Debates decadentes
quinta-feira, dezembro 16, 2004
Vindo daqui, deste blog de culto, o postal "Decadência", sai directamente das páginas de A Queda de um Anjo, novela camiliana por excelência, satírica qb e romântica por feitio. Actualíssima também, no tema; e preciosíssima nos ensinamentos linguísticos que nos faltam para colorir um discurso cinzento.
A transcrita passagem de camiliana, refere-se a um debate parlamentar, no Parlamento dos finais do séc XIX, entre um deputado vindo das bandas de Trás-os- Montes de seu nome Calisto Elói, o herói da novela e ultra preparado na leitura dos clássicos e neo-clássicos e um dr. Libório impante de verve, ainda mais gongórico que o legitimista das berças.
(...)Eu queria-me entender com o sr. Deputado, a fim de tirarmos algum proveito deste debate; mas S.Excª, pelos modos por me ver assim minguado de afeites poéticos, acoima-me de absurdidade, e despreza-me!...Valha-me Deus! Se o sr. dr. Libório me não lançasse da sua presença com tamanho desamor, havia de perguntar-lhe por que foram Atenas e Roma bem morigeradas quando pobres, e corrompidas quando ricas e luxuosas. Havia de perguntar-lhe que artes e ciências progrediram entre os Sibaritas e Lídios, povos que a mais elevado grau de luxo subiram. Havia de perguntar-lhe por que foi que os Persas acaudilhados por Ciro, cortados de vida áspera e privada do necessário, subjugaram as nações opulentas. Havia de perguntar-lhe por que foram os Persas, logo que se deram às delícias do luxo, vencidos pelos Lacedemónios.A suprema verdade, sr. Presidente, a verdade que os arrebiques da retórica não sofismam é que, à medida que os impérios antigos se locupletavam, o luxo ia de foz em fora, e os costumes a desbragarem-se gradualmente, e o pulso da independência a quebrantar-se, e os cimentos das nações a estremecerem. Depois, era o cair do Egipto, da pérsia, da Grécia e Roma.
Camilo Castelo Branco, "A Queda dum Anjo"
Agora, para contraste, tirado das páginas do Jornal de Notícias de hoje, o relato circunstanciado de um outro debate parlamentar, de ontem, desta vez na nossa pérola do Atlântico, onde um eleito por décadas rege os destinos da região, contreito à democracia e refeito deste tipo de garbo linguístico...
Jacinto Serrão, que interpelava o vice-presidente do Governo Regional, a determinado momento foi "provocado" por Alberto João Jardim. O presidente do PS respondeu e disse que o discurso do presidente do Governo Regional "não dava para acordar um rinoceronte" - Jardim no discurso de abertura da discussão do programa de Governo falou durante mais de duas horas. A partir desse momento, Jaime Ramos reagiu, afirmando que Jacinto Serrão é um "burro e um gatuno" . E rematou "Rinoceronte és tu, que estavas a dormir". Na altura, as provocações substituíram o debate político, sem que o presidente da Assembleia pudesse pôr termo à situação. O diálogo entre os dois políticos era feito num tom muito alto e sem nenhuma formalidade. "Antes de vires para o Poder estavas a vender sifões de retrete e andavas de jerico. Agora és milionário e não sabes como. Onde arranjaste o dinheiro?", afirmava Jacinto Serrão. Jaime Ramos repetiu várias vezes que o líder do PS Madeira era "um gatuno e um burro".
Só nos restaria rir, se o assunto não fosse sério e exemplo do mais despudorado despautério!
Todos acham piada, desvalorizam o episódio e continua a boçalidade, sem qualquer consequência.
Para o carnaval, falta pouco mais de um mês. Porém, parafraseando outro blog de culto, há sítios em que o carnaval é todos os dias...
Publicado por josé 11:29:00
1 Comment:
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- zazie said...
2:24 da tarde, dezembro 16, 2004looooooooooollll que tiro no pé, essa do rinoceronte ":O))))
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