White House'04
Bush vs Kerry (XXX)

América dividida

Enquanto os americanos já votam, farei o meu último post sobre a Grande Eleição antes do fecho das urnas. No ponto em que as coisas estão, receio bem que ainda irei escrever mais alguns posts até sabermos quem será o próximo Presidente dos EUA.

Registo com interesse as observações feitas à previsão final que fizemos ontem, mas mantenho em absoluto os números que apresentei. Mas insisto: é óbvio que é muito arriscado estar a avançar com o resultado do Colégio Eleitoral. Há vários estados muito próximos e basta falhar um ou dois dos pressupostos com que construí o raciocínio até chegar ao resultado para que o nome do vencedor possa estar errado.

Mantenho, por isso, a relação de Kerry 280-Bush 258 no Colégio Eleitoral e junto ainda um outro indicador - o do voto popular.

Neste caso, o resultado que apontarei não se baseia numa análise estatística, pela simples razão de que isso não é possível de fazer nesta altura, num universo de 160 milhões de potenciais votantes.

Mas, uma vez mais, olhei para o passado, recordei alturas semelhantes em que as sondagens num determinado sentido e as urnas acabaram por revelar outro. A tudo isso, acrescentei alguns indicadores muito recentes que me fazem reponderar os números que as sondagens nacionais apresentam.

São eles...

  • há uma grande quantidade de novos eleitores. Não só jovens que votam pela primeira vez (entre os 18 e os 22 anos), mas, sobretudo eleitores que não estavam registados (nos EUA, o recenseamento eleitoral não é obrigatório);
  • a taxa de participação poderá ser a maior de sempre. Esse recorde pertence à eleição de 1960, entre Kennedy e Nixon, que teve uma semelhança com esta corrida - a eleição também foi disputada até ao último voto e ficou muito polarizada entre um candidato da América «liberal» e o outro muito conservador (Bush e Nixon serão talvez os mais candidatos republicanos mais conservadores dos últimos 44 anos). Nessa eleição, 62 por cento dos americanos que podiam votar foram às urnas — e elegeram Kennedy, apesar do favoritismo de Nixon.
  • tradicionalmente, uma maior participação eleitoral favorece os candidatos democratas. Daqui talvez surja a explicação para a recuperação de Kerry nos últimos dez dias (passou de um atraso de 2 a 5 pontos para um empate técnico)
  • nos EUA, os eleitores declaram a sua tendência eleitoral no acto do registo - registam-se como democratas, republicanos ou independentes. Obviamente que essa declaração poderá não corresponder depois ao seu sentido de voto. Entre os eleitores que foram registar-se nas últimas semanas, há um certo equilíbrio entre democratas e republicanos nos três estados mais decisivos (Ohio, Florida e Pennsylvania). Os democratas levam algum avanço no Ohio e na Pennsylvania, enquanto na Florida a coisa está muito equilibrada. Mas a novidade é que a maior fatia de novos eleitores nestes três estados é de eleitores independentes. E todas as sondagens apontam para que os independentes dêem, no geral, uma vantagem confortável a John Kerry (numa proporção acima dos 60-40 sobre Bush)
  • votos de cidadãos sem telefone em casa e de muitos jovens que as sondagens, mesmo procurando amostras representantivas, não conseguem cobrir. E John Kerry poderá beneficiar com isso no resultado final.
  • tradicionalmente, o candidato que mostra uma subida nos últimos dias ganha a eleição. E esse candidato, neste caso, é Kerry.
Expostos estes indicadores, há logo uma conclusão a tirar: é possível que a votação nacional de Kerry esteja a ser subavaliada. Falta saber em quantidade de votos.

A fazer fé nestes dados — e correndo o risco, obviamente, de estar a ignorar outros que possam minorar esta tendência — prevejo uma votação popular com estas margens:

TOTAL DE VOTOS EXPRESSOS - De 105 a 125 milhões (houve um pouco mais de 101 milhões de votos expressos em 2000)

  • VOTOS JOHN KERRY
    • de 55 a 60 milhões
  • VOTOS GEORGE BUSH
    • de 52 a 57 milhões
  • VOTOS RALPH NADER
    • de 700 mil a 1,5 milhões
  • VOTOS DOS OUTROS TODOS JUNTOS
    • de 300 mil a 1 milhão

A confirmar-se esta tendência, John Kerry vencerá o voto popular por uma diferença de cerca de 2,5 por cento. Em princípio, esta diferença garantirá uma vitória no Colégio Eleitoral. Mas o cenário de um candidato triunfar no voto popular e outro ser eleito mantém-se como perfeitamente possível…

Esta quantidade de votos fará desta eleição uma das maiores da história da democracia mundial. Mesmo que perca, é já um dado praticamente certo
(em função da percentagem que terá e do número de votantes previstos) que John Kerry seja o candidato democrata com mais votos expressos de todos os que já foram investidos (esse recorde pertence a Al Gore, em 2000, apesar de não ter sido eleito).

A noite promete, por isso, ser longa. O clima de grande divisão chegou a um ponto nunca visto numa eleição americana. Aqui ficam algumas das grande linhas que resolverão a eleição...

  • os eleitores confiam mais em Bush na questão do terrorismo e do Iraque (apesar da diferença ter descido substancialmente nos últimos dias); nos impostos e na segurança nacional;
  • confiam mais em Kerry na Saúde, na Educação, na Segurança Social, na Economia e na criação de empregos;
  • os americanos consideram Kerry «mais inteligente» do que Bush; mas olham para o republicano como «mais sincero» e «mais honesto»;
  • Kerry fará o plano da Costa Oeste (Washington, Oregon e Califórnia) e obterá a esmagadora maioria dos estados do Nordeste (só o New Hampshire está em risco). No sul, só tem segura a Califórnia, mas tem fortes hipóteses de vencer o Novo México e a Florida e ainda mantém uma pequena esperança de obter o Arkansas e o Colorado
  • Bush domina os estados da massa central dos EUA. Ganha no Interior, no Sul e disputa alguns estados da Costa Leste (da Nova Jérsia para baixo). Tem um avanço esmagador no Midwest e no Upper Midwest.
  • Kerry ganha em zonas de maior diversidade étnica e cultural, Bush predomina na América conservadora e tradicionalista; Kerry ganha no litoral, Bush no interior; Kerry nas grandes cidades, mais populosas, Bush na América rural e «country».
  • Kerry ganha nas mulheres, Bush nos homens (embora esta seja a dicotomia com menores diferenças: nas mulheres Kerry vence 51-49, nos homens Bush ganha pela mesma proporção); Kerry nas minorias, Bush na maioria branca (apesar da multiplicidade étnica norte-americana, 4 em cada 5 cidadãos dos EUA são caucasianos); Kerry vence nos negros por 85-15, nos hispânicos por 60-40 e nos asiáticos por 65-35. Bush ganha nos brancos por 55-45.
  • Kerry domina nos jovens e nos adultos entre os 35 e os 50 anos. Bush tem um claro domínio no eleitorado a partir dos 65 anos. As faixas entre os 25 e os 35 e entre os 50 e os 65 mostram-se praticamente empatadas.
  • Bush domina nos eleitores que vêem a religião como um factor essencial para o seu dia-a-dia; Kerry tem muitos eleitores católicos, protestantes e judeus, mas penetra mais naqueles que, mesmo sendo crentes, separam claramente a política da religião
  • se Kerry vencer, será o segundo Presidente católico da história dos EUA (o primeiro, e até agora único, foi Kennedy). Todos os outros foram protestantes, embora de diferentes igrejas.

Publicado por André 14:40:00  

1 Comment:

  1. Anónimo said...
    Vamos ter uma noite longa...
    Já agora, sugiro que os Irmão, de Aprendizes a Inspectores-Gerais, rezem ao Grande Arquitecto para que ilumine as mentes e corações dos americanos e estes consigam desta maneira "eleger" um bom Presidente...

Post a Comment