José António Lima no Expresso Online


A ministra da recessão

OS SINAIS vinham-se multiplicando nos últimos meses. Anteontem, o Banco de Portugal veio confirmá-los e tornar reais as mais negras expectativas. Em 2003, o PIB deverá decrescer mais de 1%, o consumo interno está em queda, o investimento ainda mais e o défice orçamental - sem medidas extraordinárias - ficará acima dos 5%. Face a esta certidão de recessão, Durão Barroso diz que «não há alternativa a esta política de contenção orçamental». E, de derrapagem em derrapagem, a ministra das Finanças afirma ter recebido este diagnóstico sombrio «da forma mais positiva possível». Imagine-se qual.

Ora, a questão central da política económica e financeira do país não é, ao contrário do que sugere Durão Barroso, estar-se de acordo ou em desacordo com a política de contenção orçamental. O problema é a avaliação dos resultados da aplicação dessa política pelo Governo, a determinação da sua eficácia. Que, pelos vistos, é mínima.

Se, em 2001, o défice público ficou, depois de muita controvérsia e culpabilização do Governo socialista, fixado em 4,1% do PIB, em 2002, já com Manuela Ferreira Leite no comando das finanças públicas, acabou por atingir 4,2% depois reduzidos para 2,7% graças a receitas extraordinárias de 1,5% do PIB (portagens da CREL, perdão fiscal de fim de ano, etc.) Ora, em 2003 o Banco de Portugal prevê agora que o défice suba até aos 5%...

Donde se conclui que a férrea política de contenção do Governo de Durão Barroso, além de constituir um inevitável travão ao relançamento da economia (o que seria, para muitos, aceitável em nome do rápido saneamento e regularização das contas públicas), nem sequer está a conseguir os efeitos desejados (e prometidos) no défice público.

É que, além dos custos sociais desta política de contenção e austeridade - desemprego em crescimento contínuo, inflação a crescer acima da média europeia e salários reais com crescimento nulo ou negativo -, não se vê quando conseguirá Manuela Ferreira Leite colocar ordem e rigor nas contas do Estado. As receitas caíram drasticamente e a despesa continua a subir, apesar de todos os esforços, cortes e restrições.


O Presidente da República dizia, há poucas semanas, que «os sacrifícios só valem a pena se houver verdadeira consolidação orçamental». Ora, ao fim de um ano e meio de governação PSD/CDS, não se vê, tanto do lado da despesa como do lado da receita, qualquer vislumbre de consolidação orçamental.

As despesas primárias e correntes do Estado não cessam de aumentar de ano para ano, ainda que o seu crescimento se tenha atenuado com a saída de custos dos hospitais-empresarializados. O clientelismo continua a ditar as nomeações e admissões no aparelho de Estado, o despesismo de autarquias e governos regionais permanece incontrolável. Por seu lado, as receitas ressentem-se naturalmente da recessão da economia e, em acumulação, de níveis de evasão fiscal que se mantêm indecorosos em termos europeus. Por este andar, nem em 2006, quando o Governo for avaliado em eleições pelos portugueses, a ministra das Finanças terá alcançado a célebre consolidação orçamental.

Cavaco Silva, insuspeito de qualquer antipatia por Manuela Ferreira Leite, afirmava, na passada semana, que «o défice é um instrumento de pressão para evitar políticas erradas do Governo» e para se levarem à prática reformas estruturais. E alertava: «Mas se o 'monstro' da despesa pública continuar gordo e anafado, se não se travar a fuga ao fisco e se não se resolver o desequilíbrio da segurança social, então a política está errada».

Ao fim de ano e meio, constata-se que, apesar das tentativas da ministra, o monstro continua gordo e anafado. Que a fuga ao fisco atinge valores gigantescos e que o combate à brutal evasão fiscal se tem limitado a paliativos, por falta de coragem política. Que o desequilíbrio da segurança social, em particular da ADSE e do funcionalismo público, permanece irresolúvel. E que a maioria das anunciadas reformas estruturais não passou, ainda, das intenções ou do papel.

Na lógica de Cavaco Silva, isto só pode significar que a política está errada. Ou que a sua execução revela uma confrangedora ineficácia.

Em relação a esta prosa, como em relação à anterior de Fernado Lima, só uma nota para salientar que há um Ministro, que discreta e paulatinamente está a cumprir o seu dever, e a obter resultados, e esse ministro chama-se Carlos Tavares. A par de Marques Mendes é o único.

Publicado por Manuel 01:13:00  

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