"Magistrados e a «Bola»"


O Mangadalpaca pouco sabe de Futebol.

Sabe que se joga com onze jogadores de cada lado, uma bola, e três, digo, quatro árbitros.

Sabe, também, que vai ocorrer um Campeonato Europeu – o Euro 2004, em terras lusas.

E sabe que, a determinada altura, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), entidade com tutela pública estadual, se desmembrou, relativamente ao futebol profissional, por razões de conveniência operacional e de estratégia de agilização (sim, que os profissionais do desporto-rei são ágeis), noutra estrutura associativa – a Liga Portuguesa de Clubes (de Futebol profissional), vulgo a Liga (?!?).

Vários magistrados integram (e outros integraram, desde há alguns anos) órgãos destas duas entidades, sobretudo os que detêm competências disciplinares ou jurisdicionais (os conselhos de disciplina, de jurisdição e de justiça).

E recebem umas «senhazitas» de presença (nas reuniões, cujo valor agora nem sequer interessa revelar), e fazem umas viagens a acompanhar a selecção portuguesa, etc, etc, acumulando, pois, funções em órgãos de soberania – os tribunais onde estão colocados – com funções nesses órgãos de instâncias desportivas.

E, pelo menos alguns, acumulam, também, os respectivos vencimentos e os montantes pagos por essas entidades (FPF e Liga).

Já muito se falou sobre a admissibilidade deontológica, ética e estatutária da acumulação de tais funções e remunerações. A Constituição e os Estatutos funcionais apontam, inequivocamente, para a impossibilidade de se auferir qualquer remuneração pelo exercício de tais cargos, mas parecem não impedir que os mesmos sejam exercidos.

Impõem, todavia, que tais funções sejam autorizadas pelos respectivos Conselhos Superiores das magistraturas.

É certo que muitos magistrados que estão (ou estiveram), em tais órgãos – tenham ou não auferido os referidos montantes – lá estão (ou estiveram) desinteressadamente, com desvelado espírito de dedicação a uma causa de eventual interesse público, e desempenharam com isenção e probidade as inerentes funções.

Mas, é manifesto que não terá sido essa a razão pela qual foram convidados para aqueles órgãos.

A verdade é que, objectivamente, o exercício daquelas funções por magistrados profissionais emprestou um halo de honorabilidade e seriedade à actuação das ditas instituições, de que careceriam se não fosse a sua intervenção.

Se assim não fosse, por que razão os responsáveis da FPF e da Liga não convida(va)m, para os mencionados lugares magistrados jubilados e outros juristas (solução que seria mais compreensível, por conjugar a experiência decisória e jurídica das pessoas e sem o inconveniente da acumulação)?

Vem esta «arenguice» a propósito da provável deliberação do Conselho Superior do Ministério Público no sentido de impor aos magistrados que supervisiona (e que se sabe integrarem alguns desses órgãos), que renunciem aos cargos que presentemente ocupam.

Segundo o JN de 30 de Maio, o CSMP irá deliberar sobre o assunto na próxima reunião – dia 6 de Junho – mediante a apresentação de um parecer de um dos seus membros, o Prof. Dr. Rui Pereira.

Segundo a mesma notícia, alguns magistrados teriam já enviado cartas de renúncia dos órgãos que integram e restituído, ou protestado restituir, os montantes obtidos por essa forma.

Porém, aqui, começa verdadeiramente, o tormento existencial do Mangadalpaca, que brevitatis causa, o vai compendiar nas seguintes perguntas:
  • Esses magistrados estão (ou estiveram) nesses órgãos desportivos com conhecimento e autorização dos Conselhos Superiores?

  • Qual a razão pela qual, só agora, os Conselhos Superiores se mostram preocupados com tal problema, quando é sabido que sempre contemporizaram com as situações que eram do conhecimento público
    (lembremo-nos que um juiz conselheiro no activo acompanhou à PGR os presidentes da FPF e da Liga, aquando do «desagravo» pelas declarações de Maria José Morgado, sobre as ligações perigosas do Futebol)?

  • Caso os magistrados em causa não apresentem a renúncia voluntariamente, de que forma serão compelidos a fazê-lo? Através de acções de destituição, propostas pelo Ministério Público?

  • As deliberações/decisões dos ditos conselhos (disciplina ou de justiça, ou de jurisdição) em que tenham participado os mencionados magistrados, e que ainda não se tenham consolidado em termos jurídicos, serão anuladas?


É claro que o problema é estrutural, mais uma vez.

Num contexto paroquial que é, afinal, o nosso, nunca ninguém pensou em criar Tribunais Desportivos ou Secções Desportivas dos Tribunais, instâncias jurisdicionais especializadas onde os magistrados seriam colocados por concurso e se acabaria, de vez, com todas as insinuações e inconveniências?

Força Portugal (não confundir com Força Portugal)

Mangadalpaca


Publicado por josé 15:37:00  

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