A Educação da Esquerda

Tomem lá este texto primoroso. O autor, declara-se de Esquerda. Assina com o acrónimo M.C.R. Já governou em Governo de Esquerda. Já tem obra publicada e escreve assim, deste modo que lembra o saudoso Assis Pacheco, como se pode ler, aqui:


Atribui-se, com alguma razão (mas não toda!) ao falecido e nunca suficientemente chorado Lev Davidovitch Bronstein, conhecido no século por Trotsky, a invenção da teoria da “revolução permanente”. Contra ela e a seu tempo, o também nunca assaz chorado Yossip Vissarionovitch Djugatchivilli recorreu ao expeditivo método da picareta ocasional, resolvendo assim com a brutalidade habitual um conflito teórico no seio do movimento comunista internacional.
Em Portugal, pais de brandos costumes e pouca reflexão, usou-se na mesma época uma outra teoria auxiliar de governação, conhecida como a da “conspiração permanente”.
Para o mimoso governo do dr. Oliveira Salazar, a pátria vivia em permanente sobressalto devido à actividade perniciosa e conspirativa de um punhado de energúmenos que tentavam derrubar a harmonia louçã do “torrãozinho de açúcar” recorrendo aos mais diversos expedientes desde o uso de roupa inconveniente e imoral até ao livre pensamento ou, horror dos horrores ao sindicalismo revolucionário e ao bolchevismo.
O Dr. Salazar finou-se há uns bons quarenta anos, a democracia lá apareceu e, por um momento, houve inocentes que pensaram que a conspirata tinha morrido com o seu teorizador.
Erro fatal como já se verá.
Ontem mesmo, na têvê a que temos direito, a senhora Ministra da Educação entendeu dizer entre algumas faltas gramaticais ( até trocou uma terceira pessoa do plural do futuro do verbo progredir (progredirão) por uma mais comezinha mas igualmente terceira e plural, do indicativo (progrediram). A mais não é obrigada e, de facto, a educação com os baldões que vai levando, algum lastro há-de perder quanto mais não seja o da gramática. É o progresso!...) que os professores andam a ser manipulados pela direita (parece que a senhora ministra presume de esquerda!...), que não perceberam que esta avaliação até é melhor do que a do resto da funçanata pública (além de manipulados são uns cretinos catatónicos) além de juntar umas vacuidades sobre o dever de governar e a autoridade do Estado.
Como provavelmente é difícil explicar à resplendente ministra a diferença entre autoridade e autoritarismo, entre democracia e mania, fiquemo-nos pelas acusações de manipulação. A primeira vez que ouvi tal coisa, foi da boca de um tal Saraiva, José Hermano Saraiva, nos idos de 69. A criatura exercia de factotum ministerial-educativo do dr. Salazar e do dr. Caetano. Numa alocução que o tornou célebre entendeu afirmar ex-catedra televisa (os bons hábitos não se perdem) que a estudantada coimbrã era manipulada. E foi o que se viu. Do ministro rapidamente substituído nunca mais se ouviu falar e a malta teve ganho de causa.
Veio a democracia e na pasta da Educação foram-se sucedendo as luminárias que se sabem. Volta e meia a estudantada, secundária ou universitária, saía para a rua e pimba, lá vinha o ferrete: manipulação. E a contra-senha “falta de informação”. Provavelmente esta senhora ministra terá pertencido a uma dessas gerações manipuladas e desinformadas visto ter sido aluna de Manuel Vilaverde Cabral. Ignoro se se lembra dessa época em que nadaria na abjecta ignorância e ao sabor de qualquer maldade internacional (comunismo, liberalismo, conservadorismo, anarquismo, o que se quiser). Provavelmente, não. Ou poderá até dar-se o caso da referida senhora pertencer aquela espécie quimicamente pura, sem gosto, cor ou sabor, como a água destilada e por isso ter passado por esses anos turvos sem dar por nada.
Uma das suas antecessoras, a drª Ferreira Leite disse rigorosamente o mesmo quando confrontada com os descontentes de turno. Os restantes titulares da Educação abundaram no mesmo sentido. A originalidade não é a palavra de ordem do M.E. como se vê. Ou não tiveram essa tentação. Quando não eram os alunos, eram os professores, ou ambos ao mesmo tempo sem falar nos sindicatos sempre comunistas ou sempre de extrema direita. Uma que outra vez eram os funcionários (quase inexistentes) das escolas que davam um arzinho da sua graça. Parece que esses agentes da desordem não gostam de ser maltratados pelos alunos, de ser agredidos, de não ser obedecidos, enfim as habituais balivérnias que lhes servem de pretexto para o protesto e a greve.
A Senhora Ministra disse e eu ouvi com estas duas orelhinhas que a terra há-de comer que desta vez era a direita que andava a manipular. Jesus, Maria, José! Se a direita está assim tão forte, amanhã temos um gauleiter no governo civil do Porto em vez da desconhecida miragem que por lá se deve entreter a fazer renda de bilros ou a jogar snooker. Dou as duas alternativas porque, além de desconhecer o nome da criatura também lhe desconheço o sexo.
Portanto, amanhã por esta hora (são quase oito da noite) a televisão, se não estiver ocupada pelas S.A., dará imagens terríveis dessa “marche aux flambeaux” raivosa e fascista que terá corrido as ruas de Lisboa. Pior que o 28 de Maio, pior do que os comícios convocados pela União Nacional no saudoso tempo em que, como agora, ela condenava professores ao desemprego, à impotência, ao silêncio e ao respeitinho.
Consta que se esgotaram os autocarros, que os restaurantes consultados pelo percurso já não podem assegurar mais refeições (e Deus sabe como comem estas feras docentes...) e que os sindicatos terão recomendado aos manifestantes o porte de um farnel, além, claro, das pistolas, das navalhas, dos tacos de basebol, das bombas que gente desta seguramente transportará.
Não acreditam? Então não sabem que a diligente Polícia de Segurança Pública sempre atenta e serviçal tem andado por escolas, becos, tavernas e mais sítios de má fama a perguntar quem vai e quem não vai? Por mera medida de segurança, claro, dos manifestantes, dos manipulantes, dos tratantes e demais preopinantes. Parece que o dr Pereira, patrão das polícias já declarou que no Ministério ninguém deu ordens (nunca dão) ninguém sabe nada (nunca sabem) e todos condenam veementemente (como sempre). E que já se deram ordens à Inspecção Geral da Administração Interna para levar a cabo o inquérito urgente. Eu adoro estes inquéritos se bem que, se me recordo, nunca vi sair fumo branco. Ou melhor vi sair tanto fumo que não vi nada. Ainda há bem pouco em Castelo Branco ou noutra pitoresca cidade do nosso rectângulo uns cavalheiros da polícia foram a um sindicato por via duma manifestação ou algo do género. Os briosos agentes da ordem também só iam por bem. Queriam apenas assegurar-se que tudo correria bem, e os papeis que recolheram no sindicato dos professores eram apenas para instrução própria ou porque porventura gostavam de ler.
As minhas cansadas leitoras e os meus raros leitores decerto que começam a fartar-se destes relambórios sobre as aventuras do poder. Eu também me vou cansando mas que querem? Não tenho outro meio senão este para ir comentando os tempos que se vivem. E não são tempos interessantes, lá isso não.

Publicado por josé 23:33:00  

10 Comments:

  1. Tino said...
    Venerável José

    A Ministra deixa sempre na penumbra da sua biografia oficial um certo período entre o início da sua idade adulta e a sua tardia licenciatura.

    O Paulo Guinote, do http://educar.wordpress.com/

    deixa aqui uma pista:




    Isto é comovente na sua aparente candura, vindo de um vulto notável e notado do anarquismo português das últimas décadas do século XX. Como factos apenas relembraria, com base em documentos e testemunhos, que João Freire foi um dos esteios das publicações de índole anarquista dos anos 70 a inícios de 90, onde se estreou nas lides da escrita uma jovem Lurdes Rodrigues, redactora e editora, por exemplo, da revista A Ideia.

    Mais tarde João Freire foi alguém que alumiou a então já socióloga Maria de Lurdes Rodrigues na sua carreira académica, orientando-lhe a própria tese de doutoramento.

    Que, como se lê no Terrear, João Freire seja o autor de um estudo «técnico«científico» feito para o ME e que estaria na base do actual Estatuto da Carreira Docente é apenas mais um detalhe factual.
    Antigo Professor da 4ª Classe said...
    Rui Pereira autoriza a PSP e a GNR a, «sem prejuízo do cumprimento da sua missão, prestarem colaboração aos estabelecimentos de restauração ou de bebidas que a solicitarem, para garantir a segurança de pessoas e bens».

    Fonte : um jornal perto de si.
    zazie said...
    José:
    Deixei-lhe ali na outra caixinha de comentários, um pequeno reparo ao que tem escrito a este propósito.
    zazie said...
    Em poucas palavras. Há uma longa destruição de tudo o que devia ser ensino e essa é da responsabilidade dos pedagogos.

    Só que essa irresponsabilidade tem sido útil a uma classe (a maioria dos profs) mal habituada com essas palhaçadas de acções de formação como a única forma de actualizarem conhecimentos ou serem avaliados, para progressão na carreira.

    Toca nisto, deitar isto tudo abaixo é a única forma de travar o descalabro. Mas estou convencida que qualquer governo que avançasse da forma correcta, tinha ainda maior oposição do corporativismo dos professores pela frente.

    Se fossemos para o universitário até bastaria impedir que alguém seja pago como prof sem precisar de lá pôr os pés.
    zazie said...
    errata: tocar
    josé said...
    Já lá está a resposta que é esta:

    Não é uma questão de ter boa imagem dos professores, enquanto classe ou grupo corporativo. Neste aspecto, até tenho uma boa imagem, mas o problema reside algures naquilo que VPV escreve hoje no Público:

    No ethos, nop background que nos trouxe até aqui, onde agora estamos.

    A formação dos professores, quanto a mim, é verdadeiramente o ponto mais importante.

    O sistema educativo, para se reformar verdadeiramente, tem de começar por aí, pela formação de professores.

    Isso nota-se nas universidades que temos, e nos Institutos politécnicos que vamos tendo cada vez mais. E outras ESE´s.
    Há quem ache que isto está tudo muito bem e que os problemas já estão resolvidos e que os sistema está bem.

    Porém, a qualidade do saber, nesses lugares, degradou-se dramaticamente, quando a mim, nas últimas décadas. Não digo isto por andar lá a perguntar ou a ver. Digo de modo empírico, ao ler o que os universitários escrevem, o que ensinam a quem conheço e o grau de cultura geral que vemos nos jornais.

    Às vezes leio um tal Fiolhais, eminência parda da Ciência físico-química de Coimbra e fico varado com o que leio. Varado!

    A equação colocada pelo francês Lafforgue, parece-me muito bem estruturada, porque responde a várias questões que tenho vindo a colocar a mim próprio como dúvidas.

    A maior é sobre a Ideia de ensino e quem a transmite em Portugal. De onde vêm as ideias para o Ensino, em Portugal?


    É aí que reside o problema. Não nos professores que cumprem conforme sabem e podem, o que lhes pedem, para cumprir.

    Se virmos bem, de onde vêm as elites portuguesas? Das universidades. Que universidades?

    Em Direito temos Coimbra e Lisboa. Ensinam o que sabem ensinar, de há dezenas de anos para cá, sem qualquer mudança significativa, nos métodos de ensino. Igualzinho, incluindo todas as aberrações que existiam há trinta anos e que conheci: professores completamente doidos. Programas, completamente incompreensíveis e inúteis a não ser para forçar um raciocínio apurado traduzido num empinanço frenético.
    Mas ainda assim o sistema funciona bem, nesses parâmetros.

    Nas ciências, tanto quanto julgo saber, o ensino não é melhor agora do que antes, tirando uns nichos ( Matemática por exemplo e por se ter experimentado métodos trazidos de outros lados e portanto, por se ter inovado).
    Na Medicina ouvi no outro dia o prf. Lobo Antunes a dizer que afinal os alunos geniais do Secundário, não o são tanto assim, quando chegam aos anfiteatros das medicinas várias.

    Nas Letras, desconfio que a coisa poderá estar melhor nuns pontos e pior noutros. COnheço um professor da fac Letras de Lisboa- António Feijó- que me dá a noção de que ainda há professores que sabem ensinar, mostrando.

    Mas isto são fragmentos, porque a maioria dos professores do ensino básico e secundário não atinge estes parâmetros de alguma exigência. Os Politécnicos e as ESE´s não me parecem lugares de excelência, mesmo comparados com as antigas Escolas Normais.

    É a minha impressão.
    zazie said...
    Saltou.

    Estava dizer que estou perfeitamente de acordo com o que o Jose´disse e sei que todo o mal deriva daí- dessa formação que mais não é que lavagem cerebral para a qual o saber específico de cada disciplina é mero acessório.

    E achei engraçado o que disse em relação ao Fiolhais porque penso o mesmo e só me faltava ler alguém a corroborá-lo aqui.

    A questão que eu levantei é apenas complementar. Porque o erro é tamanho que já conseguiu replicar-se nos próprios professores.

    Não será em todos mas numa maioria. Maioria que até é incapaz de perspectivar o seu trabalho em termos políticos e que não se manifestará toda pelas melhores razões, quando defendem, por exemplo, aquelas palhaçadas das acções de formação para progressão na carreira com mini-cursos de astrologia para professores de matemática ou culinária para Filosofia, ou apenas disparar umas fotos em História (há mais, há levantamentos dessa fraude das acções de formação que são puras anedotas).

    Quanto ao mal, o feedback que eu tenho é de assustar e vem de dentro, de quem está no ensino e em diversos pontos do país.

    Posso-lhe dar um exemplo- existe um biscate óptimo que consiste em ganhar umas coroas na correcção das provas globais. Muitos profs não são capazes de as corrigir.

    E isto não é um caso isolado, são às dezenas que me chegaram.

    Mas este exemplo também não é nada. Porque ainda se pode encontrar pior: os pedagogos que fazem os programas e são responsáveis pelos critérios de avaliação das matrizes ministeriais, fazem pior: cometem erros de palmatória. escrevem programas que são lixo e absoluto abastardar dos conhecimentos.

    Por isso é que o José no outro dia deu o remédio mais certeiro- fechem-se as escolas de Educação; feche-se o ISCTE.
    zazie said...
    Não tinha lido o VPV. É isso mesmo. Era exactamente disso que queria falar.
    zazie said...
    Por isso é que estava a insistir que são os próprios professores, com a cabeça feita por esta mentira que é a "ciência do aprender a aprender e de toda a palhaçada que nada tem a ver com ensino, que preferem as tais acções ou que nem se dão conta que o erro está aí.

    É claro que nada disto serve para lavagens de políticas governamentais como também se pode ler por aí. Pelos avatares a berlinde.
    ferreira said...
    E esta?
    http://www.oprimeirodejaneiro.pt/?op=artigo&sec=eccbc87e4b5ce2fe28308fd9f2a7baf3&subsec=&id=9a462c356a674d8ff0501d87100ab5f3

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