A poesia do ensino nacional

No jornal Público, há dois comentadores que sigo com atenção, por causa das idiossincrasias que revelam nos escritos: Rui Tavares e o director do jornal, José Manuel Fernandes.

São dois civilizados polemistas, com cuidado no que escrevem e que geralmente não afrontam ninguém, com escritos ad hominem, a não ser em casos raros de divergência pessoal ( MST e JMF, por exemplo). Perdem com essa atitude, uma autenticidade que eventualmente reprimem, mas ainda assim, nos interstícios que fixam em papel de jornal, deixam margem de manobra suficiente para o comentário avulso.

Hoje, no Público, escrevem sobre o mesmo assunto: o problema do ensino e da autoridade na escola e sala de aula.

Rui Tavares, é avesso à autoridade, por um motivo declarado. Escreve de modo a perceber-se que abomina o medo que a mesma provoca e convoca o passado para a demonizar. Escreve mesmo que nesse passado, a autoridade, “só funcionava integrada numa cadeia com vários elos: tinha-se medo do professor, do pai, do marido, da tropa e da PIDE.”

Com Rui Tavares, ao menos, sabemos logo em que campo nos encontramos: no dos mitos e lêndias do antifascismo e da resistência ao um poder difuso, mas concreto, simbolizado no “fascismo”, bem definido pela ideologia que nunca deixa de mostrar a sua transparência: a de uma Esquerda, subsidiária de ideias e valores, do séc. XX, ensinados por Marx, Engels e também Lenine.

O marxismo geral, nas suas vertentes caleidoscópicas, incluindo o trotskismo, constitui para estes indivíduos, uma espécie de caldeirão de Astérix, onde os avatares dos Tavares se chamam Obélix e mergulharam em pequenos, ficando impregnados para todo o sempre, dos valores intrínsecos à ideologia derrotada do século em que nasceu.

Não deram por isso, uma vez que tinham metido por atalhos e comungam ainda as hóstias sagradas dos princípios básicos dos manuais diversificados, no ensino marcado pelos apelos as ideais que cantarão ainda em vida dos seus seguidores. São novos religiosos da utopia laica.

A autoridade, para estes utópicos, situa-se, como instrumento nefando, no seio da própria sociedade que segrega os mecanismos de exploração que é sempre do Homem por outro Homem. O professor, os pais, a escola, a Igreja ( faltou esta), a tropa e o poder político, são apenas as figuras visíveis da super-estrutura que importa desmantelar para se atingir esse nirvana nunca alcançado, mas sempre prometido aos crentes: o fim da exploração e o da suprema igualdade revista no ideal comunista, anunciado e prometido pelos mestres desse evangelho do Homem Novo.

Inseridos numa sociedade que na prática renegou e continua a negar, as soluções miríficas, através de um partido, de uma ideologia baseada essencialmente no materialismo, mas solidamente ancorada em princípios de poder bem definidos pelos mestres Lenine ou Trotski, ou Rosa Luxemburgo ou mesmo outros mais anónimos, vivem em constante contradição. Entre o que pensam como ideal e o que encontram como realidade concreta, com os problemas reais e presentes para resolver, à luz desses princípios absorvidos por infusão no caldeirão marxista.

A solução de Rui Tavares para o problema da ( falta) de autoridade nas escolas, é simples de propor: os tempos que correm exigem “turmas menores, não ultrapassando os 20 alunos ( medida certa, mas de difícil concretização com poucos meios). Cacifos para deixar os telemóveis á entrada ( esta, é de gritos polifónicos). Mais professores e funcionários ( pois claro, já são poucos...); Intercomunicadores na sala de aulas ( esta, nem sei como comentar);

E para os alunos indisciplinados? –pergunta, Rui Tavares. Ora, puni-los, sim, ( a palavra tem cabimento no léxico da esquerda, mas já veremos como...), mas com “ a única coisa que hoje em dia mete medo: o aborrecimento.”

É isso! O aborrecimento! Como é que ninguém ainda se lembrou de combater a mordedura de cão, com pelo do mesmo cão? Medida inteligente, esta: criar aborrecimento, como castigo. Inovadora. Possivelmente mais uma reinvenção da roda.

Quanto a José Manuel Fernandes, o assunto, sendo tratado de um modo um pouco mais sério, fica por uma abordagem pós-modernista , de quem renegou o marxismo, mas à força de o beber em infusas generosas, deixou lá os restos em forma de borras.

JMF vê o problema da falta de autoridade no ensino, como consequência de um filme ( é a sério).

A figura estimável e histriónica do professor Keating, do filme sobre o Clube dos Poetas Mortos, logrou convencer os pedagogos todos deste jardim à beira- mar plantado de que a solução milagrosa para a promoçãod a excelência no ensino, residiria na adopção de “cartas fora do baralho” tradicional e na promoção de ensinantes heterodoxos e experimentadores de métodos incertos, mas de resultados certos, pelo menos no filme de culto, saído de um livro romântico e idealista. O problema, nesta análise, é um pouco mais prosaico: o filme é de 1989 e as regras do ensino público português, com leis de bases, estatutos diversos e tutti quanti, são muito anteriores a tal data...

Mesmo assim, o que releva de essencial, nessa solução é a velha mezinha que reside sempre na...poesia! Ou seja, no idealismo das soluções miríficas e que tomam as pessoas sempre como boas e puras e de rico interior. O capitalismo, agora globalizado, é o maldito carvão que tudo enegrece e desvirtua as suas cores de arco-íris.

Em Maio de 1968, pois é desta época que estamos a falar, evidentemente, os revolucionários de slogans, proclamavam que a poesia nascia debaixo das pedras da calçada... “sous les pavés, la plage”! O professor Keating e quem o inventou são apenas mais uma das manifestações da utopia.

JMF afirma que foi esta mentalidade que estragou a autoridade no ensino. E assegura que foram os programas que daí advieram que corromperam a disciplina na sala de aulas e conduziram ao desastre. “ A mensagem do Clube dos poetas mortos era simpática, mas fez muito mal à escola portuguesa. O que se passou no Carolina Michaelis é um bom exemplo, Um entre centenas de outros.” , JMF dixit.

Que propõe, então, o director do Público, como medida correctiva? O problema não está na autoridade abstracta do professor, mas nas regras existentes na escola ( é fantástico como nunca ouvimos falar disto e só nos referem leis gerais ou pomposos “projectos educativos”).

E apela á defesa da “tradição”...mas a pergunta que imediatamente suscita é: que tradição?

A dos sociólogos marxistas ou pós- marxistas, com ideias tipo Rui Tavares, retomando o idealismo noutra roupagem, ou a velha tradição de há quarenta anos a que muitos parecem agora apegar-se mesmo sem saber do que realmente se trata ? O autoritarismo, pode conviver com o ideal democrático do respeito pela ideia alheia?

Saberão os antigos marxistas, caídos no caldeirão de quase quarenta anos de ideologia corrente nos media, distinguir a verdade da mentira dos actuais sociólogos, tipo ISCTE? Aliás, não virão mesmo daí, dessa sociologia, os males recorrentes do ensino que temos?

Não quererão fechar ao público, o ISCTE, como viveiro de ideias de governo, reservando-o exactamente para o que foi inicialmente criado em 1972, pelo governo de Marcelo Caetano? Para estudar as ciências do trabalho e da empresa? Acompanhando as lições das escolas modernas, depois de as aprenderem em primeiro lugar?

Terão alternativa, nos tempos que correm, a não ser recorrer ao velhinho senso comum, que ainda por aí espalhado para quem o quiser apanhar?

É que parece não haver outras e JMF não nos indica o paradigma...

Publicado por josé 14:59:00  

24 Comments:

  1. zazie said...
    Este comentário foi removido pelo autor.
    David R. Oliveira said...
    O Rui Tavares , estoriador, anda a fazer pela vida porque o Rui Tavares, historiador, não tem obra e, às tantas não tem estaleca para tanto. Anda a dar nas vistas...a fazer pela vida. E uns tantos como você - já não é a primeira vez que lho digo (perdõe-me a insurgência e o atrevimento) -dão-lhes uma confiança e uma publicidade tremenda.
    Ora escreva lá qualquer coisa que explique aos seus leitores - eu já em tempos o fiz no meu - porque é que o Ruizinho (licenciado em História parece que é assim)não é historiador menos ainda Historiador. è que para ser Historiador não lhe sobrava tempo para escrevinhar algumas daquelas croniquetas e recaditos e observacoezitas que escreve no Público.
    Aproveito para lhe dizer que li e recebi e tomei a devida nota sobre a observação que lhe fiz pela atenção e dedicação que demonstra a essa outra "ostra" do nosso quintaleco - o Vital, marido da senhora que agora é secretária...
    Ó homem não se vulgarize! tanto diz que perde impacto influência. A tipos desse género não se lhes pode dar confiança. Isso é o que les querem -lembra-se do que queria o Erasmo Carlos) Falem bem ou mal mas falem de mim! tá a ver? A tipos desse género tem de ser tipo...aguardar, serenamente e quando se resolve bater tem de ser género K.O.
    David Oliveira
    zazie said...
    trocar o já, por ainda não, é claro.

    ":O))
    zazie said...
    O fenómeno Rui Tavares é mais curioso porque é a prova que o 25 de Abril fabricou os grandes anti-fascistas da democracia.

    De qualquer forma, ainda não fez parte desta geração filmada a telemóvel.

    (e bem pode agradecer a Deus por isso...)
    josé said...
    David Oliveira:

    As pessoas de Rui Tavares ou Vital Moreira, já o disse mais que uma vez, não me interessam particularmente.

    Mas o que escrevem, interessa-me porque representam uma corrente de ideias.

    São aliás, as ideias que costumo combater. Assim, parece-me mais fácil citá-los do que a uma mera abstracção.

    Falar da Esquerda e de como ela chegou até ao séc. XXI português, parece-me importante, porque andamos todos a sofrer as consequências dessas ideias.

    Falar de Vital ou de Rui Tavares, só por referência, nunca por deferência.
    josé said...
    Portanto, não se trata de dar importância a quem a não merece. Trata-se mais de dar a importância a ideias que não merecem aquela que sempre lhes dão.

    Principalmente quando nelas não se fala e se aceitam pacificamente como panorama e ambiente corrente no nosso viver quotidiano.

    É esse o problema.

    Por mim, prefiro falar nele, sempre que o vejo em evidência.
    zazie said...
    Acrescente-se que Vital Moreira diz-nos respeito a todos porque tem ligação ao Poder; não é um mero cronista.
    David R. Oliveira said...
    Prontos! tá bem. Como agora se diz... tem razão. Eu pedi desculpa por dar opinião sem você ma pedir. Desculpe! é que então vai ter de me explicar essa da separação entre as políticas que defendem e os políticos que as defendem.Como é que consegue essa dissecação? é que já tentei e ainda nãio resolvi um pequeno problema: quando pretendo liquidar as políticas ainda não o consegui fazer sem liquidar os políticos. (liquidar no sentido figurado é claro! que eu nunca fui e não sou nem marxista, nem leninista, nem maoista, nem trotskista...). Eles foram!(ou são encapotadamente...pudera)
    David Oliveira
    zazie said...
    É simples- nada do que dizem é ajuste de contas.

    No caso do Rui Tavares nunca fez parte do Poder, nem tem mais responsabilidades públicas que aquelas que lhe são dadas como "opinion maker".
    zazie said...
    Mas é óbvio que são bem escolhidos como exemplo de um passado que ainda é presente e de um presente que ainda é passado.

    Por acaso gosto de confrontar as crónicas do Rui Tavares com a geminalidade às avessas da Helena Matos- pelo mesmo motivo.
    josé said...
    Como se faz?
    É simples: ler o que escrevem e o que defendem publicamente e centrarmo-nos nisso, apenas.
    Contudo, sendo o estilo inerente à pessoa, também esta conta, nesse estilo e tudo o que á mesma diga respeito, incluindo os assuntos privados sempre que relacionados com a coisa pública que é de todos.
    É o caso da universidade onde o lente trabalha e da mulher que é Secretária de Estado e do filho que faz parte de um dos maiores escritórios de advocacia do país. Tudo isso, traz a ligação ao lado público do poder que efectivamente exercem sobre todos e que não se limita á influência, embora esta seja notável.

    Se Vital Moreira ou Rui Tavares amanhã escreverem algo com que concorde substancialmente e que denote mudança de ideologia de base, perco motivo de comentário, a não ser para assinalar a mudança.

    Como isso não vai suceder, ainda bem que surgem sempre motivos para descascar na escrita.

    Quando Vital não escreve, até fico com saudades...porque é sempre motivo de incdentivo à escrita, ler os dislates, incongruências, hipocrisias e aleivosias que por vezes leio.
    josé said...
    Como explicou muito bem o Dragão, citando Schopenhauer ou outro filósofo de ocasião, a crítica que costumo fazer é ad hominem, nesses casos, mas não é ad persona.
    Procura não ser.
    David R. Oliveira said...
    Zazie... essa do ajuste de contas é da sua lavra. Quem é que lho garante?
    Olhe o Vitalzinho se lá tivesse ficado quando o Cunhalzinho disse à Oriana que democracia burguesa...em Portugal... você até estaria agora a escrever o que escrever. Vou ali e já venho! mas deixe que lhe diga, com toda a consideração que até visito o seu Cocanha - diariamente - gabo-vos a fé! e peço desculpa pela minha intrínseca imcompetência cristã. Eu sei que sou mau cristão!
    tenho uma certa dificuldade em acreditar em conversões. Sou mais hobbesiano talvez...no que respeita a conversões sou mais do género de Tomé: ver, ver com atenção, seguir desconfiado à cautela, de pé atrás que quem faz um cesto faz um certo.
    Também solicito a vossa complacência para com a minha rudeza.
    David Oliveira
    David R. Oliveira said...
    corrigenda: não é certo...é cento!
    david
    zazie said...
    Fónix- não foi nada disso que eu disse. Hoje sai tudo ao contrário.

    ":O)))

    O que eu disse é que não havia ajuste de contas por parte do José (para continuar a sua frase, "como é que podemos separar")
    zazie said...
    Que nada, comigo fique à vontade que não noto "rudezas"
    ahaha

    E também não acredito em conversões. Tenho mesmo a ideia que apenas existem trocas de lugar das fezadas

    ":O)))
    Por isso é que também disse que gosto de confrontar a geminalidade
    Tavares/Matos
    zazie said...
    No caso do Rui Tavares estou até à vontade. Durante muito tempo não associei o nome à pessoa, uma vez que até nos conhecemos de vista.

    E, quando finalmente o soube (passados anos de trocas na blgoo), até me senti na obrigação de lho comunicar no meio de grandes "insultos recíprocos" quando me provocou numa caixa de comentários.

    E é verdade- tenho a imagem mais simpática dessa pessoa ao vivo e também é verdade que só lhe conheci melhor as ideias virtualmente.

    Nada do que possa pensar altera o que quer que seja. E ele sabe que é combate leal, feito em terceiro plano, por comparação com a tribuna que dispõe.
    zazie said...
    Acrescente-se que a embirração com as ideias é perfeitamente recíproca, o que não deixa de ter a sua piada.
    zazie said...
    Melhor dizendo- nem sei se existe embirração com ideias. Para isso tinha de embirrar com livros, por exemplo.

    Embirra-se com práticas e actuações públicas ou influências sobre terceiros que se pode fazer com elas.

    E aí sim, sempre que isso acontece não imagino porque motivo se teria de poupar.

    Está visto que não me incomoda que as pessoas congeminem os planos mais hediondos, ou que que pensem caladas o pior acerca dos outros.
    ":O)))
    zazie said...
    Mas voltando à questão da disciplina nas escolas. É uma das maiores contradições da esquerdalhada a defesa da anomia. Porque nem se trata de combater autoritarismos que eles sabem que já tinham desaparecido quando nasceram.

    Trata-se do inverso- de fazer da dicotomia professor/aluno uma luta de classes.

    Toda essa dita "tolerância" normalmente justificada com a boa da "massificação democrática" do ensino é treta. Porque democratização ou massificação não implicam grunhice.

    Mas toda esta realidade é eternamente remetida para o tal papão do "facismo" e foi em nome dele que criaram todos os monstros utópicos. Este é apenas um. Há mais e pior...
    josé said...
    Portugal precisa urgentemente de uma gigantesca consulta colectiva em psicanalista, por causa do papão.

    Depois de ter perdido o medo ao papão, talvez consigamos fazer alguma coisa, com o senso comum que com certeza ainda deve andar por aí, perdido e à espera que lhe dêem atenção.

    Comece-se por se psicanalisar as escolas de sociologia.

    Depois, todos os Ruis Tavares que têm um medo atávico da autoridade e que a querem meter a ferros.

    Perceber de onde vem esse medo, será meio caminho andado para chegar a um lado melhor do que aquele onde estamos.
    CD said...
    Já não percebo nada numa semana os professores invadem as avenidas e as rotundas do país a clamar contra a sua avaliação, a pedir a queda do governo, numa demonstração de força como não se via desde o tempo deo PREC. O presidente da Fenprof já é designado como o mais válido sucessor do Carvalho da Silva da CGTP.

    O governo recua, aqui se vê a força dos professores.

    Na semana seguinte, vemos na TV uma aluna à pancada com uma professora, e de repente, constata-se que quando os alunos estão para aí virados desatam a praticar boxe nos professores.

    Devo estar distraído mas, aquando das grandaes manifestações nem os profs nem a Fenprof se queixaram desse problema.

    Não se lembraram, isso não lhes diz respeito? Ou não ...
    Tino said...
    Pedindo perdão pela publicidade, sugiro a leitura destes dois posts:

    http://socratinice.blogspot.com/2008/03/mancha-que-alastra.html

    http://portugaldospequeninos.blogspot.com/2008/03/um-admirvel-mundo-novo.html
    JC said...
    Só tenho uma palavra para classificar este artigo do José:
    espectacular!
    Na qualidade da escrita, na lucidez.
    O que eu pergunto é quantos anos faltam ainda até que esta geração de esquerda que nos domina - nos "media", nas artes, na política - desapareça e deixe aberto o caminho para que uma nova "cultura democrática" se instale e nos permita avançar.
    Uma "cultura democrática" sem os medos da PIDE e dos autoritarismos e sem os complexos de esquerda (onde se incluiu uma boa dose de "superioridade intelectual").
    Para ver se evoluímos, porra!

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