A defesa de Rui Pereira

Crónica de Fernanda Palma, no Correio da Manhã de ontem ( via In Verbis) :

"O Estado deve harmonizar os direitos de todos e proteger, acima de tudo, os mais fracos”.

«Há uma ideia de autoridade democrática que considera que a ordem resulta da lei da maioria e permite a defesa ilimitada dos direitos. Por ser democrática, a ordem permitirá sempre a repressão violenta sem diálogo prévio. A autoridade do Estado é sagrada e o cumprimento da lei impõe-se à bastonada.
O ideal, para os defensores desta ‘ordem’, é que o Direito seja acatado por medo. O Estado não existe sem tal encenação. Em legítima defesa, autoridades e cidadãos podem ferir com gravidade ou matar os prevaricadores, sejam quais forem os interesses a proteger e abstraindo-se de raciocínios de proporcionalidade.
Porém, a tradição do Direito Penal, que tem origem no pensamento católico medieval, não é essa. A legítima defesa chamava-se ‘moderamen inculpatae tutelae’ e significava não um direito absoluto, mas uma autorização para proteger e defender com moderação os bens ameaçados.
No pensamento político moderno, desde o humanismo racionalista do século XVII, desenvolveu-se a ideia de que o Direito não é uma ordem de força mas de reconhecimento. A sua validade reside na adequação das normas aos bens fundamentais da Humanidade, ou seja, na analogia com o humano.
Por outro lado, a ordem democrática não deve ser apenas entendida como a ordem da maioria, mas como a ordem justa que a todos contempla. Essa ordem deve assegurar a cada um a oportunidade de participar, fazer ouvir a sua voz e contribuir para a vida da comunidade.
Este pensamento projecta-se numa legítima defesa moderada e no respeito, pela autoridade, dos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade. O Estado não existe só nas ‘cargas policiais’, de que alguns são tão nostálgicos. O Estado deve harmonizar os direitos de todos e proteger, acima de tudo, os mais fracos.
A muitos não agrada o aparente minimalismo deste Estado. É mais complexo viver numa democracia que pondera valores do que numa autocracia que aniquila quem protesta. Mas é aí que reside a clássica opção política: não se pode defender uma democracia baseada no valor de cada pessoa e amar acima de tudo a bastonada.
Na Comissão da Democracia através do Direito – órgão do Conselho da Europa ao qual pertenço – censura-se as novas democracias do leste europeu por imporem limitações ao direito de manifestação. Mas também as ‘velhas democracias’ têm sido criticadas quando dão uma imagem perturbante de autoritarismo.
Após o recente bloqueio, comentou-se o desaparecimento do Estado. De que Estado se falava? E os manifestantes, ao festejarem a alegada vitória, que Estado celebravam? Só podiam celebrar o Estado que não os correu a tiro e os ouviu apesar dos seus actos ilegais. Mas, afinal, não era esse Estado que eles pretendiam afrontar?»

Fernanda Palma é mulher de Rui Pereira, actual ministro da Administração Interna. É professora catedrática de Direito Penal e integra o CSMP ( por indicação do ministro da Justiça). Neste artigo, defende a opção pacifista do ministério da Administração Interna.
Só posso aplaudir. Serei de Esquerda?
Talvez não, tendo em conta que Vital Moreira defendeu precisamente o contrário...

Publicado por josé 12:16:00  

15 Comments:

  1. Pacheco-Torgal said...
    A mulher do Ministro veio agora explicar, porque motivo o marido andou perdido em parte incerta, porque motivo agiu por omissão, afinal era tudo uma estratégia baseada no respeito pelos altos valores democráticos.

    Pena é, que a França, a Espanha e a Itália, não tenham entre eles espiritos tão iluminados como a Srª Professora Catedrática.Pelos vistos o nosso Governo é muito mais democrático que o daqueles países.

    Os que resolveram não aderir á greve e viram os seus veiculos apredejados, pelos vistos são apenas resultados colaterais desses altos valores.

    O mesmo se passou com todos os empresários que tiveram que deitar para o lixo, peixe, frutas, leite etc etc, porque não tinham como chegar ao destino, são apenas vitimas colaterais da democracia

    Os milhões de Portugueses que viram as suas vidas condicionadas pelo dito lock out, idem.

    O Primeiro-Ministro que veio dizer que sentiu o país frágil, devia antes ter falado do alto valor da proporcionalidade democrática.

    O marido da Srª Professora Catedrática, já devia ter recebido ordem de marcha. Por muito menos outros a receberam, o Dr. Cavaco despachou o Catedrático Ministro Carlos Borrego por causa de uma anedota sobre alentejanos e aluninio.

    A Srª Professora Catedrática devia era ter a vergonha para não se prestar a este nojento serviço.
    josé said...
    Em desacordo, fernando.

    O Governo, neste caso, agiu muito bem. COm o senso exigível e se há alguma coisa a apontar, é a cedência à chantagem que toda a greve implica. Uma cedência que não se sabe que custos trará e que poderia ser evitada, ANTES. Através da verdadeira política que é prever para não ter que remediar.

    Por isso, se quer atirar pedras, faça-o directamente ao chefe da banda, um diletante do poder que se deslumbrou pelo exercício.
    Ritinha said...
    Mas o José, acho eu, deveria concordar com o Fernando.
    O artigo citado, com o qual o José concorda, diz "O Estado deve harmonizar os direitos de todos e proteger, acima de tudo, os mais fracos."
    O Fernando mostrou, muito bem, quem eram alguns dos mais fracos. Que o Estado não protegeu.
    josé said...
    A violência contra os camionistas, redundaria em proveito de quem?

    Dos mais fracos?
    josé said...
    A violência na ponte Salazar, agora 25 de Abril, mas semore ponte sobre o Tejo, no tempo de Cavaco, redundou em favor de quem?

    Do paraplégico que sofreu a carga da polícia e de uma bala perdida?
    josé said...
    A violência na Ponte sobre o Tejo, redundou numa coisa: na derrota eleitoral de Cavaco.

    Agora, se exercida sobre os camionistas, redundaria noutra derrota, neste caso deste Governo.
    Imediata e sem apelo, segundo penso.

    Pode dizer-se: ainda bem. Nesse caso, quanto pior, melhor!

    Pode, mas não sou cínico a esse ponto, embora o escrevesse...
    Pacheco-Torgal said...
    Se o Sr. José acha que a violência sobre os camionistas redundava na derrota do Governo, então quer dizer que o Governo não vai perder as eleições??? Estou confuso.

    Em momento algum eu defendi que a quebra do bloqueio passava pela violência. Podia resultar em violência, se os camionistas quisessem mostrar que estavam acima do próprio Estado. Nesse caso o confronto era inevitável e a culpa era de quem?? Do Governo?

    Ouvimos depois tarde e a más horas o Sr. ministro dizer que se não houvesse acordo ia avançar para a requisição civil.

    O processo foi de uma burriçe sem precedentes, porque se o Primeiro Ministro tem a fama de ser um animal feroz, pelo menos devia ter tido o proveito. Não se pode confundir dialogo com cobardia. E os cobardes nunca deixam boas memórias.Pelo menos o Guterres não deixou.

    Também me pareçe exagerado confundir o episódio da Ponte, com o presente episódio, o país não parou por causa do bloqueio da Ponte, coisa que agora aconteceu em moldes que só tem paralelo com o que se passava no PREC.
    josé said...
    Por este motivo não perderá as eleições, mas sobram outros, para tal. Veremos.

    E julgo não ser muito arriscado dizer que a carga policial sobre os camionistas se saldaria em greve ainda mais selvagem e generalizada.

    O Governo percebeu muito bem o barril de pólvora que ali estava e por isso agiu bem, neste caso.

    Quem não percebeu patavina do que se estava a passar, foi Vital Moreira, por exemplo e já que falamos sempre no tipo.

    O episódio da Ponte sobre o Tejo foi catártico, tal como este o seria, embora com consequências piores.

    Mas temo que apareça por aí, outro motivo, um dia destes.

    Este governo tem-se esforçado para aranjá-los, com o seu autismo e incompetência geral e por isso, esperemos apenas uns meses que eles aparecem.

    Vai ver.
    Tino said...
    1.
    Um marido é um marido e o partido também é o partido... Que bem fica a Fernanda Palma vir defender o marido e o partido ou o governo a que está ligado. Fica-lhe bem do ponto de vista da solidariedade familiar. Não sei se do ponto de vista ético será aceitável vir fazer propaganda em favor do governo, quando o comum dos leitores do jornal desconhece tais laços familiares; propaganda que assim, não percebida como tal por quem lê o artigo, até se afigura como opinião isenta e imparcial. Se estivesse em tal circunstância eu imporia a mim próprio um dever de reserva. Mas cada um tem os valores que entende dever ter...

    2.
    Quanto à questão de fundo e deixando de lado a subordinação do uso da força aos princípios da princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, o governo teve de escolher entre duas alternativas: uma má, não intervir, desacreditando a autoridade do Estado; e outra péssima, intervir, potenciando a violência e correndo o risco de gerar uma situação de mais grave descrédito da autoridade desse mesmo Estado.

    3.
    Porque Sócrates está a mostrar cada vez mais que a sua propalada coragem só esconde a sua genuína cobardia, e porque o Ministro da Administração Interna é ponderado e estava a banhos no Brasil, o Governo optou pela alternativa má, evitando a péssima.


    4.
    Dias depois Sócrates já mostrou a sua coragem de "animal feroz", mas porque se tratava de uma manifestação de pobres agricultores com umas dezenas de tractores. Com os fracos Sócrates mostra a sua "indomável" força... Com os fortes não lhe resta senão deixar transparecer a sua genuína e profunda cobardia...
    naoseiquenome usar said...
    :)
    Há quem tenha uma cruz (ou o diabo) na vida.
    ...e há quem tenha a Fernanda Palma.
    Pacheco-Torgal said...
    Acho que existe uma certa lógica no comentário do Sr. Tino. Contudo se a premissa é a cobardia do Sócrates perante os fortes, porque motivo é que este abriu uma guerra com os Magistrados? E porque motivo é que o mesmo potenciou o descontentamento de 800.000 funcionários públicos?

    Na minha opinião, a acção de Sócrates tem mais que ver com a gestão do ciclo politico.

    Tendo entrado a matar nos primeiros anos, pretende agora em vésperas de eleições iniciar um tempo de mais diálogo, é claro que não é dialogo para todos, e aqui pode dizer-se que os fracos estão lixados.

    Contudo se o Primeiro Ministro fosse tão cobarde como quer fazer crer o Sr. Tino, não acredito que um comportamento desses conseguiria que neste momento houvesse tanta gente a destilar ódio pela blogosfera.
    Tino said...
    Oh Fernando

    Vês sempre pouco e mal.

    Sócrates não abriu uma guerra contra os magistrados e uma guerra contra os professores.

    Sócrates fez uma jogada suja de propaganda.

    Atacou os magistrados e os professores fazendo previamente campanhas de difamação, pondo a circular na comunicação social ideias de que eram privilegiados, de que eram uns preguiçosos, de que tinham mais férias do que os outros, de que eram absentistas. Durante a campanha de difamação cortou-lhe rendimentos e fez medidas puramente propagandísticas como a redução das supostas férias judiciais e as aulas de substituição.
    Com a jogada perderia alguns votos desta classe. Mas ganharia mais votos com a populaça ignara que viu Sócrates como um Robin dos Bosques corajoso que tirou aos privilegiados e preguiçosos para distribuir pelos outros.

    Sócrates pôs o País contra alguns grupos profissionais. Não se limitou a atacar esses grupos profissionais. Quis ganhar com essas guerras simuladas.
    Além de cobarde, pelos métodos sujos que usou mostrou o seu carácter.

    Veja na saúde. Aí a táctica foi outra. Em vez de atacar os médicos encerrou serviços. Perdeu votos com isso, mas não ousou atacar os médicos. Onde está a coragem de Sócrates. Com os médicos não brinca. Ele sabe o que aconteceu a Leonor Beleza. Não convém arriscar. Mesmo que pudesse pôr os portugueses contra os médicos, não convém. Mais dia menos dia todos estão lá estendidos a precisar de ajuda.

    Quando Sócrates parece estar a atacar alguém poderoso, está só a ceder a alguém mais poderoso, como aconteceu com as farmácias. Prejudicou as pequenas farmácias, para beneficiar os hipermercados. Agora vai prejudicar os pequenos comerciantes, para voltar a beneficiar os hipermercados.

    Não se pode agradar a gregos e a troianos. Sócrates sabe disso a actua sempre calculisticamente, vendo como pode ganhar mais apoios ou mais votos.

    Com a banca fingiu que ia atacar outra vez os poderosos. Impôs os arredondamentos nos emprésticos. Mas na política fiscal mexeu o mínimo para que os bancos continuassem a ganhar o mesmo ou ainda mais.

    Sócrates é uma embusteiro, um habilidoso.
    Quem sabe da sua vida privada sabe que sempre foi assim. Na política faz o mesmo que sempre fez desde a juventude: golpes e manobras.

    O que é publicamente conhecido da vida privada deste embusteiro é suficiente para se saber quem ele é. Um dia certamente saber-se-á mais, quando cair do poder e deixar de manobrar e intimidar...
    josé said...
    Um problema de carácter, como em tempos chegou a dizer Marques Mendes. Por outras palavras, mas suficientemente explícito.

    E essa é a crítica que mais dói ao actual primeiro-ministro.

    Na sua biografia autorizada a Áurea Sampaio, há partes de pura hilariedade, como as referidas aos seus estudos e habilitações académicas.

    Não tem emenda, este PM. E pelos vistos, dá importância ao que dele se escreve nos blogs.

    Vá lá saber-se porquê, mas é fácil de adivinhar: pegam-lhe pelo lado que dói mais: a verdade.

    O tal "ódio", é afinal apenas isso: a mostra da realidade nua e crua de um embusteiro.
    Pacheco-Torgal said...
    Caro Tino,

    só um politico parvo é que abria uma guerra com os médicos.

    Para quê abrir uma guerra que se sabe perdida.

    A politica não é um exercicio de parvoice.

    Os médicos tem muito poder e não foi o Sócrates que lhe deu esse poder.

    Antes sim os cobardes, que antes dele lá passaram.

    Só é possivel atacar classes poderosas com maioria absoluta e logo o Professor Cavaco, é que devia ter atacado os médicos, como tentou fazer por intermédio da Leonor Beleza, mas sem grandes resultados.

    Depois veio o Guterres e a Drª Belém Roseira, que se limitou a abrir a bolsa do Orçamento de Estado para que os médicos se divertissem á grande.

    Se o Sócrates é cobarde outros o foram muito mais antes dele.

    Um dos maiores "calcanhares de Aquiles" do Sócrates é a forma atabalhoada e simplória como arranjou a licenciatura.

    Mas porque motivo, é que é necessário uma licenciatura para ser Primeiro-ministro?

    Não é.

    Mas há muita gentinha neste país, que vê nisso a marca da mediocridade, o estigma que impossibilita o acesso ao poder.

    Porque eles não vem o poder como o simbolo da reprsentatividade do povo.

    Para eles o poder é por definição elitista, apenas acessivel a alguns escolhidos, ou por nascimento ou pelo trabalho de uma carreira.

    Porque carga de água, é que existem tantos Professores Universitários na esfera Governativa? Este fenómeno não tem paralelo em nenhum outro país da Europa.

    E de certeza absoluta que tal não tem que ver com o facto dessas pessoas terem um sexto sentido para perceber o que quer o povo.

    Porque será??
    josé said...
    "Um dos maiores "calcanhares de Aquiles" do Sócrates é a forma atabalhoada e simplória como arranjou a licenciatura.

    Mas porque motivo, é que é necessário uma licenciatura para ser Primeiro-ministro?

    Não é. "

    Pois não é. Mas já o é, a lisura das explicações a apresentar por via das dúvidas levantadas e principalmente pelo facto de envolverem questões delicadíssimas de credibilidade, honestidade ( e não apenas a intelectual) e transparência política.

    Noutro país qualquer da Europa, um primeiro ministro assim, tinha ido com o saco, há muito tempo.

    Por cá, estamos cada vez mais próximos da balbúrdia italiana em que os eleitos, tem rabos de palha até dar com o pau.

    Só com uma grande diferença em relação aos italianos: não precisam do Estado para progredir economicamente e nós, dependemos dele ( e desta gente que o administra) como de pão para a boca, literalmente.

    É esse o problema e a razão de o Sócrates não ter sido corrido logo que se levantou a questão, porque há muita gentinha pior do que ele em cargos de relevo político e não só. No jornalismo, então, nem se fala e foi por isso que apareceram os do costume a desvalorizar o assunto.

    E porque não haveriam de desvalorizar se o problema do Sócrates é idêntico à de uma maioria deles?

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