O MP, a PGR e a "Aldeia Global"

A propósito de alguns processos mais mediáticos tem-se falado muito do segredo de justiça.

Segundo as luminárias da praça a vítima do dito segredo são sempre os acusados e os maus da fita sempre a acusação personificada no Ministério Público.

Tomemos como exemplo o Caso Pio - nunca tanto sobre um caso se "debateu" e nunca tanto se continua a desconhecer sobre o mesmo. Somos permantentemente intoxicados com visões unilaterais das defesas, com fugas cirúgicas, com extractos do processo - quantas vezes descontextualizados - mas nunca, em tempo algum, com a visão global do Processoe da acusação.

Serve isto para ilustrar que no caso presente do Processo Pio a principal vítima do segredo de justiça, tal como ele se encontra presentemente definido e é interpretado, não são os arguidos - como se quer fazer crer - mas o Ministério Público, que devido ao dever de reserva a que se encontra obrigado não se pode defender adequadamente.

Dirão alguns, a um não jurista como eu, que isto não é relevante porque os casos se decidem nos tribunais e estes não são intoxicáveis
. Sem elaborar sobre o grau de pureza presente em algumas instância do nosso sistema judicial o facto incontornável é que ninguém - juiz, futuro jurado porventura - vive isolado do resto do mundo pelo que as percepções que nos entram casa dentro por via da comunicação social acabam elas próprias por ser determinantes, porventura decisivas, já que todos somos "animais" sociais.

Quer isto dizer face ao manifesto desiquilibrio existente actualmente qualquer alma a quem o processo caia, por esta ou aquela razão, no regaço, e não o tendo acompanhado desde o início, já tem, por força dos factores ambientais, uma opinião pré-formada sobre o mesmo. Por outro lado, este manifesto desiquilibrio informativo acaba por imunizar os actores de uma certa "fiscalização" inter pares já que, face ao nível e grau de contra-informação existentes, tudo passa a ser admissivel, e tolerado, mesmo atentados autênticos às mais elementares regras da lógica e bom-senso

Em suma, e no actual estado das coisas, o Ministério Público parte sempre em manifesta desvantagem, facto que nos devia fazer pensar a todos...

Uma última nota para recordar que aquando da decisão de não pronuncia relativa ao processo que visava apurar as causa da queda da ponte de Entre os Rios muito se falou sobre as virtualidades do actual modelo de instrução. Curiosamente por estes dias ninguem evoca o tema...

Publicado por Manuel 20:19:00  

1 Comment:

  1. Gomez said...
    Compreendo o que o Venerável Grão-Mestre Manuel defende e, no caso concreto a que se refere, em boa parte dou-lhe razão. Daí ser inteiramente legítimo, por exemplo, o recente comunicado da PGR sobre a interposição de recurso, face às declarações de outros intervenientes e às diversas manobras de intoxicação que aparentemente se verificavam.
    Mas não generalizemos na vitimização do MP, nem ponhamos as mãos no lume pela sua imaculada inocência e recta conduta nesta matéria.
    Deixo, à guisa de provocação, três questões problematizantes:
    a) Verificaram-se ou não, neste e noutros casos, violações do segredo de justiça, prejudicando objectivamente os arguidos, em fases processuais particularmente sensíveis em termos da "gestão" das percepções do público sobre o processo e nas quais os arguidos e seus defensores não tinham nem podiam ter acesso aos elementos divulgados?
    b) No tocante ao “segredo interno” e em especial aos factos que fundamentam a aplicação de concretas medidas de coacção, é ou não verdade que o MP e os juízes de instrução vinham perfilhando, salvo honrosas excepções, interpretações flagrantemente inconstitucionais, com prejuízo para o exercício de elementares direitos de defesa e que só a insistência de Advogados de defesa, junto do TC, permitiu repôr a legalidade que ao MP cabia defender?
    c) O que se passa com os incontáveis inquéritos que alegadamente correm no MP em matéria de violação do segredo de justiça, designadamente no caso Casa Pia? A sua pendência sem resultados conhecidos ao fim de longos meses contribui, ou não, objectivamente, para a sensação de impunidade reinante?

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