Revivalismos I

Segundo as notícias, o inefável ministro Rui Gomes da Silva, clamou publicamente pela intervenção deste importante órgão de supervisão, a fim de aplacar a ira da maioria por causa de um comentador de televisão - Marcelo Rebelo de Sousa, mais conhecido como o Prof. Marcelo!

Devemos considerar a indignação do inefável ministro, como digna de nota. O impostante órgão de supervisão tem como missão , assegurar...


o direito à informação, a liberdade de imprensa e a independência dos meios de comunicação social perante o poder político e o poder económico, bem como a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião e o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política.

Por outro lado, o problema com o professor não vem de agora, pode até dizer-se que tem barbas, ou pelo menos, peras!

O importante órgão de supervisão, aliás, alberga nos seus gabinetes alcatifados, alguém que percebe daquele problema bicudo e com barbas (ou peras...) - precisamente o jornalista e escritor Artur Portela que oportunamente, já se pronunciou sobre a questão com barbas (ou peras...), admitindo a intervenção de tal órgão de supervisão, logo que a queixa lhe seja apresentada.

Ficamos à espera. E enquanto esperamos, poderemos divertir-nos na leitura deste curioso texto, publicado na revista Opção de 19/25 de Agosto de 1976! O autor, assina no fim...

Para ajudar na decifração dos mistérios, informa-se que o texto original, trazia um desenho assinado por Jardim, no qual se torna bem perceptível o Prof. Marcelo Caetano, na figura de Prof. e ainda o outro... precisamente o M. do texto, que na altura usava pera e perigosamente assinava o mesmo nome...

O mistério dos dez negrinhos

Quem é M.? Quem é o Prof.? Até onde irão as revelações sobre o mundo salazarista e caetanista?

Eis algumas das muitas perguntas que os nossos leitores fazem sobre este inquietante inédito anónimo, decoberto por um amigo da “Luneta” na ex-Curva da Morte.

Adensa-se o mistério mas, ao mesmo tempo, começa a precisar-se o perfil político e moral de M. Perfil rigorosamente exemplar de uma época e de uma ambição.

O meu pai deixou-me à porta.
-Agora vê lá como te portas.
Era a casa do sr. Prof.
- O sr. Prof. tem dez filhos. Torna-te amigo de todos. Ajuda-me na minha carreira política!...
Ri, alto.
O meu pai afastou-se, convencido.
Bati à porta.
Apareceu o filho B.
Entrei.
Havia, logo à entrada, uma cerâmica, com negrinhos.
Contei: eram dez.
- Tu quem és? – perguntou o filho B.
-Sou M. Venho para estudar com vocês.
Não me empurres.
- Mas eu não te estou a empurrar!...
-Não me empurres!
Veio de dentro,a voz do sr. Prof.
-Que é? Que se passa aí?
E eu, altíssimo:
-É o B. que me está a empurrar!...
E, dando um encontrou na cerâmica, derrubei um dos negrinhos.
Ficou em estilhas, no chão.
Foi ele! Foi o B.!
Eu?...
O sr. Prof. apareceu, indignado, à porta:
-És impossível, B.!É assim que recebes um amigo?
- Mas, mas...
- E depois, sempre a partires tudo!...
-Mas, mas...
-Põe os olhos no M.!
- Mas, mas...
-Silêncio!
O sr. Prof. fez, no rosto um rictus. Sorria-me!
-Vem comigo. Vem para a biblioteca.
Segui-o.
Estavam, a ler o mesmo livro, o filho C. E o filho D.
-Este é o M. Ponham os olhos nele!...
Voltou-se. Debruçava-se sobre um códice.
Eu cheguei ao pé do filho C e do filho D e rasguei, de alto a baixo, uma página do livro que estavam a ler.
-Foram eles, sr. Prof.!
O sr. Prof. Voltava-se, irado:
-Como? Que mais fizeram eles?!...
-Mas, mas...
-Fora!
Saíram, amarfanhados.
Fui à entrada e parti o negrinho nº2 e o negrinho nº3.
Tens fome?
Era o sr, Prof.
-Sim, sr. Prof.
Olha lá uma coisa, tu, qual és? És o M. ou o A.?
- Sou o M. , sr. Prof.!
-Excelente rapaz!
Comemos todos à volta da mesa, eu sentei-me à direita do n. Prof. Havia já, na minha direcção, olhares rancorosos.
-Ponde os olhos em M.!
Ao meu lado estavam os filhos E. e F. Comiam, calados.
Levantei-me:
-Sr. Prof!
-Que é?!
- Sr. Prof. O E e o F. estão a dizer que o sr. Prof. Não tem categoria para ir a chefe de governo!...
-O E e o F protestavam, com a boca cheia:
-Eu não disse nada, pai!...
- Eu nem abri a boca, pai!...
- Disseram, disseram! Disseram-no a meia voz!...
O sr. Prof. erguia-se trémulo:
-Fora! Fora!
-Mas,mas...
-Fora, já disse! Os meus filhos são a minha infelicidade!...
Saíram, amarfanhados.
Esgueirei-me, para ir partir, à martelada, o negrinho nº4 e negrinho nº5.
O G e o H quando me viram no corredor, fecharam-se.
-Sr. Prof. !Sr. Prof.!
-Que é? Que foi?
-Fecharam-se por dentro! Estão a ler literatura subversiva!
-A ler o quê?!...
-Literatura subversiva, sr. Prof.!
O sr. Prof. investiu a porta.
-Abram! Abram imediatamente!
Hesitava-se, dentro.
-Abram, já disse!
A porta cedeu.
G e H estavam em pânico.
-Pai, nós...
-Onde está?!...
-Quê, pai?...
- A literatura. A literatura subversiva!
-Não temos, pai!
-Palavra de honra, pai!
Eu apontava-lhe um dedo:
-Esconderam-na, sr. Prof.!
O sr. Prof. tremia de cólera:
-Fora!
-Mas, pai...
-Fora, já disse!
Minutos depois, estilhaçava, possuido de júbilo, o negrinho nº6 e o negrinho nº7.
O sr. Prof. reuniu os últimos três filhos. O I, o J e o L.
-Ponham os olhos em M.! Os vossos irmãos trairam todas as minhas expectativas. Ponham os olhos em M.!
Começaram a seguir-me por toda a casa.
Diziam-me:
-Tu és mais inteligente do que nós. O pai prefere-te a ti.
-Vocês não me ameacem!
-Como?
-Não me batam!
Gritava:
-Não!Não!...Não me batam mais!...
O sr, Prof. assomou:
-Que é? Que há mais?!...
-O I, o J e o L estão a espancar-me!...
- Fora! Fora! Fora!
Saíram os três.
O Prof. afagou-me, com a mão dura e terna, os cabelos:
-Os meus filhos não me merecem.
E, debruçando-se:
-Tu quem és? És o M. ou o A.?
-O M., sr, Prof.. o M.!
-Serás o meu favorito!
Ri, alto.
Negrinos nº8, nº9 e nº 10. Á martelada.
Bateram à porta.
Era meu pai.
-Então, portáste-te bem? Fizeste amigos?
-Sr. Prof.! Sr. Prof. !- chamei.
-Que é? Quem é?
-É o meu pai.
E, apontando , no chão em estilhas,os dez negrinhos, acrescentei:
-Acaba de derrubar a cerâmica dos dez negrinhos!...
O sr. Prof. lançou-se colérico, sobre meu pai.
Meu pai lançou-se desesperado, para o jardim.
O sr.Prof. perseguia-o, gritando:
-Bárbaro! Destruidor! Não merece o filho que tem!..."

Artur Portela Filho

Publicado por josé 15:02:00  

3 Comments:

  1. Anónimo said...
    O Portela, coitado, escrevia mal e não tinha graça nenhuma. Julgava que ele já não existia.
    É curioso, no entanto, como ele falava dos Doze Veneráveis (pseudónimos) desta Grande Loja: são os 10 irmãos, mais o Prof., mais o M.
    zazie said...
    olha só que bem lembrado!
    Anónimo said...
    Esse Portela é uma besta, sempre foi. Está desde há anos a abichar umas largas centenas de contos mensais na Alta Autoridade (ah!ah!ah!), mas - para mostrar que nada tem a ver com quem lhe dá o pão... - até já escreveu um livro em que ridiculariza os colegas. Estes, que não passam de uma cambada de atrasados mentais, não se importam de conviver com o animal. Pudera!!!

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