Exposição mediática

Um cronista judiciário, já um habitué em intervenções públicas nos media, incluindo televisivos, é Rui Rangel.
Juiz desembargador na Relação de Lisboa, em secção cível, segundo parece, escreveu uma crónica no Correio da Manhã, citada pela revista In Verbis, a zurzir nos catedráticos, ausentes da prática, e que não entendem as particularidades da aplicação da prisão preventiva, pelos juízes de instrução.

Rangel que já disse numa entrevista, a propósito da lei de política criminal que era preciso pôr o MP na ordem e que essa Lei de Política Criminal, do governo que está, era “equilibrada e sensata”, descobriu agora, na lei penal e processual penal , uma fonte de equívocos e desmandos, por conta do mesmo Executivo, por causa de o limiar da prisão preventiva se situar agora nos cinco anos de prisão, como medida abstracta de penas.

E escreveu então, assim, na croniqueta do jornal, citada pela revista In Verbis:


Assim, nos crimes de violência doméstica, de falsificação de documentos e passagem de moeda falsa, de burla qualificada, de furto qualificado (como os praticados como modo de vida), de corrupção activa, de sequestro (em certos casos), de lenocínio de menores, de pornografia de menores, de abuso sexual e de violência de crianças (em algumas situações), de maus tratos a menores e idosos, de subtracção de menores, de associação criminosa, de insolvência danosa, de resistência e coacção sobre funcionários, de tráfico de influências, de ameaça ou coacção, de falsidade de depoimento ou de declaração, de denúncia caluniosa, de favorecimento pessoal, de ofensa à integridade física (em algumas situações), não pode ser aplicada a prisão preventiva, porque a moldura penal abstracta é igual ou inferior a cinco anos de prisão e desde que, naturalmente, não estejam reunidos outros pressupostos para a sua verificação.

Tais crimes representam a maior fatia dos previstos no Código Penal.
E não adianta argumentar-se com a noção de criminalidade violenta prevista na lei processual penal, aplicável a crimes puníveis com pena de prisão superior a três anos, para defender o indefensável, ou seja, a prisão preventiva.
Ao decretar a prisão preventiva, o juiz de instrução deve, apenas, atender à natureza dolosa do crime e às molduras penais abstractas tipificadas no CP, em conjugação com os requisitos gerais, isto é, perigo de fuga, perturbação da prova e da paz pública ou continuação da actividade criminosa.
Pretender o contrário é tentar caucionar mais uma das incongruências do legislador. É um caminho cheio de minas e armadilhas.
A prisão preventiva transformou-se no buraco-negro da reforma penal.

Um comentador em pseudónimo, na referida revista, fez as contas, foi ler a lei e escreveu assim:

Não, nem tudo o que está escrito no texto é correcto.
Aliás, salvo o devido respeito, o texto está cheio de incorrecções, no que se refere aos exemplos dos crimes relativamente aos quais teria deixado de ser possível a aplicação de prisão preventiva.
É verdade que actualmente vigora a regra geral segundo a qual a prisão preventiva só é aplicável a crimes puníveis com prisão superior a 5 anos (anteriormente prisão superior a 3 anos) - alínea a) do artigo 202º do CPP.
Mas, depois da alínea a) vem a alínea b). Esta alínea b) é especialmente importante, pois permite também a prisão preventiva para os casos de criminalidade violenta ou altamente organizada, desde que puníveis com prisão superior a 3 anos. As alíneas j) e m) do artigo 1º do CPP dizem-nos o que, para o CPP, são criminalidade violenta e criminalidade altamente organizada.
Na criminalidade violenta cabem os crimes de violência doméstica e resistência e coacção sobre funcionário, já que em ambos os casos estão em causa condutas dolosas que se dirigem contra a vida, integridade física ou liberdade pessoal e são punidas com pena igual a 5 anos de prisão.
Na criminalidade altamente organizada estão expressamente incluídos os crimes de associação criminosa, corrupção e tráfico de influências.
Portanto, todos os referidos crimes continuam a admitir a aplicação da prisão preventiva, ao contrário do que o texto erroneamente refere.
Por outro lado, o texto dá ainda exemplos de vários crimes que actualmente não admitem a prisão preventiva, mas que, acrescento eu, já não o admitiam anteriormente, pois que são punidos com prisão até 3 anos.
Estão aqui em causa os crimes da ameça, da coacção, os casos menos graves de sequestro, da falsidade de depoimento e declaração, da denúncia caluniosa, do favorecimento pessoal e da ofensa à integridade física simples.
Ou seja, em relação a estes crimes está tudo como dantes e nada mudou com a reforma do CPP.
Restam assim, do catálogo de crimes referidos no texto, alguns poucos casos de crimes punidos com prisão superior a 3 anos mas não superior a 5 anos, em que era anteriormente admissível a prisão preventiva e actualmente já não o é.
São os casos da falsificações do n.º 3 do artigo 256º do CP, da passagem de moeda falsa (se não for de concerto com o falsificador, pois aqui pode ser aplicada a prisão preventiva), de algumas burlas qualificadas do n.º 1 do artigo 218º do CPP (as burla qualificadas do n.º 2 admitem prisão preventiva), o lenocínio de menores (excepto se operar a agravação do artigo 177º do CPP, altura em que a prisão preventiva já é admissível) e a insolvência dolosa.

E deixa um comentário que é a razão desta subscrição dos dois textos tirados ao InVerbis:

Antes de se opinar, devem fazer-se os trabalhos de casa, exigência se aumenta quando se trabalha num tribunal superior. Não há pior coisa para combater uma reconhecidamente má reforma legislativa do que usar argumentos maus e errados.

Oribem.

Publicado por josé 14:41:00  

1 Comment:

  1. Josão said...
    Vou pedir a devolução do preço do jornal. Afinal, o ORIBEM é que tem razão: não fazem os trabalhos de casa. Isto é o cabo dos trabalhos ... do trabalho.

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