Ah, g'anda Palma!

Hoje há uma mediocridade instalada, uma passividade. É um pasmo geral que se instalou. Mas as pessoas que vão aos meus concertos, aquelas que vão lá mesmo para me ouvir, parece-me uma parte válida da população, que eu tenho imenso gozo em encontrar e em saber que existe. Há gente de todas as idades, mas há sobretudo malta nova que teve a sorte de estudar e de tirar partido disso; de utilizar inteligentemente a informação que recebeu, que tem uma atitude que não é sonhadora e utópica como nos anos 60 e 70, mas é uma forma realista e positiva de olhar para as coisas.

excerto de uma entrevista concedida por Jorge Palma à Visão desta semana, na qual se define como um 'optimista céptico'


Vou falar-vos dum curioso personagem: Jeremias, o fora-da-lei
Descendente por linha travessa do famigerado Zé do Telhado
Jeremias dedicou-se desde tenra idade ao fabrico da bomba caseira
Cuja eloquência sempre o deixou maravilhado

Para Jeremias nada se assemelha à magia da dinamite
A não ser talvez o rugir apaixonado das mais profundas entranhas da terra
E só quando as fachadas dos edifícios públicos explodirem numa gargalhada
Será realmente pública a lei que as leis encerram

Há quem veja em Jeremias apenas mais uma vítima da sociedade
Muito embora ele tenha a esse respeito uma opinião bem particular
É que enquanto um criminoso tem uma certa tendência natural para ser vitimado
Jeremias nunca encontrou razões para se culpar

Porque nunca foi a ambição, nem a vingança, que o levou a desprezar a lei
E jamais lhe passou pela cabeça tentar alterar a Constituição
Como um poeta ele desarranja o pesadelo para lá dos limites legais
Foragido por amor ao que é belo e por vocação

Jeremias gosta do guarda roupa negro e dos mitos do fora-da-lei
Gosta do calor da aguardente e de seguir remando contra a maré
Gosta da forma como os homens respeitáveis se engasgam quando falam dele
E da forma como as mulheres murmuram: 'fora-da-lei...'

Gosta de tesouros e mapas sobretudo daqueles que o tempo mais maltratou
Gosta de brincar com o destino e nem o próprio inferno o apavora
Não estando disposto a esperar que a humanidade venha alguma vez a ser melhor
Jeremias escolheu o seu lugar do lado de fora

Jeremias escolheu o seu lugar do lado de fora...

JEREMIAS, O FORA-DA-LEI, Jorge Palma, 1985

Publicado por André 02:36:00  

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