O código genético da nossa democracia
terça-feira, janeiro 29, 2008
Os fenómenos sociais ligados à traficância de influências políticas e ao estabelecimento de um autêntico nepotismo que conduz necessariamente à perversão democrática, traduzida em epifenómenos de oligarquia, instala-se aos poucos e a olhos vistos, na sociedade portuguesa.
Os políticos no activo são sempre os mesmos - aqueles que verdadeiramente mandam e influenciam, quero dizer. Durante mais de trinta anos, a democracia criou já uns profissionais do trato de gabinete, em sedes partidárias. São eles quem nomeia listas; quem escolhe nomes para empresas de vulto, no Estado e são eles quem decide do que é importanto no país. Com uma agravante: os dois maiores partidos, conluiam-se frequentemente nestes acordos de regime, para que tudo permaneça sem grandes alterações na sociedade que gizaram. Foi o que aconteceu há pouco no Pacto para a Justiça, com resultados nefastos que cedo se confirmarão ( é uma mera opinião, como está bom de ver).
Tais fenómenos, têm, porém, uma génese e um caldo de cultura que importa conhecer.
Um dos contributos mais interessantes para esse conhecimento fenomenológico, foi dado em tempos pelo actual Provedor do Leitor do Público, Joaquim Vieira.
Com inspiração daqui, pode ler-se revista Grande Reportagem que acabou, segundo se suspeita, precisamente por causa disso, ( e Mário Crespo que se precate porque levará o mesmo caminho tarda nada, ) escreveu o seguinte, agora repescado na Rede:
Ao investigar o caso de corrupção na base do «fax de Macau» (ver esta coluna na anterior edição), o Ministério Público entreviu a dimensão da rede de negócios então dirigida pelo presidente Soares desde Belém. A investigação foi encabeçada por António Rodrigues Maximiano, procurador-geral adjunto da República, que a dada altura se confrontou com a eventualidade de inquirir o próprio Soares. Questão demasiado sensível, que Maximiano colocou ao então procurador-geral da República, Narciso da Cunha Rodrigues. Dar esse passo era abrir a caixa de Pandora, implicando uma investigação ao financiamento dos partidos políticos, não só do PS mas também do PSD – há quase uma década repartindo os governos entre si. A previsão era catastrófica: operação «mãos limpas» à italiana, colapso do regime, república dos juízes. Cunha Rodrigues, envolvido em conciliábulos com Soares em Belém, optou pela versão mínima: deixar de fora o Presidente e limitar o caso a apurar se o governador de Macau, Carlos Melancia, recebera um suborno de 250 mil euros. Entretanto, já Robert Maxwell abandonara a parceria com o grupo empresarial de Soares, explicando a decisão em carta ao próprio Presidente. Mas logo a seguir surge Stanley Ho a querer associar-se ao grupo soarista, intenção que, segundo relata Rui Mateus em Contos Proibidos, o magnata dos casinos de Macau lhe comunica «após consulta ao Presidente da República, que ele sintomaticamente apelida de boss.» Só que Mateus cai em desgraça, e Ho negociará o seu apoio com o próprio Soares, durante uma «presidência aberta» que este efectua na Guarda. Acrescenta Mateus no livro que o grupo de Soares queria ligar-se a Ho e à Interfina (uma empresa portuguesa arregimentada por Almeida Santos) no gigantesco projecto de assoreamento e desenvolvimento urbanístico da baía da Praia Grande, em Macau, lançado ainda por Melancia, e onde estavam «previstos lucros de alguns milhões de contos». Com estas operações, esclarece ainda Mateus, o presidente fortalecia uma nova instituição: a Fundação Mário Soares. Inverosímil? Nada foi desmentido pelos envolvidos, nem nunca será.
Aqui, nesta pequena passagem, concentram-se alguns pequenos mistérios da nossa incapacidade em aplicar o preceito constitucional que manda tratar todos por igual, perante a lei.
Nota-se a existência de suspeitas acerca de um fenómeno que envolve troca de dinheiro graúdo, por gente ligada a um partido político, num ambiente de oriente, abrangendo essas suspeitas, de modo fundado, figuras gradas da democracia que nunca foram investigadas, por razões que se prendem com a aplicação prática de princípios de oportunidade. Isso, se de facto o relato for verdadeiro e consentâneo com a realidade dos factos, da ocasião.
Alguém sabe dizer?
Melhor ainda: é possível conviver durante este tempo todo, com estes fenómenos nunca esclarecidos na sociedade portuguesa? Deveremos aguentar estoicamente as dúvidas?
Quem pode responder a estas questões importantes, é precisamente Cândida de Almeida, mulher de Rodrigues Maximiano e actual dirigente do DCIAP.
O actual panorama de combate à corrupção e ao tráfico de influências ( que apenas passou a crime de catálogo em 1995) , exige uma abordagem moderna, actual, incisiva, totalmente independente, incluindo nesta independência a ideológica, isenta de ligações e amizades, ausente de preocupações oportunísticas sobre a conveniência da actuação e ainda firme e cega como a Jusitiça deveria ser sempre.
O MP português actual, tem gente capaz disto? Duvido que tenha pelso resultados que temos visto. E não, não falo de meios. Falo mesmo de gente, com vontade de ir um pouco mais além do que o que a burocracia da lei permite. Que se atenha ao objectivo principal e à inteligência comum, da vox populi. De prosseguir uma investigação com métodos novos ( mas legais) e com razões de vontade prática e proficiência que demonstrem que a nossa democracia é adulta, dispensa patronos e patrocínios e consiga fazer um pouco daquilo que foi possível fazer na Itália: demonstrar que as aparências são a realidade e que esta é nociva para a comunidade, tal como se apresenta.
No fundo, o que proponho é uma pequena revolução. Mas o país, não está para isso. Até ver.
Publicado por josé 09:59:00
5 Comments:
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E certamente providenciou para que não saísse uma surpreza como Souto Moura que não quis servir de Arquivador-Geral da República como havia sido Cunha Rodrigues.
Mesmo que isso não fosse verdade ( e não estou aqui a afirmar publicamente que o seja, embora tenha as minhas ideias que nunca exprimi publicamente), a verdade é que é isso que parece e em política o que parece...
Mas... veremos. Demos tempo ao tempo que se está a tornar curto, mas ainda não acabou.
De resto uma maravilha.Só estou curioso em ver como vai ser das "indemnizações"...
Eu também acho que ninguém quer chatices no poder judicial.Nós vemos como são "disciplinados" os "irreverentes"...Ah e todos os partidos participam na festa...
Mas acho piada o Cravinho ser apontado como "mártir" da luta anti-corrupção... mas então não foi ele que "demitiu" o general e lá deixou os "corruptos"?