Alice ao Espelho...


Enganos

Há momentos em que é preciso guardar os estatutos e fechar os códigos. Em que se torna urgente uma reflexão em que a boa-fé e a boa-vontade permitam uma avaliação moral dos procedimentos. Os magistrados formam uma casta que, do ponto de vista da opinião pública, deambula nos territórios da impunidade. Da impunidade criminal, ou disciplinar, ou social. Se de facto não é assim, a verdade é que, às vezes, o parece.

A justiça alimenta-se do seu próprio gigantismo: dos seus túneis, dos seus segredos, dos seus rituais e dos seus ridículos. Vive para si e para a ideia que de si mesmo constrói. O poder de que é depositária não é uma virtude mas um orgulho. Uma espécie de pecado venial, feito à base de normas e desvarios.

Os magistrados não dialogam: discutem. Ou impõem. Talvez por isso, o direito que se faz não seja, socialmente, perceptível. O cidadão desconfia e com razão. Não há um que seja que não tenha uma estória, sua ou alheia, em que o dislate judicial se confunde com a injustiça.

Há uns meses, a Ordem dos Advogados trouxe à baila uma Galeria dos Horrores Judiciários. Juízes e procuradores encolheram os ombros, como se nada daquilo lhes dissesse respeito. Passaram por cima, numa vocação esquizofrénica que vai de magistrado em magistrado até ao delírio corporativo.

É certo que não estavam lá todos os horrores: faltaram, pelo menos, os que eu conheço. Aqueles que, se calhar, eu nunca direi – por razões de oportunidade. Na justiça, a denúncia nunca é oportuna. Na justiça, o silêncio é uma estranha maneira de cultivar a inteligência. Ou a sobrevivência.

Falta à justiça uma ética. Falta aos magistrados um pouco mais de pudor. O que falo são generalidades, com os riscos das injustiças que daí decorrem. Sei das excepções, muitas mas isoladas. Sei dos que acreditam, ainda que de um modo envergonhado. Todavia, o tempo parece estar a contento dos outros, dos que fazem do dever de reserva uma reserva de enganos.

in Direitos

Publicado por Manuel 01:11:00  

2 Comments:

  1. josé said...
    Há,neste escrito, um sintoma e uma intenção que gritam de quem o escreve, parece-me bem e bem me parece que assim seja.
    Se leio bem, foi exactamente por esses motivos que comecei a escrever em blogs ou, pelo menos, foi esse inicialmente, o principal leit motiv: para dizer que certos indivíduos ascensos ou assumptos em instituições soberanas, se perdem nos labirintos dos papéis e nas leis que os seguram, esquecendo princípios e valores que mandam atender à verdade das coisas.
    A ideia que perpassa no escrito, parece-me muito simples: é preciso maior honestidade e competência nas magistraturas. Não me refiro só à competência técnica,embora esta possa e deva ser questionada quanto ao seu modo de exercício, mas àquela que deriva da inteligência prática, emocional e diversificada da fulgurância matemática do raciocínio.

    A um juiz ou magistrado decisor torna-se mister, cada vez mais, ser isento e verdadeiramente independente o que redunda afinal numa e na mesma coisa.

    Isso mesmo foi dito pelo juiz Orlando Afonso na intervenção do Estoril, sobre a autonomia do MP, no passado fim de semana, numa(mais uma) brilhante intervenção.

    A um julgador ou decisor, aparece-lhe sempre o problema de consciência de decidir em conformidade com a lei e o direito. Se conhecer bem a lei - e isso parece-me o mais fácil de alcançar, com toda a panóplia de meios actualmente à disposição- já está dado um passo.
    Se perceber bem o Direito, meio caminho andou. Mas falta ainda uma coisa muito importante: a percepção da realidade do facto concreto que se lhe depara.
    É nesta percepção que o encadeamento decisório por vezes falha de modo grave e as decisões sossobram numa discrepância fatal que as pessoas a quem se dirigem, percebem imediatamente e que simultaneamente escapa aos seus autores, por causa de um fenómeno que à falta de melhor termo classificaria por "autismo judicial".

    Este termo, cunhado clinicamente, significa que os atingidos pela desgraça, que grassa a galope no meio judicial intermédio e superior, embora se detecte já nos estádios da primeira instância, desenvolvem gradualmente um transtorno que altera a linguagem, a comunicação, a comepetência social e até a imaginação.
    A tendência, nessa altura, acompanha comportamentos anormais, com actividades e interesses de caracter repetitivo e estereotipado, movimentos peculares nos gestos e obsessões várias e algumas insólitas em relação a certos objectos e acontecimentos.

    O escrito de Direitos parece-me relevar estas preocupações. Ainda bem. O primeiro passo para a cura de certas doenças é o diagnóstico acertado e este parece-me que o será.
    Tomara que outros retomassem o tema.
    Anónimo said...
    Não falta somente na Justiça a Ética.
    Temos que promover a desconstrução desta realidade e elaborar propostas coerentes com os objectivos nossa vivência em comunidade

    Cumprimentos

    Lagrima.blogs.sapo.pt

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