debate
"Da Educação ou os pecadilhos de David Justino"



A seus pés, sentados, os dois rapazes sorriam perplexos, cépticos, contrariados, irritados por tanta ideia, tanto pensamento, tanta informação, tanta coisa que nada lhes dizia

[Jorge de Sena, in Andanças do Demónio]

O texto, sumário e pretensamente recenseador, de David Justino sobre o "inventário" de fim de exercício da governação à frente do Ministério da Educação, para além da multivariedade de leituras que o debate necessariamente sugere, estabelece confusões, ambiguidades e perplexidades várias, que no invés de serem noviciadas enunciam a repetida pragmática situacionista dos que se movem nas malhas do sistema e do seu discurso. Ao conjunto de problemas que envolvem estruturas, pessoas, práticas e relações, que o território escolar configura e que a cultura de massas há muito desestabilizou, David Justino, deixando de lado tais sequelas porque, presume-se, sociologicamente inúteis, inscreve um exercício intelectual onde é visível a aproximação insuspeita entre objectivos educacionais e a política económica. Daí que o desassossego educativo, as práticas instrutivas ministeriais e a catástrofe das várias luminosas reformas educativas, só sejam explicitadas a partir de um velho/novo economicismo na tutela do Estado, um verdadeiro oásis do economicus, evidentemente sob a domesticação dos burocratas da política.

A situação é esta. Ao estabelecer um paralelismo entre os métodos de reorganização do Sistema Educativo e o sistema industrial pós-moderno, os novos desafios de David Justino assumem uma necessária reestruturação do sistema de ensino de modo a acompanhar a relação funcional entre a Escola e o processo produtivo, e portanto com recurso a modernas teorias de gestão empresarial, aplicação da teoria e prática do management, projecção de critérios de máxima racionalidade, planificação da gestão e avaliação do processo educativo. A performatividade escolar assim entendida caminhará, necessariamente no futuro, para uma separação entre direcção e gestão escolar, ultríssima panaceia para a solução dos problemas educativos.

Ao considerar-se tal paradigma, a Escola é tomada como uma qualquer organização formal sem "construído cultural" e na qual os vários clientes escolares cooperam com inteira liberdade, mantendo-se ao mesmo tempo como agentes livres. E à gestão diária das relações escolares na lógica empresarial menospreza-se competências científicas e pedagógicas, sociais, culturais e afectivas. Suprema ilusão.

Por recato, David Justino, não impõe a figura do reitor (como Bénard da Costa sugere), aparentemente supondo que o órgão não faz a função. Mas nunca fiando. É que, de facto, a organização escolar, sendo uma "realidade que organiza", estrutura-se a partir de regras formais, não formais e informais, possuindo uma cultura e identidade própria, o que sugere a inscrição de práticas e jogos comunicacionais entre os seus clientes, em estruturas democráticas. Assim, o curriculum, os conteúdos programáticos, os métodos de ensino, a avaliação de alunos e docentes, a aceitabilidade de regras impostas à comunidade, o controlo disciplinar de alunos e professores, para além do repensar da linha orientadora em cada ciclo de ensino e da consagração da autonomia escolar, são referências fundamentais ou tópicos de reflexão e acção urgentes. Manifestamente David Justino entende que tais conceitos são meros estereótipos comuns, sem qualquer fundamentação ou linha conceptual credível. É é pena que assim seja.

in Almocreve das Petas

Publicado por Manuel 17:32:00  

2 Comments:

  1. Anónimo said...
    Muito bem escrito
    Muito bem citado
    Agradecidos
    MJ
    zazie said...
    Bem, eu nos primeiros 5 pontos também foi isso que encontrei. Não tenho é conhecimentos sobre o assunto para ir tão longe nas críticas.
    Não gostei mas deu-me que pensar. Pelo menos foi a primeira vez que um ex-ministro tem a coragem de mandar estes pontos para um blogue e, só por isso, foi muito positivo.
    O que me deu que pensar foi outra coisa... fica-se com a ideia que mais do que um pensamento acerca do ensino existe um pano de fundo ideológico em que este tem de encaixar. De certo modo parece-se com um texto da Filomena Mónica ou mesmo do António Barreto, em forma de combate a um tradição de esquerda na educação. Como exercício vale o que vale. Eu preferia encontrar-lhe um pensamento mais realista, mais positivista e concreto. No entanto os DJ assume no título a intenção do texto: são 7 pontos contra o preconceito do “bom selvagem” no ensino... Os 2 últimos deviam ser de leitura obrigatória numa aula de formação pedagógica “:O)))
    O que eu queria agora era outros tantos como propostas, preconceitos à parte...
    Se é verdade que o tecnicismo nem sempre traz grandes resultados, a sua substituição por uma ideologia reactiva e de combate também não é bom sintoma... Uma boa teoria de educação não tem de ser uma justificação das políticas económicas em vigor.

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