"Seven" - Os 7 preconceitos letais na educação
1ª Parte

A Grande Loja inicia hoje a publicação da primeira parte de um texto que nos foi feito chegar por David Justino. Na semana em que se inicia mais um ano lectivo, o ex-ministro da educação do executivo de Durão Barroso, regista, assim como partilha, o muito que ficou por fazer e acima de tudo o que é urgente fazer.


Portugal precisa de uma estratégia para o desenvolvimento educativo, assente numa visão de longo prazo que concretize metas e patamares de desempenho do sistema e a aferição contínua da sua evolução. Este é o desafio que qualquer responsável, político ou técnico, terá de interiorizar se quer ver bem sucedido o trabalho que dia a dia desenvolve.

A tarefa não é tão fácil quanto poderá parecer o enunciado do parágrafo anterior. Em primeiro lugar porque o ciclo de mudança num sistema tão complexo continua a não coincidir com os imperativos do ciclo político. Em segundo lugar, porque a experiência tem revelado que a gestão do curto prazo tende a relegar para segundo plano a acção continuada, persistente e orientada por objectivos. Em terceiro lugar, porque não sendo possível partir da “estaca zero” é necessário enfrentar a cultura instalada, a resistência organizacional (quantas vezes passiva e travestida de “plena adesão”), o adquirido avesso a qualquer sentido crítico que entrava a mudança.

A primeira dificuldade só pode ser superada desde que verificados dois pressupostos:

  • Estabilidade governativa com perspectiva de renovação de mandato permitindo sustentar políticas de médio prazo.
  • Entendimento alargado entre as forças partidárias com vocação governativa sobre as questões chave do desenvolvimento educativo a longo prazo.

O primeiro pressuposto, de âmbito exclusivamente político, começa a explicitar-se e a passar da intenção do Governo para as expectativas da opinião pública. O segundo pressuposto encontra na proposta de Lei de Bases da Educação uma oportunidade única para definir uma plataforma mínima de convergência sobre o que deve ser o futuro do sector.

A ideia de um pacto de regime que torne viáveis as reformas que o sector exige não pode ser concebido em abstracto e dificilmente conduzirá a qualquer paz social decorrente de um entendimento político prévio. Daí a ideia alternativa de uma plataforma de convergência mínima sobre os objectivos estratégicos de longo prazo que se pretendem para o sector. A proposta de Lei de Bases da Educação assume esse papel. Não se trata de um mero diploma enquadrador da realidade existente. É por si só o documento base que tem implícita uma visão estratégica da educação para as próximas duas décadas.

A segunda dificuldade resulta das condições da prática governativa. Pretender obter resultados de expressão considerável no curto prazo é uma ilusão que limita a sustentabilidade do processo de mudança. Esta ideia é extensiva à política orçamental, à gestão das escolas, ao combate ao desperdício e à qualificação das aprendizagens que permitam uma elevação dos desempenhos. Também neste domínio o primado da política é regra porque é a condição indispensável à compatibilização entre a gestão do dia a dia e a concretização sistemática dos objectivos estratégicos.

A terceira dificuldade é de maior monta e, ao mesmo tempo, mais subtil. Assenta num vasto conjunto de preconceitos sobre educação e política educativa que se encontram arreigados um pouco por todo o lado e que importa questionar e esclarecer. Vamos analisar alguns deles.

O primeiro preconceito identifica-se com a tendência para a desvalorização da gestão organizacional do sistema e dos seus componentes relativamente ao primado da qualificação pedagógica. A tese pode ter sentido face a sistemas bem organizados e racionalizados, não o tem face à situação do sistema educativo português. Não há ganhos de qualidade e de eficácia sem uma profunda racionalização da macro organização educativa. O nível de ineficiência e de desperdício é elevadíssimo, facto há muito comprovado.

O segundo preconceito decorre do anterior: para aumentar a qualidade da educação é necessário aumentar o investimento (entenda-se despesa pública!). O exemplo do sistema educativo português é paradigmático: com um dos mais elevados níveis de despesa pública, obtém dos piores desempenhos educativos, entre os seus parceiros e mais directos concorrentes no quadro comunitário. Também na educação a consolidação orçamental é condição incontornável da qualificação do sistema. O desafio, de certo modo provocatório, é o de demonstrar o contrário do que enuncia o senso comum: só eliminando o desperdício e contendo a despesa pública se consegue criar as condições para uma reforma da educação e um aumento dos indicadores de desempenho.

O terceiro preconceito tem assumido ao longo dos quase trinta anos do regime democrático um pendor marcadamente ideológico: a clara oposição entre escolas públicas e escolas privadas que tende a polarizar o debate público entre esquerda e direita. Este debate tem um efeito nocivo ao sistema: faz esquecer o debate entre boas e más escolas, escolas que progridem e escolas que regridem, escolas bem geridas e com bons projectos e escolas que se refugiam em estereótipos sociológicos (de preferência anti-economicistas) para justificar o injustificável. O debate recorrente sobre os “rankings” das escolas com ensino secundário – apesar de todas as limitações que eles possam apresentar – é revelador do enviesamento do debate sobre educação e da reacção ao confronto de resultados e à implementação de uma cultura de avaliação em função de um conjunto de termos de referência e indicadores.

Quarto preconceito: o aumento da qualidade das aprendizagens está dependente de uma diminuição da razão n.º de alunos / professor e da dimensão média das turmas. A literatura científica internacional não é suficientemente taxativa sobre esta tese. O espaço de convergência da maior parte da investigação já realizada aponta para a existência de ganhos de qualidade decrescentes à medida que as reduções se aproximam dos 25 alunos por turma e nulos abaixo daquele limiar, excepção feita para turmas de alunos problemáticos (necessidades educativas especiais e problemas comportamentais) em que dimensões entre os 15 e os 20 alunos se revelam mais recomendáveis. Esta demonstração estatística não se aplica a alguns dos países asiáticos – casos da Coreia, do Japão ou Singapura – que conseguem obter bons resultados em escolas cuja dimensão média ultrapassa os trinta alunos. Ou seja, mais importante que a dimensão das turmas é o tipo de ensino que é ministrado, o ambiente na sala de aula em que ressalta o papel da disciplina, o valor social da educação enquanto potenciador da mobilidade ascendente e o próprio sistema de valores que tende a orientar condutas, atitudes e comportamentos dos seus alunos.

No caso português a evidência estatística não deixa grandes dúvidas. Não obstante o limite máximo da dimensão das turmas se situar nos 28 alunos, a moda varia, de acordo com os diferentes níveis de ensino, entre os 20 e os 22. Porém, é nas escolas com turmas de dimensão acima da média que se obtêm os melhores resultados, nomeadamente aquelas que se situam em regiões de maior dinamismo demográfico e com um índice de urbanização mais elevado. São as pequenas escolas, com poucos alunos, situadas nas regiões mais deprimidas e inseridas em meios rurais que apresentam as maiores taxas de insucesso escolar e, por conseguinte, menor esperança de escolarização à entrada do sistema educativo.

(continua...)

David Justino

Nota : Publicado na revista "O Economista – Anuário da Economia Portuguesa", 2003, pp. 130-132.
A segunda e última parte deste artigo será publicada amanhã, dia 14 de Setembro.

Publicado por António Duarte 18:25:00  

1 Comment:

  1. zazie said...
    Parabéns à GL pelo texto. Quanto ao dito, fico à espera da 2ª parte. Com todo o respeito, até aqui não vi mais que medidas de âmbito economicista sem grande novidade...

    Algumas parecem-me mais um espantar fantasmas sem grandes concretizações. Por exemplo: que é isso de dicotomia escola privada/escola pública? Eu não sei. Não conheço. Tirando as escolas que nem seguem o programa nacional ou que não estão oficializadas para oferecer diploma, as outras são iguais. Igualmente más. Umas piores que outras mas o mal é o mesmo. Já nas que não oferecem diplomas até conheço casos excelentes a nível artístico... E são boas porque não entram no sistema “;O))

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