Contra a anomia
segunda-feira, setembro 29, 2008
As noticias veiculadas pelos jornais destes últimos dias, acerca da atribuição de casas camarárias, pela autarquia de Lisboa, durante os últimos trinta anos, suscitaram reacções de perplexidade, de desvalorização, de contextualização e de aceitação anómica também.
Até um certo ponto, as notícias, davam conta de pedidos específicos de algumas entidades, em favor de indivíduos carenciados.
Misturando as atribuições quase discricionárias, com entregas das chaves por favor pessoalizado a determinadas pessoas, apontavam também as atribuições em função de verdadeiras necessidades humanitárias, embora por processos idênticos: a habilitação discricionária, decidida por uma só pessoa, incluindo , às vezes, a intervenção do próprio presidente de autarquia.
A notícia do Expresso desta semana, clarifica um pouco melhor: "Habitação cedida sem regras ou controlo".
Alguns exemplos apontados pelo jornal, no entanto, são reveladores de outra coisa que não apenas o habitual porreirismo nacional que poderíamos ponderar como caído em cima da mesa de presidentes, como Jorge Sampaio ou João Soares.
Alguns dos casos agora conhecidos, são tão chocantes e indiciam uma teia de cumplicidades e compadrio, tão extensa que se torna imperdoável não reparar ou desvalorizar. Nem todas as atribuições, farão parte dessa maquinação monstruosa que se acoita sempre sob a capa da corrupção, generalizada em imputação genérica. No entanto, algumas são-no claramente. Não apenas por irregularidade flagrante, mas ainda por algo muito mais grave: o sinal de que uma anomia profunda, um desinteresse ético grave, se instalou na administração pública, com particular incidência nas autarquias.
O presidente delas todas, o senhor Ruas, vai já negar tudo e exigir provas se lho disserem, mas os exemplos são tão claros e flagrantes que até falam por si.
Este caso das casas, é apenas a ponta do icebergue que inclui no seu bojo de regime, milhares e milhares de funcionários , admitidos por cunha, com concursos de admissão perfeitamente aldrabados e falsificados, com uma dose de condescendência pública e anomia social vigente que nos deveria assustar.
Ou então, deveriamos admitir publicamente, num auto de fé televisivo em concurso de popularidade que somos um povo de corrupção moral elevada e sem remédio. Perfeitamente insensível a valores éticos que impliquem o sacrifício de posições de poder, dinheiro e boa vidinha, alcançáveis sem tal empecilho. Uma artista de tv que agora apresenta programas inenarráveis, disse uma vez alegre e publicamente que " a ética não dá de comer".
Os exemplos do que se passa nessas autarquias de muitos milhões, dariam para um retrato perfeito da nossa vida social e política . E mostrariam o desinteresse de uma boa parte dos políticos, em combater efectivamente o grande monstro que devora a economia e mais ainda, a coesão social, ao promover desigualdades que de outro modo não existiriam e ao incentivar essa anomia reinante que tudo desculpa, mesmo o caso incrível de um diploma obtido por fax a um Domingo, por um político no activo.
Os artigos sobre o assunto das casas, são já vários e para diversos gostos Porém, ainda não li nenhum tão contundente e preciso nas imputações do que este, de Mário Crespo, publicado no JN de hoje. Duro, duríssimo, como se pode ler:
No Outono de 1989 conduzi na RTP os debates entre os candidatos a Lisboa. O grande confronto foi PS/PSD. Duas candidaturas notáveis. Jorge Sampaio, secretário-geral, elevou a política autárquica em Portugal a um nível de importância sem precedentes ao declarar-se candidato quando os socialistas viviam um dos seus cíclicos períodos de lutas intestinas. O PSD escolheu Marcelo Rebelo de Sousa.
No debate da RTP confrontei-os com a fotocópia de documentos dos arquivos do executivo camarário do CDS de Nuno Abecassis. Um era o acordo entre os promotores de um enorme complexo habitacional na zona da Quinta do Lambert e a Câmara. Estipulava que a Câmara receberia como contrapartida pela cedência dos terrenos um dos prédios com os apartamentos completamento equipados. Era um edifício muito grande, seguramente vinte ou trinta apartamentos, numa zona que aos preços do mercado era (e é) valiosíssima. Outro documento tinha o rol das pessoas a quem a Câmara tinha entregue os apartamentos. Havia advogados, arquitectos, engenheiros, médicos, muitos políticos e jornalistas. Aqui aparecia o nome de personagem proeminente na altura que era chefe de redacção na RTP.
A lista discriminava os montantes irrisórios que pagavam pelo arrendamento dos apartamentos topo de gama na Quinta do Lambert. Confrontados com esta prova de ilicitude, os candidatos às autárquicas de 1989 prometeram, todos, pôr fim ao abuso. O desaparecido semanário Tal e Qual foi o único órgão de comunicação que deu seguimento à notícia. Identificou moradores, fotografou o prédio e referiu outras situações de cedência questionável de património camarário a indivíduos que não configuravam nenhum perfil de carência especial. E durante vinte anos não houve consequência desta denúncia pública.
O facto de haver jornalistas entre os beneficiários destas dádivas do poder político explica muito do apagamento da notícia nos órgãos de comunicação social, muitos deles na altura colonizados por pessoas cuja primeira credencial era um cartão de filiação partidária. Assim, o bodo aos ricos continuou pelas câmaras de Jorge Sampaio e de João Soares e, pelo que sabemos agora, pelas câmaras de outras forças partidárias. Quem tem estas casas gratuitas (é isso que elas são) é gente poderosa. Há assessores dispersos por várias forças políticas e a vários níveis do Estado, capazes de com uma palavra no momento certo construir ou destruir carreiras. Há jornalistas que com palavras adequadas favoreceram ou omitiram situações de gravidade porque isso era (é) parte da renda cobrada nos apartamentos da Quinta do Lambert e noutros lados. O silêncio foi quebrado agora que os media se multiplicaram e não é possível esconder por mais vinte anos a infâmia das sinecuras. Os prejuízos directos de décadas de venalidade política atingem muitos milhões.
Não se pode aceitar que esta comunidade de pedintes influentes se continue a acoitar no argumento de que habita as fracções de património público "legalmente". Em essência nada distingue os extorsionistas profissionais dos bairros sociais das Quintas da Fonte dos oportunistas políticos que de suplicância em suplicância chegaram às Quintas do Lambert. São a mesma gente. Só moram em quintas diferentes. Por esse país fora.
Publicado por josé 19:10:00
Arbitrariedades e favores se passaram também durante o dominado da coligação PS/PCP na atribuição de sedes para associações.
Para as associações politicamente correctas, incluindo a paneleirada, havia sedes.
Para as associações que não alinhavam pela cartilha PS/PCP ou onde a paneleirada ficava à porta, não havia sedes!
Quiseram atacar Santana Lopes.
Afinal eles fizeram pior...
Parece que o Magalhães não foi programado com o ditado dos telhados de vidro.
Até amanhã :)
E atão as vivendas opulentas construídas por "cooperativas de habitação económica"?
E atão os 10% das casinhas das CHE que, por lei e em troca do terreno, ficam na posse das Câmaras? E atão davam-se a quem? E atão a quem precisa? E atão isso tinha algum jeito? E atão quem precisa não é quem diz que precisa?
E atão desde quando Portugal funciona?
Perceber até onde pode chegar a moralidade e até onde podem comer todos.
Sò na tv é possível fazer uma coisa destas, porque há tantos "e atão" que estamos transformados no Leviatão.
Por todo o lado, para onde nos viramos, há "e atão?"
Como é que vamos resolver esta praga que cresce a olhos vistos e os jornais depois descobrem, muito indignados, como se fosse a primeira vez que olham para esses " e atão?".
Alguns jornalistas até se dão ao luxo de atacar por escrito alguns "e atão?", até à altura em que eles lhes batem mesmo à porta, como no caso triste de Batista "onde é que estava no 25 de Abril" Bastos.
E atão?
;-)