimo said...
    Já ninguém se lembra do Cavaquistão? Era uma designação pejorativa do modelo seguido por Cavaco no seu tempo.Resumia-se em estender a mão aos subsídios da UE, a asfaltar e eucaliptar, a dar vivas aos centros comerciais e às grandes superfícies, a destruir o tecido social na agricultura, pescas e pequeno comércio, e a torrar os fundos para pseudo-formação profissional; salva-se a AutoEuropa e pouco mais. Hoje é venerado. Foi com essa eminência que se iniciou a nossa descida aos abismos. De resto, a generalidade dos nossos economistas podem bem limpar as mãos à parede com a m... que fizeram. Se eles se calassem não fariam melhor ?
    X
    zazie said...
    na mosca José, na mosca! ";O)
    zazie said...
    E cada vez me pergunto mais para que serve o saber histórico ou o filosófico quando apenas se reconhece no rodapé já que a “reflexão” não sai da trica e da dica...
    CCz said...
    "2. desenvolver o ensino profissional e investir na formação profissional"

    Muitas empresas em Portugal só agora começam a elaborar os seus planos de formação para o ano de 2005. Porque só agora as organizações que organizam e promovem acções de formação começam a emitir os seus planos de formação, as empresas escolhem a formação disponível, não a formação necessária... a maior parte do dinheiro gasto em formação profissional é um desperdicio, e ninguém tem coragem de dizer que o rei vai nú. Num universo saudável, as empresas (clientes) é que deveriam publicitar as suas necessidades e as organizações que dão as acções de formação (fornecedores) deveriam desenhar acções customizadas para esses clientes. A existência de fundos comunitários, de acções de formação financiadas, deturpa o esquema todo, à boleia da ilusão da formação financiada dá-se formação sem sentido para as organizações.
    josé said...
    Caro CCz:

    Não percebo de organização económica, em macro ou em micro, o suficiente para perorar de cátedra. Não percebo de políticas de educação o suficiente para dar palpites infalíveis. Tenho o conhecimento empírico e a curiosidade mórbida em ver e rever que tudo tem andado para trás ou pelo menos a passo de caracol, neste campo essencial da nossa organização social.

    Assim, na formação profissional vejo que à época de 74, as escolas técnicas que se espalhavam pelo país como cogumelos de boa qualidade, permitiam a formação em áreas como a electricidade; a contabildiade; a estatística e a estenografia e ainda a mecânica.
    Nessas escolas de ensino médio, modelos de virtudes e que deram novos profissionais ao mundo dos empreendedores portugueses, quem se formava em 11 anos aprendia o suficiente para singrar numa qualquer actividade profissional de quadro médio, como se diz agora. Muitos dos contabilistas que temos em Portugal, vieram daí, desse alfobre.

    Eu sei que passados trinta anos as coisas mudaram e houve uma explosão nuclear na frequência do ensino básico e secundário. Os actuais professores já não são os "mestres" de então. E esses eram mesmo mestres, sem aspas.
    É disso que faz falta em Portugal: mestres e não doutores da mula russa que fazem o curso em politécnicos de vão de escada ou escolas superiores de educação que só o são por funcionarem nos andares de cima, ficando por baixo as cantinas e bibliotecas.

    O que falhou?! Visão! Visão dos responsáveis!

    No outro dia, ouvi o Grilo, Marçal dizer na rádio que entendia que as ~Universidades e Politécnicos deviam ser geridos por gente de fora e que os reitores e presidentes não deviam ser eleitos pelos pares!!!
    Para chegar a tal conclusão foi preciso passar quantos a anos a estudar o assunto, com os pedagogos todos que admitiu no "sistema" de ensino que inegavelmente ajudou a criar?!

    Isto parece-me uma vergonha: que tipos como esse, depois das asneiras todas se dêem ao desplante de vir propor outras soluções, à guisa de uma nova experiência.
    Não haveria então quem dissesse o que o tipo vem dizer agora?! Havia! E onde ficaram? Recuados, em gabinetes obscuros ou em casa, a observar o percurso político desses tipos que me metem...nojo. Um nojo que não é pessoal, mas que advém da imbecilidade que revelam, apesar de serem ilustres professores de cátedra.
    josé said...
    Escrevi "mula russa" mas devia ter escrito "ruça"...
    zazie said...
    eu quando oiço essas luminárias do passado a debitarem fórmulas certas para os problemas que ajudaram a criar lembro-me sempre daquele rei dos Monty Python:

    ""Listen, lad. I built this kingdom up from nothing. When I started here, all there was was swamp. Other kings said I was daft to build a castle on a swamp, but I built it all the same, just to show 'em. It sank into the swamp. So, I built a second one. That sank into the swamp. So I built a third one. That burned down, fell over, then sank into the swamp. But the fourth one... stayed up! And that's what you're gonna get, lad: the strongest castle in these islands."

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