Omertá












Na Itália do Sul, desde o fim do fascismo italiano e da Segunda Guerra mundial, vicejou uma organização criminosa que começou com ideais de entreajuda contra o Estado centralizador e o desejo de autonomia política, na Sicília.

A Mafia siciliana foi uma organização quase virtual, até aos anos oitenta do séc. XX. Alguns comentadores de vulto, chegavam a negar-lhe a existência real, como organização criminosa.

No início dos anos oitenta, já se desenvolvia na Sicília, com epicentro na verdadeira cidadezinha de Corleone, onde pontificavam Salvatore Riina e ainda Bernardo Provenzano, do clã Corleone, uma guerra entre famílias, pelo poder mafioso de atribuir contratos, determinar regras de negócios obscuros e mesmo abertamente criminosos e recolher um tipo de imposto local, não oficial. O pizzo, era uma extorsão a pagar pelos comerciantes em troca da protecção geral do sistema organizado pelas várias famílias. Os mortos contavam-se em poucos anos, às dezenas, todas devidas à guerra pelo controlo de espaços e influências.

O Estado central, decidiu parar a sangreira e a violência inauditas, iniciadas e determinadas por aqueles chefes de chefes, que dispunham de homens de mão e de honra para a vassalagem devida, cumprindo fielmente ordens de morte.

Para tal, constitui um organismo especificamente destinado à investigação e combate do fenómeno mafioso: o pool antimafia. Uma equipa de magistrados e polícias encarregados do assunto.

Em 23 de Maio de 1992, Giovanni Falcone, magistrado desse pool, morria numa autoestrada da Sicília, numa explosão de 1000 kilos de trotil. Para Borsellino, outro magistrado, em 19 de Julho seguinte, bastaram 100 kilos desse explosivo, para o mesmo efeito. Ambos os atentados, determinados por Totó Riina.

A morte de um deputado do partido no poder, Salvo Lima, da Democracia Cristã, em Março de 1992, anunciara a escalada de terror, encetada pela Mafia siciliana, de Totó Riina e Bernardo Provenzano.


Essa estratégia do terror, terminou de algum modo com a prisão de Totó Riina, em 15.1.1993, depois de 25 anos de fuga à Justiça e várias condenações à revelia. A detenção só foi possível, mediante a colaboração de arrependidos da mafia que contaram às autoridades, o paradeiro do capi di tutti capi: bem no meio da cidade de Palermo, numa quinta anódina. Fazia-se transportar num Citroen discreto, de modelo médio. Bernardo Provenzano, foi preso em 11.4.2006, refugiado numa quinta nos arredores de Corleone. Andava fugido há mais de 40 anos.

Em 5 de Agosto de 1992, no auge da indignação popular, decorrente dos atentados mortíferos da Mafia, a revista italiana EPOCA, publicava todos os nomes dos mafiosos conhecidos até então, tal como eram identificados num relatório das autoridades policiais. Titulava na capa: Mafia- aqui estão os nomes. São 3 564. E publicava o relatório da polícia, em suplemento, perguntando: de que estão á espera?

O que se passou hoje no Porto, e de há meses a esta parte, não chega para se assimilar a cidade, à siciliana Palermo, dos anos oitenta-noventa.

Mas chega para se perceber como é que a inacção policial do Estado, pode permitir a criação de um estado paralelo, com as suas regras próprias e o uso da violência extrema para fins particulares. A principal arma da Mafia, era, até essa altura, a...omertá. O silêncio.

Imagens: EPOCA de 5.8.1992 e L´Espresso, de 25.10.1992

Publicado por josé 23:23:00  

4 Comments:

  1. Carlos Medina Ribeiro said...
    Lê-se no PÚBLICO de hoje: «O director nacional da PJ manifestou-se convicto de que a sucessão de crimes violentos no Porto "vai parar"». «Estou esperançado de que vamos esclarecer num tempo curto todos estes assuntos», salientou.


    Parece estar subjacente, pois, a tese (ou a esperança?) de que «estas coisas param por si», o que nos remete para o que acontecia quando, antes de Galileu, se estudava a trajectória das balas dos canhões: diziam alguns "entendidos" que os projécteis iam em frente até esgotarem a sua energia (ou se cansarem), e depois caíam na vertical.

    Salvo melhor opinião, no nosso caso, quem cai na vertical é a autoridade do Estado - perdoe-se-me a parábola...
    josé said...
    Nem sei bem porquê, lembrei-me subitamente do princípio de Peter, caro Medina Ribeiro...
    Luís Negroni said...
    Pelo andar da carruagem postadora mais valia mudarem o nome do blog para "Grande Loja da Noite do Porto". Que fixação a vossa, venham cá dar umas voltas à noite, que isso passa-vos.
    Carlos Medina Ribeiro said...
    Ainda - e sempre - os minimiza...dores

    Desde os que acham que a preocupação pelos assassinatos em plena cidade (incluindo, possivelmente a bomba de Sacavém...) é um "ataque ao Porto"; até ao director da PJ que acha que a coisa há-de parar, temos de tudo.

    Hoje, lê-se no «JN»:

    Pinto Monteiro diz que serão mobilizados "meios especiais" para combater a onda de violência na noite do Porto: "É evidente que o problema da violência do Porto não é alarmante mas é motivo para nos preocuparmos e temos de actuar"; "vou usar as competências que tenho", garantiu, minimizando a falta de recursos humanos.

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