A cópia do dia é...
sexta-feira, novembro 19, 2004
Uma entrevista de Alberto Pinto Nogueira ao Diário de Notícias.
DN - Como aparece a dirigir superiormente a investigação, o inquérito e os recursos?
Alberto Pinto Nogueira: Não dirijo a investigação, nem o inquérito. Isso cabe, respectivamente, à Polícia Judiciária (PJ) e ao procurador adjunto de Gondomar. Aqui, limito-me, em sequência de um despacho do procurador-geral da República a «acompanhar» essas fases processuais. Também não dirijo os recursos, limito-me, em função de regras estabelecidas há muito, a representar o Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto, onde me tenho pronunciado sobre os recursos interpostos. Toda a gente sabe isso e não constitui nenhum sigilo de nenhuma natureza. Mas continuo com todo o trabalho que já tinha. No Estado é assim, os «funcionários» não trabalham.
DN - Tem tido um bom relacionamento com a Polícia Judiciária?
A.P.N. - O melhor, como não podia deixar de ser. Sempre tive a colaboração necessária com a Directoria da PJ do Porto que tem demonstrado um interesse e dedicação ao caso que, confesso, não aguardava. Tive vários contactos com o Director [Ataíde das Neves], que sempre se mostrou pronto a mandar efectuar as diligências que o Ministério Público entendeu convenientes.
DN - Como viu, então, as declarações públicas de um subdirector da PJ informando não ter havido buscas à Câmara Municipal do Porto e ao Metro?
A.P.N. - Sobre isso não me pronuncio, poderia violar o segredo de justiça ou o dever de reserva que cabe aos magistrados.
DN - Então o director Reis Martins violou esses deveres?
A.P.N. - Eu só disse o que disse. Mais nada. Mas posso acrescentar que tenho um protocolo com o Sr. Director Nacional Adjunto, no sentido de, sempre que necessário à informação da população, e sem violar os mencionados deveres e a dignidade dos arguidos, serem dados a conhecer ao público os factos necessários, com comunicados conjuntos do Ministério Público e da Polícia Judiciária. Mais ou é especulação ou violação das normas em vigor.
DN - Ao procurador adjunto foram dados os meios necessários?
A.P.N. - Não aprecio nada derramar lágrimas sobre a falta de meios. O procurador adjunto, Dr. Carlos Teixeira, está na posse de todos os meios necessários às suas funções: tem uma competência profissional rara e uma dedicação à legalidade democrática inexcedível. O resto é o costume. E, além do mais, tem direito a esperas e perseguições, tipo Balada de Hill Street, quando, a altas horas da noite, sai do tribunal. Como vê, o Estado está muito interessado no combate sério à criminalidade. Não basta entregar, em exclusividade, o inquérito a um magistrado. É preciso, politicamente, querer seriamente que a investigação se faça. E eu sei que às vezes é incómodo...
DN - Essas esperas e perseguições de que fala foram feitas por quem? Arguidos do processo?
A.P.N. - Se eu soubesse quem eram já teria tratado do assunto. A coragem não é propriamente uma virtude de quem opera em perseguições.Há falta de vontade política de quem?Intui-se. Muitas vezes de pequenas coisas se inferem as grandes.O processo respeita só a questões ligadas ao futebol, como constou em Abril, quando veio a público, ou abrange outro tipo de situações?O processo investigará tudo o que for necessário, isso garanto. Quem me conhece sabe que não recuo. E estará pronto nos prazos legais, sem mais nem menos. Eu gostaria que fosse menos. Além disso, seria descortesia da minha parte estar aqui a incumprir o acordo de que lhe falei com o Director Nacional Adjunto da PJ.
DN - Mas se a Procuradoria-Geral da República lhe instaurou um processo de inquérito por causa de uma entrevista ao JN de 4 de Junho que versava sobre este caso, como é que agora a PGR o encarrega destes assuntos?
A.P.N. - Porque sou muito competente, não se vê? Não, nessa altura, nada sabia do processo, só o que estava nos jornais. Mas acho que é bastante ler essa entrevista para se ver que a PGR tinha razão. O Ministério Público é uma magistratura hierárquica.
DN - Que leitura faz das afirmações do director nacional adjunto de Judiciária de Lisboa, Almeida Rodrigues, quando diz que a PJ é sensível a qualquer pedido da PGR para permitir que os seus inspectores voltem ao processo da Casa Pia?
A.P.N. - Esse director, se eu fosse o director nacional da PJ, já estava demitido. É que a PJ não faz favores à PGR, investiga para que o MP possa exercer a acção penal. Isso é o que está na Constituição. E esse senhor director não deve ter ideia nenhuma das funções da PJ e do MP. Ou estava a provocar. Como já disse outras vezes, e noutras sedes, o MP e a PJ não são centros de poder, são núcleos, instituições do estado democrático e só se compreendem para o exercício democrático das suas funções. Não admito, no estado democrático, que um polícia desafie a PGR.
E aqui fica a entrevista. Não é vulgar, ver no Ministério Público (ou até na magistratura judicial) alguém que fale abertamente para a comunicação social, dentro dos limites do que é legal e estatutariamente admissível, sobre assuntos judiciários e que afectam toda a comunidade de um país democrático.
Temo que esta entrevista não caia bem nas estruturas hierárquicas superiores do MP. Porquê?
Pela simples razão de que me parecem preferir o silêncio, o sigilo, a reserva, o comedimento magistratural a que atavicamente alguns se agarram, colando ao sujeito, o substantivo da dignidade interpretada como qualidade intrínseca.
Dignidade aparece, aliás, como sinonímia da magistratura e por isso se eleva logo semioticamente a píncaros de camarote. Dignidade apresenta-se assim misturada com "altas funções";"título ou cargo de graduação elevada"; "nobreza, gravidade nas maneiras", "modo de porceder que se impõe ao respeito público".
Mas dignidade também significa algo intangível e inatingível para muitos que confundem a bota com a perdigota e o hábito com o monge: é, segundo os dicionários, a "qualidade do que é elevado, nobre".
É esta qualidade que poderia e deveria ser realçada, em detrimento da gravitas nos procedimentos e das posturas solenes. Esta qualidade da nobreza de carácter e da elevação das atitudes que encontra, aliás, reflexo bem brilhante nas leis que consagram a igualdade de direitos de todos e num princípio bem mais geral, da transparência democrática.
Esta qualidade nobre e intangível é que deveria ser o farol e a referência.
Se o fosse, esta entrevista e outras, poderiam e deveriam contribuir para uma substancial melhoria do nosso viver em democracia. Porque se opõe à hipocrisia e ao jesuitismo, muito próprio a instituições corporativamente fechadas e que não suportam a transparência.
É, por isso, notável que haja alguém que se disponha a abrir um frincha, por onde possa entrar ar puro.
Esperemos que os donos da casa não se constipem e sigam o exemplo.
Publicado por josé 13:11:00
9 Comments:
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Quanto à essência do discurso, isso já me importa e devia importar a mais gente que- pelos vistos- fica com dor de cotovelo. Esta, ao contrário daquela, não desincha:evolve para dentro, consumindo o paciente. O antídoto é muito simples: abertura de espírito, deixando sair a mesquinhez para dar lugar a uma saudável visão estereoscópica.
Mesmo assim, o anónimo merece o crédito de se pensar que conseguiria escrever melhor do que o desabafo de uma inconsequência.
Tem a palavra!
E por falar em constipações, como é que se explica que o processo não esteja no DCIAP -- tanto mais que, a acreditar na imprensa, não se está perante um caso limitado ao Distrito do Porto?
Houve «gripe»? De quem?
Protágoras
Já agora, também me chamo
Manuel