Carta Aberta a Pedro Santana Lopes


Sr. Primeiro-Ministro,

Dirijo-lhe esta missiva da forma mais desapaixonada e descomprometida possível, fui contra a forma como chegou a Primeiro-Ministro, nunca o apreciei particularmente enquanto político e ainda menos o apreciei enquanto autarca. Dito isto, e sem ilusões, o facto é que V.a Ex.a é Primeiro-Ministro de Portugal.

Ambos sabemos que das palavras os actos vai uma grande distância, ambos sabemos como é importante o parecer, infinitamente mais que o ser, a tal gestão da imagem e da agenda de que todos falam e que V. tão bem parece dominar, e ambos sabemos que o País atravessa circunstâncias extraordinárias (não pelo facto de ter o Primeiro-Ministro que tem) derivadas de anos e anos de reformas adiadas e de problemas olimpicamente ignorados.

Não confiando em sí, desconfiando da sua equipa e de muitas das primeiras e emblemáticas medidas tomadas nomeadamente a, pelo menos para mim, absolutamente irracional reorganização ministerial, V.a Ex.a tem porém por estes tempos uma oportunidade soberana de me comprovar, a mim, e a muitos, que estou enganado e que de facto tem a fibra, a estaleca, a visão e o sentido de Visão e responsabilidade que se exigem a um Primeiro-Ministro digno desse nome.

V.a Ex.a diz, corroborado pelo seu ministro Nuno Morais Sarmento, que chegou o tempo das reformas, das reformas a sério, estruturais e globais. V.a Ex.a afirma-o e eu assino por baixo.

Mas como saberá muito melhor que eu as reformas, as grandes reformas, não se fazem a um ano, dois anos, levam muito mais tempo, fazem-se a quatro, oito anos, senão a uma década. E serão reformas necessariamente dolorosas porque mexerão com muitos de nós dado o peso insustentável que o Estado continua a ter na Economia e na Sociedade.

Ora de boas intenções está o Inferno cheio e V.a Ex.a sabe que não pode nem tem condições para reformar a sério por exemplo a administração pública a dois anos de eleições legislativas, sabe que não pode fazer qualquer reforma a sério, de longo prazo, sem que perca as eleições.

Ora o seu sentido de Estado e de sacrifício não lhe permitirá uma coisa dessas. V.a Ex.a julgará que com uns remendos aqui, outros ali, uma gestão criteriosa de inaugurações e happenings, serão suficientes para chegar a 2006 e ser reeleito Primeiro-Ministro. Concedo que assim possa ser, dado o facto de o PS mesmo depois de se ter visto livre do inadjectivável Ferro estar no estado lastimável em que se apresenta, mas também lhe digo que actuar assim é adiar o País ainda mais, adiar o que é inadiável e completamente irresponsável

Mas V.a Ex.a tem outra saída, muito mais sensata e responsável, uma saída que humildemente aqui lhe sugiro.

Apresente um Orçamento de Estado para 2005 realista e de contenção e a seguir, legitimado em Congresso do PSD, vá ter uma conversinha com o Dr. Sampaio.

Explique-lhe que a situação do País é grave e que não se resolve mais com paninhos quentes, diga-lhe que as reformas que quer fazer são de grande envergadura, de uma legislatura, algumas mesmo mesmo duas, e que quer a legitimação do País, diga-lhe que agora que Ferro não é arguido, perdão líder do PS, não há riscos de terramotos de proporções biblícas, diga-lhe em suma que quer no ínicio do próximo ano ir a votos.

A votos com propostas muito concretas, com um pacto perante o país. Um pacote de reformas, e de sacríficios, que propõe aos portugueses em troca de a prazo, 4 a 8 anos termos um país e um Estado de que nos possamos orgulhar. Diga ao Dr. Sampaio que encararia essas eleições como uma espécie de referendo, à reforma séria e profunda da administração pública, da legislação laboral, do sistema de finanças públicas, do sistema fiscal, a reorganização a sério administrativa e territorial (antigamente se a memória não me falha V.a Ex.a era um regionalista lembra-se?), a uma reforma até do sistema político e eleitoral.

Diga ao Dr. Sampaio que dada a magnitude das tarefas a que se propõe e dado o estado em que encontrou o País (como se não o conhecesse, mas enfim) só assim - com o inequívoco mandato popular e sem constrangimentos de calendário eleitoral - se sente legitimado, politica e moralmente, para continuar a governar.

Não basta, Sr. Primeiro Ministro, dizer que há problemas, há que mostrar coragem e firmeza para os combater. Mostre que tem, quer a coragem quer a firmeza, e sobretudo o despreendimento de ir a votos, de desafiar o País para um projecto de modernidade, a levar a cabo em não uma mas duas legislaturas. Ouse.

Para terminar, deixe-me que lhe diga que não acredito nem por um segundo que tome qualquer das medidas que lhe sugiro acima, talvez as interprete até como um qualquer presente envenenado. Sou assim um pessimista, que por uma vez gostava de ter uma surpresa agradável.

Atenciosamente,


Publicado por Manuel 18:47:00  

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