O legislador singular

Sobre o modo como se legisla em Portugal, mormente o papel do chamado poder legislativo, mesmo o delegado, nada melhor do que a leitura da entrevista de Joaquim Caldeira, ex-inspector geral de Jogos, ao jornal Sol desta semana, sobre o Casino de Lisboa e a génese da polémica que atinge o governo de Durão Barroso, quando Santana Lopes, era presidente da Câmara.

Joaquim Caldeira que foi inspector de Jogos durante 20 anos, narra com pormenor de historiador, o percurso de uma lei peregrina que acabou por entregar a um privado, o edifíco do Casino de Lisboa, gerido por um outro privado, no caso a Estoril Sol, representada então e agora, por Mário Assis Ferreira, segundo Caldeira.

Segundo Caldeira, José Luis Arnaut avocou o processo desde o início e as negociações decorreram sempre entre ele e Assis Ferreira. “Eles é que acordaram as condições que deviam presidir à instalação do novo casino.”

E agora repare-se como é que nasce uma lei, em Portugal:

[Tomei conhecimente dessas condições] “Quando me chegou a primeira minuta do ante-projecto, para a Inspecção de Jogos (IPG) fazer a redacção final do diploma que criava o casino. Aí estavam apenas as condições que foram estabelecidas e acordadas nessa negociação. E estava expressamente dito que o casino não era reversível para o Estado e seria propriedade plena da Estoril Sol.”

Fica esclarecida, com esta passagem, de quem é a verdadeira responsabilidade pelas negociações tenderem a conceder a um privado o que era então público.

Mas, no diploma não ficou isso explícito, porque Caldeira, afinal, cometeu um lapso, assumido pelo próprio. Que lapso?

Nessa altura eu tinha a convicção de que só quando os bens fossem reversíveis para o Estado é que havia necessidade de a lei o dizer expressamente. Não o dizendo, significava que não eram reversíveis. Fui eu, então, por minha iniciativa que retirei do texto do projecto-lei a expressão : “...pelo que o mesmo Casino não é reversível para o Estado, no final da concessão. Foi um lapso de que, aliás, só me apercebi mais tarde, quando a lei (15/2003) já estava publicada."

E explicando melhor o lapso:

Analisei o anteprojecto à luz da lei do jogo de 1989 ( e que já não estava em vigor)na qual se determinava que os casinos só revertiam para o Estado se os respectivos diplomas o dissessem expressamente. Considerei, por isso, que era uma redundância escrever no diploma que o edifício do Casino de Lisboa seria reversível para a Estoril-Sol. E eliminei a frase do projecto.”

E para que não restem dúvidas, põe o ponto final onde deve ficar: “ O dr. Arnaut é a peça fundamental neste processo: se o contrato é bom para o Estado, devemos agradecer-lhe; se não é, muito mal dr. Arnaut.”

E fica deste modo explicada a alteração à lei do jogo, operada em 2005, pelo governo de Santana Lopes, pela mão de Telmo Correia. Mas esta, é outra história.

A que importa aqui reter, é apenas este assunto da maior importância: há leis em Portugal, com influência na vida de milhares ou milhões de pessoas, que sendo aprovadas pela Assembleia da República, depois de terem sido Propostas de Lei, Projectos de Lei e até projectos de Propostas de lei, apresentadas pelo Governo ou gizadas na própria A.R afinal, se revelam leis de uma pessoa só.

Como afinal, foi o caso da lei do jogo de 2003, alterada em 2005.

Muita gente pode observar que não há nada de especial nesta maneira de legislar. Pois não. O problema é que os envolvidos, às dezenas, em boa parte dos casos, aceitam de bom grado e sem grande escrutínio, o que uma pessoa apenas, afinal...legislou.

Publicado por josé 23:20:00  

3 Comments:

  1. Laoconte said...
    Deve legislar sobre o crime de enriquecimento ilícito.
    lusitânea said...
    Para acabar com a corrupção é fácil, muito fácil.
    Basta publicarem uma lei que dá ao denunciante metade das verbas envolvidas.
    O nosso tradicional "bufismo" fará o resto para desgraça dos corruptos mas para nossa vingança...
    Laoconte said...
    Concordo com isso.
    Aliás o "bufismo" não é uma invenção dos corruptos para se protegerem?
    Na minha perspectiva, denunciar um crime como a corrupção é proteger o nosso dinheiro e evitar mais impostos.
    Basta ver o contra-exemplo da CML.

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