mudam-se os tempos

34 anos depois do 25 de Abril que pode hoje dizer, um indivíduo que atingiu nesse ano a maioridade?

Que “foi bonita a festa, pá!”. Fiquei contente, de facto, como a esmagadora maioria do povo português , também ficou.

Por isso, a imagem que melhor define o 25 de Abril, para mim, é a de uma foto, supra, na revista Século Ilustrado, de 4.5.1974, em que se mostra o povo anónimo, em manifestação sem bandeiras ideológicas.

Outra imagem que reflecte o espírito do 25 de Abril, tal como o vivi, é a de um músico e da música de protesto que então apreciava, porque de valor e qualidade inquestionáveis, mesmo pelos padrões actuais.

José Mário Branco, cantor de timbre perfeito, tinha produzido, antes de 25 de Abril, em 1971, um disco de grande qualidade: mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

De há 34 anos a esta parte, que mudou, nas vontades?

No dia 25 de Abril, durante a tarde e noite, e dias a seguir, podiam ouvir-se na rádio, algumas músicas que nunca tinham passado nos programas, por causa da censura. O soldadinho, de José Mário Branco, era uma delas. Tal como outras. Sabia bem, apreciar a novidade da liberdade de se poder ouvir cantar livremente.

No dia 25 de Abril, à noite, a tv mostrava os locutores de serviço, sem gravata. Sabia bem, poder ver que o formalismo retórico, não precisava de gravata, porque tinha sido esse o grito dos assistentes ao I Encontro da canção portuguesa, realizado uma semanas antes, no Coliseu de Lisboa: “tira a gravata, pá!”, ouvira gritar, Carlos Paredes.

Foi por isso com grande satisfação que foi possível ver, na revista Flama , quinze dias depois, a reunião dos cantores do canto livre, da canção portuguesa.

Entre eles, José Mário Branco, na foto aqui publicada (acompanhado de Francisco Fanhais e outros na foto a seguir, como Zeca Afonso, José Jorge Letria e Adriano Correia de Oliveira) , na mesma revista Flama, de 17.5.1974


Na revista Tabu, hoje publicada com o Sol( foto abaixo), José Mário Branco , dá uma entrevista “de vida”, onde reflecte sobre 34 anos de democracia e utopias. Sobre o dia 25 de Abril de 1974, diz assim:

“Pergunta: aquilo foi uma revolução? Ou foi uma descompressão social depois de 48 anos de ditadura? A 24 de Abril de 1974 quantas pessoas estariam dispostas a vir para a rua protestar e exigir a fábrica, a herdade, a democracia? Quantas? Houve uns militares descontentes que por razões completamente corporativas se começaram a juntar e vieram para a rua. A minha discussão muitas vezes com os meus companheiros de luta é esta: “se não for capaz de fazer a revolução dentro de mim próprio, vou ser capaz de a fazer na sociedade? ´”

E o resumo de uma vida, que deixa muito que pensar:

“Tenho 65 anos e ando entalado há 50 entre duas igrejas. Uma que me conta a história de Cristo de uma maneira que não posso aceitar e outra que me conta a história do socialismo de uma maneira que não posso aceitar. Quer isso dizer que tudo o que li e em que acredito está provado que não funciona? Não. O que está provado que não funciona é a distorção de tudo aquilo em que acredito. Os se faz a sério ou não se faz. “

Percebo muito bem este discurso. O da utopia permanente e que redundou em desgraças maiores, quando levada a consequências organizativas, com armas na mão. As FP 25, por cá, são o exemplo.

Será que a mudanças dos tempos, trouxe mudança de vontades?

Tal como John Lennon escreveu: Dizes que queres fazer uma revolução. Está bem, mas primeiro deixa lá ver os planos...”


Publicado por josé 20:52:00  

2 Comments:

  1. MARIA said...
    O 25 de Abril pode não ter sido tudo o que se esperava para depois.
    O erro não está no "dia", mas na construção feita a partir daí e nos caminhos percorridos.
    Este post vale muito especialmente, não só por ser um post do J. , sempre bem estruturado, bem pensado e bem escrito, mas pela carga reflexiva que transporta :
    "Se não for capaz de fazer a revolução dentro de mim próprio, como serei capaz de o fazer na sociedade"
    E
    "Fazer a revolução ? Vejamos os planos"...
    Sem dúvida falharam muitos planos ou simplesmente nem sequer se traçaram.
    Mas algo dentro de nós mudou :
    Temos blogs, onde escrevemos o que nos parece justo do ponto de vista da cidadania.
    Temos voz...
    As mulheres , particularmente, mas não só.
    Lembro , só por graça, que até Abril não poderia ser uma mulher a julgar num Tribunal Português ...
    Seria impensável eu trazer aqui este comentário, por exemplo. :)
    Em suma, por muito que se falhasse no depois de ABRIL, ainda há razões para o estimar.
    Saudações
    Maria
    Tino said...
    Caro José

    Felicito-os pelos comentários sobre o 25-A no blogue Blasfemias, o acontecimento mais catastrófico da História de Portugal.

    O que se diz sobre o 25-A é um chorrilho de mentiras ou de disparates.

    Os vencedores contam a história sempre à sua maneira.

    O 25-A não foi um dia, foi um processo que tem de ser analisado em toda a sua extensão, no mínimo até 1976. O que se passou nesses anos não honra ninguém: foi uma traição a 800 anos de História. Foi a negação de tudo que que Portugal fora em oito séculos.

    Podem dizer que os arautos do 25-A foram uns heróis bem intencionados, traídos por alguns extremistas. No mínimo tem de dizer-se que foram uns irresponsáveis. Destruíram um país: todo o seu passado e todo o seu futuro que está irreversivelmente perdido.

    E é escusado dizer que além de irresponsáveis, foram uns cobardes. Quem tem medo de morrer na guerra não segue a carreira militar. Não passam de uma cambada de maricas que destruíram Portugal. Puta que os pariu a todos.

    Espero que sobrem alguns portugueses para contarem a verdadeira história desta miserável golpada!...

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