O Havai, não é aqui

O comentador da revista In Verbis, em modo de pseudónimo e assinando Hi Hi no Havai, insiste na reprimenda ao postal, aqui colocado em 9 deste mês, intitulado O Neutralizador.

Entende que me devo lembrar, para não me contradizer, de que coloquei “ em causa a agravação do sequestro e a aplicação da prisão preventiva à situação concreta.” E que vesti a pele de julgador, olvidando a “ legítima defesa de terceiro quando criticou a actuação da polícia” e que às tantas até chamei amadores, aos eminentes profissionais do GOE.

Pois bem, a isto responde-se assim e sem suor de maior que o tempo está fresco.

Primo. Não coloquei em causa a gravação do sequestro, e o que agora se sabe ( e o mais que falta saber, quando se souber a versão do assaltante sobrevivente), permitem reafirmar tudo o que escrevi, e sintetizei: “a acção do GOE foi temerária, afinal amadora ( apesar do profissionalismo dos seus militares) e só correu bem, porque a sorte os acompanhou e provavelmente, como se denota, os punks sequestradores, não estavam mesmo dispostos a matar os reféns." ( Qual seria a intenção dos mesmos, ao escolherem um Smart, para se fazerem transportar? Encerrar os reféns na maleta do porta luvas?).

Secundo. Comecei por escrever que iria fazer uma prognose do que iria acontecer ao assaltante sobrevivente, tendo em conta as leis que temos. Entender isto como um julgamento, só mesmo para quem está de férias, à sombra de uma bananeira improvável, num Havai imaginário.
Estamos num blog, Hi Hi! Um blog onde se escreve , meio a sério-meio a brincar. A parte do julgamento, era a brincar, get it?
E algumas partes, exalam o cheiro álacre de um sardonismo que não rima com rigorismo académico, de cátedra ou mesmo de tribuna de supremo tribunal.

A parte séria, tinha a ver com a conjugação das leis penais, gizadas e aprovadas por este governo ( que critico e sempre critiquei, neste aspecto, como muitos outros o fazem, com todo o direito que todos têm, mesmo o de serem julgados e condenados por terem um suposto"odiozonho aos governantes", assolapado, por assim dizer e no entender dos que acham o governo, a oitava maravilha do universo português) .

Os factos conhecidos na altura da ocorrência ( segundo o relato dos media) e de acordo com interpretações jurídicas, mais ou menos aproximadas e discutíveis, como são todos os casos do Direito, foi o mote do postal .

Ainda assim, vale a pena retomar o tema, porque exemplifica bem o sistema que temos. Incluindo o poder judicial , em sentido estrito, onde alguns julgadores decidem as suas doutas sentenças, segundo critérios que todos devemos conhecer, mas que numa maioria dos casos, se ligam à lei e ao formalismo legal, como os ceguinhos se ligam às bengalas que os guiam na escuridão permanente.

Escrevi que o sequestro do salteador sobrevivente, seria julgado e os crimes, já estavam à vista: roubo “praticamente provado”. Não escrevi consumado, mas a discussão para aí levou e apresentei já razões, anteriormente, para que um qualquer Hi Hi, mesmo no Havai, pense duas vezes, antes de se apresentar como oráculo de uma verdade jurídica.

Sobre o crime de sequestro, ser considerado concretamente, como crime agravado ou não, igualmente me permiti especular, apontando uma moldura penal abstracta e depois a pena concretamente aplicável, para o sequestro simples e mencionando a hipótese de agravação no caso de perigo para a vida da vítima. Especulei, em tom de comentário, se o verdadeiro perigo para a vítima adveio do sequestrador ou dos snipers. E continuo a adiantar, porque esse perigo nem sequer constitui circunstância agravante prevista no artº 158º C. Penal. O que verdadeiramente constitui é a da alínea b) que diz assim: [o sequestro] for precedido ou acompanhado de ofensa à integridade física grave, tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano.

Se um Hi Hi no Havai ( ou um juiz de instrução em serviço de turno) decidir que o sequestrador agravou o crime desse modo, então vamos ter discussão jurídica pegada , até ao S J, porque o senso comum, embora indique que possa ter existido um tratamento degradande ou até uma tortura ( ser sujeito a manietação com arma apontada) , esbarra numa qualificação jurídica que não segue à letra, necessariamente, os ditames da razão prática, pelo que a crítica pura ao imperativo categórico, aventado pelo Hi Hi no Havai, irá dekantar noutras paragens, pela certa.

E era aqui, neste terreno escorregadio que pretendia entrar, para que todos pudessem ler e perceber a razão das leis que nos sustêm e são alvo de franco-atiradores do parecer jurídico, por vezes, acobertados na própria sombra que eles mesmos lançaram sobre o ambiente legislativo.

Um juiz-julgador, esteja no Havai ou aqui, não deve colocar-se a leste destes assuntos, desmerecendo as interpretações divergentes, porque estão no centro dos pontos cardeais do Direito aplicável.
Não é assunto axiologicamente neutro, discutir os fundamentos teóricos da solução jurídico-penal do caso concreto. E os mestres lidos, ensinados ou citados, são muitas vezes, preteridos em função das circunstâncias socialmente apaziguadoras. E é de mau agoiro, ler quem já sentenciou definitivamente sobre uma qualificativa agravante, sem se dar conta da eventualidade de uma fragilidade na sua consistência jurídica.

O que acontece, igualmente, no caso da prisão preventiva, para o sobrevivente. Ora vejamos , então.
Dantes, ainda no ano passado, a prisão preventiva, aplicava-se nestes casos que estamos a tratar ( puníveis com penas superiores a cinco anos de prisão), sempre que o crime fosse punível com pena superior a três anos. Aqui ocorreu a primeira grande restrição.

Dantes, ainda, era preciso apenas que se conjugassem três factores, em conjunto ou separado: perigo de fuga, de continuação de prática criminosa e alarme social. Agora, a esses três requisitos, acresce mais um, com valor determinante: a subsidiariedade. Só há prisão preventiva se as outras medidas aplicáveis não forem suficientes e tal, é uma ponderação obrigatória e importante, porque essa foi uma intenção explícita e repetida pelo legislador.

Portanto, para os julgadores como Hi Hi no Havai, o salteador sobrevivente, merecia prisão preventiva porque a moldura penal dos crimes imputáveis o permitem; e as pressupostos da prisão preventiva o exigm.

Exigirão mesmo, ou tais exigências decorrem, como habitualmente, do circunstancialismo mediático? Não é inteiramente despicienda a questão, perante decisões anteriores, recentes, algumas escandalosas e relacionadas com suspeitos de car jacking, , sobre libertação de arguidos, bandidos acabados e vistos como anjinhos de coro, em certos tribunais de instrução criminal.

O salteador sobrevivente, merece prisão preventiva, a meu ver, agora, e só agora, depois de se ter indiciado que pretendia fugir ( foi noticiado, a seguir ao que escrevi , que o mesmo pretendia fugir do hospital). Antes disso, tinha todas as condições legais, para ficar em liberdade provisória a aguardar julgamento, perante a belíssima lei de processo penal, aprovada em Setembro do ano passado.
Tinha residência conhecida, papéis de residência em ordem ( ou em vias de o poder estar), amigos e conhecidos; bom comportamente anterior ( sendo isto quase irrelevante, nos critérios da lei), e se assegurasse a sua garantia de presença em actos processuais, estava garantido pela lei de soltura, em execução corrente, nos tribunais portugueses, aplicadores do código da Unidade de Missão de Rui Pereira.
Aliás, até adianto mais: só ficou preso devido a esta coisa mediática. Se os factos se tivessem passado de modo diferente e não houvesse o morto, nem intervenção do GOE, nem televisão em directo, o mais certo seria ter ficado em liberdade.

Haverá muitas dúvidas disto? É quem nem todos os julgadores assinam no Havai... e alguns residem aqui e agora e cumprem a lei processual penal à letra e segundo os critérios novos. E a unanimidade jurídica, sobre estes assuntos, é coisa que não existe.

Finalmente, sobre a intervenção do GOE e respectiva legitimidade e legalidade.


Não me lembro de a pôr em causa no escrito, e agora, depois de reler, continuo a não lograr palavra ou frase que me detenha nessa afirmação.
A legalidade da intervenção do GOE, está assegurada, pelos estatutos, e leis penais. Acrescento apenas, sobre isso, que me parece, talvez, mais subsidiária do direito de necessidade ( artº 34º do C.P.) do que propriamente do direito de legítima defesa de terceiros.

Mas nesta discussão, o que importa nem é isso. Importa mesmo é entender a razão por que discordo da actuação,- mesmo legítima, mesmo legal – do GOE. E tal discordância já a escrevi por extenso.
Reparo que não fui entendido pelo Hi Hi no Havai, e aqui, agora, só pretendo repescar a ideia básica, para não alargar muito o assunto: O GOE, deve intervir, sim, mas noutro âmbito e noutras situações.
Fazer intervir o GOE, com uso específico de snipers que atiram sempre a matar ( mesmo quando falham) num caso de assalto a um banco, por dois principiantes ( dois punks como lhes chamei), é um duplo risco ( para a credibilidade da força de segurança e para a segurança dos sequestrados) que não me parece tenha sido suficientemente ponderado, nesta vertente: evitar riscos para os reféns.
Está de caras, a evidência, mesmo para quem esteja de férias no Havai, que os reféns correram riscos de vida, por causa da intervenção do GOE. E isso, parece-me imperdoável, no caso concreto. Vindo de profissionais, é uma conduta amadora.

E pronto. Estou a suar, mas pouco, porque agora está um pouco mais de calor. Nada que uma cerveja não remedeie.

Chin, Chin !

Adenda, ainda em tempo:

No Expresso de hoje, com ilustrações de Jorge Mateus ( finalmente, alguém de grande audiência, liga a este grande desenhador), dá-se notícia de que quatro indivíduos, de um bando que assaltou bancos, durante os meses de Junho a Setembro de 2007, na área de Vila do Conde, foram agora condenados, pelo tribunal local.
O modus operandi, integrava todos os elementos do roubo. Os crimes foram todos consumados. Um dos indivíduos mais novos do bando, com 21 anos, considerado jovem merecedor de atenção para uma recuperação social, foi condenado em 4 anos e sete meses de prisão. Suspensa.
Estamos a falar de vários roubos, meia dúzia deles, e consumados. E estamos a falar de um colectivo de juízes que sabem certamente aplicar a lei penal.
Quatro anos e sete meses de prisão, suspensa na sua execução, caro Hi-Hi-no Havai!

Vai mais uma cerveja? É que de repente começou a fazer calor, por aqui.

Publicado por josé 17:33:00  

2 Comments:

  1. O Aprendiz de Jurista said...
    Vá lá! Numa coisa estamos de acordo, defendo, ab initio, que a actuação do GOE no BES se enquadra melhor no 34.º do CP que no 32.º do mesmo.
    É um Estado de Necessidade justificante e não a de Legitima Defesa.
    a.leitão said...
    Caro José,
    Leigo, leiguíssimo em assuntos jurídicos, sou um apreciador dos seus escritos. Afinal permitem-me uma visão, que será sempre amadora, mas cada vez mais consciente de uma realidade que por vezes nos ultrapassa.
    Afinal estamos sofrendo de um estupor físico e emocional que deixa o "pessoal" em estado de hibernação à espera de melhores dias.
    Nem sempre de acordo com algumas alfinetadas por aqui e por além, a um ou a outro menos "fotogênico" não deixa no entanto de ser um gosto a leitura dos seus postais

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