Portugal



«Portugal
Eu tenho vinte e dois anos
e tu às vezes fazes-me sentir
como se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião
fosse combater os infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença
que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse?
Quase chego a pensar que é tudo uma mentira
que o Infante D. Henrique
foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação
do Príncipe Valente
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto
quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar poker com o velho do Restelo
(anda na consulta externa do Júlio de Matos)
Deram-lhe uns electrochoques e está a recuperar
à parte o facto de agora me tentar convencer
que nos espera um futuro de rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos
a ver se contraía a febre doImpério
mas a única coisa que consegui apanhar
foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso
sem lograr uma pérola que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Vou contar-te uma coisa
que nunca contei a ninguém
Sabes?
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar
por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce
ainda mais doce que os pastéis de Tentúgal
e o corpo cheio de pontos negros
poder espremer à minha vontade
Portugal, estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete
Salazar estava no poder
(nada de ressentimentos)
o meu irmão foi para a guerra
(nada de ressentimentos)
um dia bebi vinagre
(nada de ressentimentos)
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar
muito apaixonadamente
na boca»
«Portugal», Jorge Sousa Braga

Publicado por André 15:44:00  

1 Comment:

  1. Luís Negroni said...
    Adorava ser espanhol. E ainda gostava mais de ser italiano ou francês. E ainda gostava mais de ser inglês ou alemão. E ainda gostava mais de ser estadunidense, como dizem os brasileiros. Mas também digo que prefiro ser português que albanês ou cabo-verdiano ou marroquino. Não consigo é ver-me a optar por nascer português, se pudesse optar por nascer francês ou alemão, por exemplo. Pelo menos não estando nem bêbedo, nem ganzado, nem passado da cabeça. Os hipócritas, perdão, patriotas, que me desculpem a frontalidade. Ou não desculpem, que também não há problema nenhum.

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