"Governo da Justiça ou Justiça do Governo"
sexta-feira, setembro 17, 2004
No CEJ, com alguma pompa, o ministro da Justiça discursou e anunciou um conjunto de boas intenções que constituirão objecto de um pacto de regime para aquele sector da política nacional. O governante afirmou que, para a necessária reforma, o Governo fica aberto, além dos profissionais do foro, a todos os que pretendam participar civicamente.
Levando a sério as palavras do ministro, e logo no mesmo dia à noite, ante as câmaras da TV, surgiu um "professor universitário", ex-juiz da área criminal durante quinze anos e que, nesse mesmo dia, via publicada no Diário da República a concessão da sua "licença sem vencimento de longa duração" .
Vergado ao peso da sua longa tese de mestrado, ou doutoramento, com ar muito circunspecto como cabe a um académico, o entrevistado logo se prestou ao serviço cívico solicitado pelo ministro. Advogou, sem qualquer argumento, a subordinação do Ministério Público ao ministro da Justiça de quem deveria receber ordens genéricas de modo a evitar que os magistrados pensassem e actuassem de modo diverso.
Falou na "tese minimalista" do PSD e na "tese maximalista" do PS quanto à reforma do processo penal. Quando lhe pediram que concretizasse, nada...
Ficou a saber-se, pelo menos aparentente, que, na tese do novel académico, o Governo, pelo respectivo ministro, passaria a dar ordens ao Ministério Público, através do PGR.
Os códigos penais e de processo que vamos usar estarão anotados e comentados não, como até aqui, pela jurisprudência e mestres de direito, mas pelos despachos do ministro, ou, quem sabe?, mesmo por ofícios.
Teremos uma interpretação autêntica das leis, como se faz nas repartições administrativas.
Já aqui escrevi não há muito tempo que a autonomia do Ministério Público era, como ora se diz, um tema recorrente. Ignoro se o ministro a tinha em mente ao discursar, mas recordo que o actual presidente da Comissão Europeia, enquanto primeiro ministro, afirmou que " a autonomia do Ministério Público não estava, nem estaria em em causa".
E recordo ao académico que tal autonomia está na Constituição e não se vislumbra, nos tempos mais próximos, qualquer revisão desta. A opção do legislador constitucional por um Ministério Público autónomo, o que não quer dizer que não preste contas ao poder político, ou por um corpo de funcionários, é a opção que separa uma visão democrática da justiça daqueloutra autoritária. A última seria o regresso ao Estatuto Judiciário, de muita má memória e ao 24 de Abril de 1974.
Funcionalizado, creio até, ou concedo, que o Ministério Público seja mais eficaz, mas já duvido, de todo, que aí esteja para garantir, ele também, a separação dos poderes e a independência dos tribunais.
Admito mesmo que o Ministério Público, pela PGR, esteja mais próximo do poder político, mais colaborante e muito mais atento à política criminal dos órgãos de soberania a quem cabe definir tal política.
Para isso, suponho, nada exige a funcionalização do Ministério Público, bastando que o Ministro e outros representantes do governo e da Assembleiada República cumpram os deveres e direitos que já lhes estão cometidos pelo Estatuto do Ministério Público.
Se meterem a mão na consciência, digam-me quantas vezes, ao longo de todos estes anos, colaboraram, nos órgãos próprios do Ministério Público como lhes compete.
Recordo que, além do ministro da Justiça ter o poder de pedir esclarecimentos e fazer comunicações nas reuniões do Conselho Superior do Ministério Público, este tem no seu seio cinco membros eleitos pela Assembleia da República e dois designados pelo ministro da Justiça. Adiante. O senhor ministro asseverou que a data limite para "assinatura do pacto" era Janeiro de 2005.
Não faça isso, senhor ministro. Até lá não vai fazer nada.
Lembra-se de que o Dr.Durão Barroso nos prometeu bem alto que em Março deste ano ia apresentar uma reforma do processo penal e código penal? E mais. O Governo pode aprovar, e tem legitimidade, as reformas que entender, contra ou sem o acordo de toda a agente. E depois?
V.Exª conhece as magistraturas, os advogados, os funcionários?
Lembra-se do Dr. António Costa ter afirmado, muito alto, que "...os ministros vão, os magistrados, advogados e funcionários ficam..."?.
Pois é, sr. ministro, a justiça, na prática e no terreno, fazem-na os magistrados, os advogados, os funcionários. Sem eles, nada, o ministro demite-se e vem outro, depois outro e por aí fora. V.Ex.ª já se deu ao labor singelo de contar o número de ministros da Justiça que houve cá em casa só depois de 25 de Abril?E isto nem é corporativismo, é conhecimento que provém não de ser académico, mas de andar "por cá" há trinta e tal anos.
Como V.Excª aceita sugestões de qualquer cidadão, intervenção cívica, eu atrevo-me a dizer:
- Organize uma reforma, o mais profunda possível, do Governo da Justiça, mas não da Justiça do Governo.
- Reformule o código de processo penal, expurgando-o de tudo o que é desnecessário.
- Acabe com a fase de instrução que, em noventa por cento dos casos, de nada serve.
- Acabe com os recursos para os tribunais superiores nas contra-ordenações.
- Acabe com as audiências no STJ e Relações, pois não servem para nada.
- Acabe com o recurso sobre matéria de facto, por transcrições ou cassetes. Isso é apenas bizarro e não digo o que se passa....
Se o "Grupo de Missão" for competente, pode reduzir tal código de quinhentos e tal a pouco mais de duzentos artigos.
Para dar satisfação ao barulho que anda por aí, V.Excª, senhor ministro, regulamente de modo mais claro o segredo de justiça (pode aboli-lo nalguns crimes), as escutas telefónicas (cuidado que fazem muita falta para investigar a grande criminalidade), a prisão preventiva (deve ser-se mais exigente nos respectivos pressupostos).
- Quanto à política criminal, não é justo "criminalizar" o Ministério Público, a Polícia Judiciária ou outras instituições.
Não é, porque nunca houve alguma. O Governo ou a AR que a definam. Mas não se esqueça da grande criminalidade, da corrupção, da fraude fiscal, do tráfico de estupefacientes, do branqueamento do dinheiro.
- Quanto ao Estatuto do Ministério Público, sugiro só duas alterações que pedem pão para a boca - se quer que o MP dirija o inquérito, as polícias de investigação têm de estar sujeitas à PGR, se quer que os membros do CSMP exerçam todas as funções altere o estatuto de modo a que só exerçam funções no conselho.
De contrário, não exija ao Ministério Público, antes aos órgãos de investigação, que cumpram, nem exija aos magistrados que façam o que toda a gente vê que não podem fazer.
Exija, sem reservas, às estruturas superiores do Ministério Público que prestem contas dos resultados que obtêm na execução da política criminal que o Governo ou AR definirem.
Antes, diga que política é essa. Ou então, se quiser ficar na história retrógrada siga o exemplo do tal académico e transmude o Ministério Público em funcionários.
Aqui tem, Sr.Ministro, a minha modesta mas cívica colaboração.
Sou, ou quero ser, um cidadão colaborante.
Alberto Pinto Nogueira
Publicado por josé 10:33:00
4 Comments:
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Eu iria até mais longe: o ministro deve estar sujeito ás ordens do PGR. Até o Governo deveria estar (como no tempo do Cunha Rodrigues).
O Ministério Público nºao precisa de votos: os políticos vão e vêm, mas os magistrados ficam.
Quanto ao CPP, também concordo com o Pinto: reduza-se aquilo não a 200, mas a uns 50 artigos. Se o mesmo criminoso, de facto, a experiência do MP saberá ver isso, seguramente. E depois, não é afinal o MP que representa o ESTADO??! Ora, se representa o ESTADO, quer isso dizer que defendem os nossos interesses. Para que e que precisamos de mais gente a fazer isso, e ainda por cima em part-time, como no caso dos políticos???
Quanto aos advogados, eles fazem o seu papel, e por isso são pagos a poder fazer o seu trabalho, mas convém retirar isso dos recursos, que é só uma maneira de ganharem mais dinheiro. Até por uma questão de conveniência, devem continuar.
Também concordamos (no nosso movimento nacionalista) com o fim da instrução. Se há uma acusação do MP, julgue-se e pronto. A instrução só serve para dar direitos a criminosos, nada mais. E o que prova isso é exactamente o facto de só uns 10% servirem para alguma coisita.
FORÇA, PINTO, PORTUGAL ESTÁ CONTIGO.
A BEM DA NAÇÃO.
Os senhores são argutos, muito argutos.
Porém, como já um poster aqui disse, para fazer ironia é preciso ter talento e saber. Os Senhores não têm talento e não percebem nadinha do tema. Calem-se.
Parabéns ao PN.Fez o que pôde e outros muito sabedores nada fazem.